domingo, 28 de dezembro de 2008

“ALMANAK” LAEMMERT



O ALMANAQUE LAEMMERT E O
PROJETO DE DIGITALIZAÇÃO DA UNIVERSIDADE DE CHICAGO


O Almanak Laemmert ou Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro (1844-1889) faz parte de um projeto de digitalização de documentos Latino-Americanos (Latin American Microform ProjectLAMP) do Centro de Pesquisa de Bibliotecas da Universidade de Chicago, patrocinado pela Fundação Andrew W. Mellon. Dentre os documentos digitalizados podemos encontrar:

- Documentos do Poder Executivo do Governo do Brasil (1821-1993)Mensagens Executivas (1889-1993)Relatórios Ministeriais (1821-1960)- Documentos dos Governos das Províncias (1830-1889)
- Almanaque Laemmert (1844-1889)
O Almanak Laemmert foi publicado pelos irmãos Laemmert (Eduard e Heinrich Laemmert) imigrantes alemães fundadores da Laemmert e & C. (Livraria universal e Tipografia) estabelecidos no Rio de Janeiro em 1833. A Livraria Universal fechou suas portas em 1909 após um incêndio que destruiu sua biblioteca e arquivos. O direito de publicação do Almanaque foi vendido e em 1942 outro incêndio veio a por fim à publicação. Os almanaques traziam informações de cunho administrativo, financeiro e comercial entre outras. Ao que concerne, por exemplo, à Casa da Moeda, já no 1° volume (1844 – pg.163/164) temos notícias sobre sua localização, na Rua do Sacramento no Rio de Janeiro. Tinha como Provedor Camillo João Valdetaro, traz ainda os nomes dos ocupantes dos seguintes cargos: Escrivão da Balança, Tesoureiro, Escriturários, Fieis da Balança, Mestre de Fundição, Fundidores, Mestre da Ferraria, Guarda Cunhos, Cunhador, Ajudante, Primeiro Ensaiador, Ajudantes de Ensaio, Primeiro Abridor, Segundo Abridor, Oficial de Abridor, Porteiro e Contínuo. Da Caixa de Amortização traz o nome do Inspetor Geral Francisco Cordeiro da Silva Torres e dos demais cargos, Contador, Tesoureiro, Corretor, Escriturários, Porteiro, Tesoureiro, Ajudante, Conferentes, Trocadores, Primeiro Escriturário, Segundos Escriturários, Amanuenses e Contínuo.
A
Biblioteca Nacional disponibiliza os mesmos almanaques digitalizados pela Universidade de Chicago em arquivos DjVu, que podem ser mais facilmente consultados.
Alguns volumes podem ainda ser consultados no
Google.
1851, 1852 e 1853.



© 2009 Marcio Rovere Sandoval

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

OS MUCKERS – AMBRÓSIO SCHUPP


OS MUCKERS


“...no ano de 1824 chega a Porto Alegre um navio, a que seguiu logo outro, desembarcando 126 imigrantes alemãs, os primeiros que o Brasil viu. A “Feitoria” e a “Estancia Velha” deviam ser a nova pátria dos recém-chegados e, ao mesmo tempo, o berço da colônia alemã no Brasil. No ano imediato, de 1825, recebeu a colônia recém-fundada o nome de “São Leopoldo”, em homenagem à Imperatriz D. Leopoldina.” (in, Os Muckers de Ambrósio Schupp. Brasília: Senado Federal, 2004, p.4)
Os Muckers de autoria do P.e Ambrósio Schupp relata o episódio conhecido como “A Revolta dos Muckers” (1873-1874). O livro foi editado primeiramente na Alemanha[1]e teve sua primeira edição brasileira, a que tudo indica, em 1910, publicada por Selbach & Mayer Livreiros-Editores de Porto Alegre.
Os acontecimentos relatados no livro se desenvolveram no então município de São Leopoldo no Rio Grande do Sul, numa localidade situada no sopé do morro do Ferrabrás, atualmente Sapiranga. Esta região foi colonizada por imigrantes alemães, daí a palavra “mucker” que é uma alcunha que significa “beato falso”.
A vinda de colonos alemães para esta região da então Província de São Pedro do Rio Grande do Sul começou em 1824. Eles eram na sua maioria provenientes da Província de Hunsrück na Alemanha e contaram inicialmente com o auxílio da Imperatriz Dona Leopoldina, primeira esposa de D. Pedro I, que pertencia à Casa dos Habsburg
[2].
Como vimos, a bela cidade de São Leopoldo no Rio Grande do Sul recebeu seu nome em homenagem à Imperatriz Leopoldina.
Quando os imigrantes alemães chegaram à região, as melhores terras já estavam ocupadas pela população local, cabendo aos recém-chegados, as terras mais distantes, cobertas de florestas virgens, situadas no vale do Rio dos Sinos. É neste local que vai se passar o drama dos muckers. A língua utilizada na região era o Plattdeutsch ou baixo-alemão e o dialeto da Província de Hunsrück.
Da população imigrante houveram aqueles que prosperaram e outros que se dirigiram à comunidades mais distantes como a do Ferrabrás, às margens do Rio dos Sinos, para se dedicar à agricultura. Lá as condições de vida eram extremamente difíceis.
Na prática os colonos foram abandonados a sua própria sorte, num território inóspito que lhes cabia desbravar.
Neste contexto, como veio a ocorrer mais tarde em Canudos e no Contestado, surgiu um movimento messiânico.
Nossa história começa em meados de 1868 quando João Jorge Maurer e sua esposa Jacobina Maurer (nascida Mentz), filhos de imigrantes, vão para aquela região. No início João Maurer, carpinteiro de profissão, começa a curar as pessoas com plantas medicinais, ganhando popularidade e acabando por ganhar a alcunha de Wunderdocktor (algo como médico prodigioso). Jacobina a este tempo aprende a ler e passa a interpretar passagens bíblicas para os pacientes do marido. Ela passará de coadjuvante para personagem principal dos acontecimentos. Aos poucos, as pessoas que afluíam ao Ferrabrás o faziam por causa de Jacobina que lhes prometia a salvação. Jacobina ao proibir seus adeptos de frequentar missas e cultos entrou em conflito com as religiões católica e protestante. Surge aí a denominação de mucker (beato falso) dado por seus opositores que por sua vez foram apelidados de Spotters (debochados) pelos muckers.
Surgem diversos conflitos, a Polícia é chamada a intervir, Jacobina e João Maurer são presos, ela vai parar num hospital, ele numa prisão. Após serem considerados inofensivos são libertados. Isto aumenta a confiança de seus adeptos. Prosseguem as reuniões no Ferrabrás e Jacobina intitula-se o “novo Cristo” nomeando apóstolos.
Pessoas que abandonam os ensinamentos de Jacobina aparecem mortas, ela é presa e os muckers passam a assassinar os adversários, não poupando nem as crianças. A Polícia acaba por pedir ajuda ao Exército Imperial, recém-chegado da Guerra do Paraguai.
Mesmo com a experiência advinda da Guerra do Paraguai, fato que virá a se repetir nos dois outros conflitos futuros (Canudos e Contestato), o Exército subestimou seus adversários. O primeiro confronto com os “fanáticos” em 28 de junho de 1874 foi desastroso, perdendo o Exército 39 soldados contra 6 dos murkers.Em 18 de julho houve outra ofensiva que provocou a morte de vários adeptos e a fuga de Jacobina. Nesta ocasião o Coronel Genuino Sampaio é ferido na “perna” o que vem a lhe causar a morte em consequência de “hemorragia”.
Em 2 de agosto de 1874 Jacobina é descoberta e morta, juntamente com seus adeptos. Houveram sobreviventes que foram perseguidos tanto pela Justiça como pelo restante da população.
Existem vários livros sobre o tema entre eles podemos citar Videiras de Cristal de autoria do romancista Luiz Antonio de Assis Brasil publicado em 1990. Temos também o filme “A paixão de Jacobina” de Fábio Barreto inspirado neste mesmo livro.
O livro Os Muckers - episódio histórico extraído da vida contemporânea nas colônias alemãs do Rio Grande do Sul do Padre Ambrósio Schupp pode ser encontrado na Biblioteca on line do Senado (clique no t
ítulo).


© 2009 Marcio Rovere Sandoval

[1] « SCHUPP, Ambros. Die Mucker: Eine Erzählung aus dem Leben der Deutschen Kolonieen Brasiliens in der Gegenwart. Bonifacius-Druckerei, 1900.
[2] Casa Imperial Austríaca (1438-1918). A grafia mais usual em português é Habsburgos, temos também Habsbourgs (inglês e francês), neste caso optamos pela grafia alemã.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

HISTÓRIA - AS TAMBOLADEIRAS - BELMONTE





“AS TAMBOLADEIRAS” POR BELMONTE

Já tivemos a oportunidade de transcrever nesta página um dos textos do caricaturista Belmonte (Benedito Bastos Barreto – 1896 a 1947), intitulado “A Cama do Gonçalo”, constante no livro “No tempo dos Bandeirantes”. Nesta mesma obra temos outro texto que desperta a curiosidade, denominado “As Tamboladeiras”. O fato é que o autor em suas pesquisas nos testamentos e inventários seiscentistas notava continuamente a existência destes objetos. Belmonte se demanda o que vem a ser este estranho objeto que muitos possuíam e que sequer constava nos dicionários? Vamos conferir:





Como, nesta edição, se responde a uma pergunta que ficara de pé em edição anterior - A "tumbler" inglesa, a "tummler" germânica e um verbo muito conjugado - Um problema iconogrÁfico e etimolÓgico que se resolve.

Há, na História de todos os povos, episódios tão nublados de mistério que, mesmo enfrentados por pesquisadores pacientíssimos e eruditos, continuam cada vez mais nebulosos e, por isso mesmo, cada vez mais fascinantes.
A História do Brasil ainda insuficientemente estudada, com arquivos abarrotados de documentação inédita, está inçada de dubiedades e contradições, de legendas e fantasias que só têm servido, em não poucos casos, para intrigar os principiantes e atordoar os eruditos. Quanto à História de São Paulo - todos nós sabemos que a História de São Paulo constitui, pelo menos, a metade da História do Brasil - as falhas, as dubiedades e os erros são de tal monta que só a paciência dos pesquisadores poderá corrigir com o correr dos tempos, à medida que se fôr estudando e recompondo o vasto acervo documental inédito existente nos arquivos.
Mas, é evidente que a História não se faz apenas com episódios. Estes se desenrolam num meio social e geográfico cujo conhecimento exato os justifica pois, se é verdade que "o homem é um produto do meio em que vive", esse homem não pode ser compreendido sem que esse meio seja conhecido. Ou, em linguagem menos confusa: uma grande peça teatral seria apenas uma desolante estopada, se os atores se movessem num palco sem cenários, nem mobiliário.
Quando foi publicada a primeira edição deste livro, deixei sem solução um pequeno mistério que vinha intrigando, não só os historiadores, mas até mesmo os filólogos e lexicógrafos. O caso, evidentemente, não tinha importância de tal ordem que conseguisse abalar os alicerces da História. Mas era desses que, aparentemente destituídos de maior importância, constituem desafio atrevido aos historiadores e aos filólogos, com grave desprestígio para uns e outros.
Foi assim que, na primeira edição deste trabalho, estudando a casa do bandeirante, o seu mobiliário e os utensílios domésticos do seu uso, fiz uma referência às tamboladeiras - utensílios de prata largamente usados nos lares de Piratininga e encontradiços em grande cópia de inventários e testamentos. Essa referência, conservo-a integralmente nesta edição e o leitor, se passou por ela, há de ter notado que, a exemplo de Alcântara Machado [1], lancei uma aflitiva interrogação: que é Tamboladeira?
Ninguém o sabia. Ou, melhor: Cândido de Figueiredo e Aulete pretendiam sabê-lo, pois, serenamente, nos seus grandes léxicos, informavam - mas informavam errando, pois não é possível aceitar a esquisita definição com que ambos pretendem ilustrar-nos.
E os dicionaristas mais remotos, Bluteau, Viterbo, Frei Domingos e Morais, prudentemente se fecham em copas, não nos dando da Tamboladeira a mais vaga, a mais longínqua idéia, como se o malsinado utensílio nunca houvesse existido, nem essa esquisita palavra houvesse jamais sido pronunciada.
Publicado o livro, o "caso da tamboladeira" aguçou a curiosidade de não poucos espíritos que, como o meu, não queriam conformar-se com o fato de saber que os bandeirantes faziam largo uso de um utensílio que nós, homens decididos do "século da Luz", continuávamos a deixar na treva... Mas, como?
Seria fácil, então, nos conformarmos com o mistério, numa época em que até as assombrações deixaram de ser misteriosas? E como deixar sem identificação iconográfica e etimológica um utensílio tão largamente usado pelos bandeirantes?
O "caso" era fascinante e eu me afundei resolutamente nele, enquanto de vários lugares me chegavam cartas com idéias, sugestões, alvitres, pseudo-soluções que, na sua maioria, não passavam de tímidos "palpites", reveladores apenas de um admirável interesse pelo problema. O qual, apesar de tudo, continuava cada vez mais misterioso, como nova Esfinge na estrada de Tebas.
Felizmente, ninguém foi devorado.
Um dia, porém, o antiquário Almeida Santos que, fascinado pelo caso, também se emaranhava no cipoal das pesquisas, afirma-me que a vasilha quatrocentista inglesa chamada tumbler deveria ter alguma relação com o nosso problema.
Tinha. Pelo menos, tinha a semelhança prosódica, pois a sua pronúncia, "tâmblar", surgia, logo de início, como um argumento de força irresistível a fazer do seu indisfarçável parentesco com a tamboladeira ou a tambladeira. E mais: a tumbler era, como se sabe, uma vasilha usada pelos bebedores de vinho e caracterizava-se pelo fato de não ter pés. Quem bebia por ela era forçado a esvaziá-la toda para, só então, a pousar sobre a mesa, pois se assim não fosse feito, a vasilha não poderia ter eqüilíbrio e entornaria o líquido.
Ora, isso veio logo ao encontro do que eu andava desconfiado com o verbo espanhol "tambalear". Se a "tumbler" não pára em pé, por ter o fundo cônico ou arredondado, e se o verbo "tamblear" quer dizer "cambalear, mover-se de um lado para outro procurando eqüilíbrio", é evidente que a tamboladeira é exatamente uma tambaleadera, isto é, uma coisa que cambaleia.
E isto se afirma com maior solidez sabendo-se que to tumble, em inglês, significa tombar e que a tumbler, posta sobre a mesa, deseqüilibra-se, cambaleia e cai. Daí a razão de ser a tamboladeira posta sobre a mesa com a boca para baixo. Uma vez cheia de vinho, o bebedor era obrigado a esvaziá-la inteiramente, se não quisesse ficar com ela na mão o dia todo...
Ora, apesar de ser uma vasilha de tão largo uso na Europa, desde o século XII, não são muitas as referências que se encontram a respeito da tamboladeira, sendo ainda curioso observar que este nome não era comum na península ibérica. No seu belo livro "The Collecting of Antiques" [2], Ester Singleton, à pág. 119, faz-lhe apenas uma rápida alusão: "Beside these pieces there would be great flagons, standing-cups, mugs, tumblers, and enormous candlesticks". E as mesmas ligeiras referências se encontram em "English Plate Marks", de W. J. Cripps, e "Silversmith's Work" de Hungerford Pollen.
Todavia, a Enciclopédia Britanica, mais explícita, entra em detalhes, afirmando que a tumbler é "a plain cup or bowl widely expanded at the mouth and with a runded base, so that it could only be set down when empty" - (... com um fundo arredondado, só podendo ser assentada quando vazia).
E, indo mais a fundo nesse caso, voltei com mais uma achega, descobrindo na prataria alemã dos séculos XIV, XV e XVI, a ancestral saxônia da tamboladeira na tummler e na handtummler, que F. S. Meyer descreve como "certos vasos sem pé, que cambaleiam quando colocados na mesa e que devem ser esvaziados previamente para pô-los direitos". E afirma ainda o escritor alemão que tummler vem do velho taumeln (cambalear), embora, mais etimologicamente, se possa radicar aquele substantivo ao verbo tummler (rodopiar, caracolar).
É indiscutível, como se vê, a origem da tamboladeira na sua ancestral britânica tumbler ou na germânica tummler, ambas coincidindo perfeitamente com o verbo espanhol tambalear.
A handtummler alemã é, como o próprio nome o indica, a tamboladeira com um cabo, ou um pé, o que lhe dá um aspecto de sineta. E é desse tipo, com certeza, a "tamboladeira com seu pé" que se encontra no inventário do capitão Bento Pires Ribeiro, falecido em São Paulo em 1669. E não deixa de ser curioso assinalar que, assim como alhures havia tamboladeiras de cristal com pé de prata, em São Paulo se criou um novo tipo com... coco. É, pelo menos o que aparece no rol de avaliações dos bens deixados pelo cunhado de Fernão Dias: "um coco aberto ao buril com o bocal de prata e seu pé..."
Ainda nos inventários paulistas do seiscentismo vamos encontrar outros tipos de tamboladeiras, como aquela "de gomos" que outra não será senão da espécie a que se refere a Enciclopédia Britânica, em forma de laranja: ... and a more usual type has orange-shaped body...
As tamboladeiras com asa, de que se encontram alguns exemplares nos inventários seiscentistas, nada mais são do que variantes dos vasos gregos, principalmente dos chamados "vasos de Nicostenes" que, com os "diolas" à frente, se espalharam por todo o mundo.








Vaso grego em forma de "Kalatho"


Concluindo: creio não haver mais sombra de dúvida sobre a identificação da tamboladeira do bandeirante, não só a respeito da sua iconografia como também da sua etimologia. Não parecia correto que historiadores, arqueólogos, mestres em pesquisas e professores de português, interrogados sobre o significado da desnorteante palavra, se limitassem a franzir a testa e ficar pensando.
Podemos dizer hoje, creio que com absoluta certeza, que tamboladeira era um copo de beber vinho, sem pés (ou com pé em ponta, servindo de cabo) e que, com a base em cone ou arredondada, como uma cuia, cambaleava e caía quando vazio. Era colocado sobre uma salva ou um prato, com a boca para baixo (do inglês "tumbler" e do espanhol "tambalear"). (N.E.: não só quando vazio, mas também quando cheio, desde que fosse largado pelo seu usuário...)


Tamboladeira alemã de cristal (handtummler)existente no "Bayrisches Gewerbe-Museum" de Nürenberg


[1] "Vida e Morte do Bandeirante".
[2] The Macmillan Company, 1937, New York.

Obs.: O Livro “No tempo dos Bandeirantes” de Belmonte pode ser encontrado na íntegra (inclusive com as demais imagens do livro) no site Novo Milenio.

domingo, 30 de novembro de 2008

HOLANDESES NO BRASIL – FRANCISCO ADOLPHO DE VARNHAGEN


HOLANDESES NO BRASIL
« Guerra distante, desajudada dos repeitos, estorvada do tempo… contra nação famosa, capitães destros, ministros prudentes e efeitos ricos… não sei eu que nos arquivos da lembrança humana haja outra com semelhante felicidade conseguida. »
D.Franc. Man. De Mello.
(in, Historia das lutas com os holandeses no Brasil desde 1624 a 1654. Viena, 1871, p.III)

Historia das lutas com os holandeses no Brasil desde 1624 a 1654. Viena, 1871, por Francisco Adolpho de Varnhagen (1816 – 1878), Visconde de Porto Seguro. Acima ilustração do litoral brasileiro e das denominadas moedas obsidionais holandesas (III, VI e XII florins de 1645/46 e XII soldos de 1654), constantes neste mesmo livro. A obra de Varnhagen referente aos holandeses no Brasil também encontra-se na sua História Geral do Brasil publicada anteriormente em 1854. A História Geral de Varnhagen, com notas de Rodolfo Garcia (4ª edição do 1° Volume) é considerada a melhor obra brasileira sobre os holandeses no Brasil, melhor até que a obra especializada indicada acima.
Abaixo temos os endereços para a localização das obras de Varnhagen disponíveis on-line e do Manual de Estudos Brasileiros que traz comentários sobre sua obra e de outros autores do período holandês.

I - História Geral do Brazil por Francisco Adolpho de Varnhagen Tomo I 1854.

II - História Geral do Brazil por Francisco Adolpho de Varnhagen Tomo II 1857.

Historia das lutas com os holandeses no Brasil desde 1624 a 1654. 1871

Manual de Estudos Brasileiros – V.I e II.

Obs. : O Manual de Estudos Brasileiros indica a obra do alemão Hermman Wätjen, « O Domínio Colonial Holandês no Brasil », editado pela primeira vez em 1921, como o melhor estudo sobre o assunto. A 2ª edição (1ª edição em português) foi lançada pela Companhia Editora Nacional em 1938. A 3ª edição deste livro saiu em 2004, publicado pela Companhia Editora de Pernambuco, na ocasião da comemoração dos 350 anos da Restauração Pernambucana.

domingo, 16 de novembro de 2008

NUMISMÁTICA - F.DOS SANTOS TRIGUEIROS


F.DOS SANTOS TRIGUEIROS



Em 1966 por ocasião do primeiro aniversário do Banco Central do Brasil foi lançado o livro Dinheiro no Brasil, de F. dos Santos Trigueiros, que trazia na capa a ilustração do antigo prédio da Caixa de Amortização que atualmente abriga o Departamento do Meio Circulante do Banco Central no Rio de Janeiro. O livro teve uma reedição em 1987, trata-se de uma das poucas obras que se ocupam das cédulas brasileiras e é de singular importância para aqueles que queiram conhecer o assunto.
F. dos Santos Trigueiros foi alto funcionário do Banco do Brasil, economista e museólogo, participou dos trabalhos de organização e instalação do Museu do Banco do Brasil e do Museu d
e Valores do Banco Central do Brasil.
Em 1972 organizou a Iconografia do Meio Circulante, obra magnífica sem similar até os dias de hoje, que traz ilustrações da Coleção do Museu de Valores do Banco Central bem como do Museu do Banco do Brasil.
Trigueiros, também participou da elaboração do livro "Cédulas Brasileiras da República – Emissões do Tesouro Nacional" publicado pelo Banco do Brasil em 1965.
Segue a relação de suas obras:

- O Museu, Órgão de Documentação. Rio de Janeiro: Revista do Serviço Público, p.91/94, 1952.
-
Aspectos da Arte na Bahia. Rio de Janeiro: Edição particular, 1953.
-
O Museu, Órgão de Documentação. Rio de Janeiro : Cadernos AABB, 1955.
-
Museus, Sua Importância na Educação do Povo. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti Editores, 1956.
-
Conceito de Iconografia. Rio de Janeiro: 1954.
-
Exposição de Ex-Libris. Rio de Janeiro: Associação Atlética Banco do Brasil, 1955.
-
Economia Política Pequena Bibliografia. Rio de Janeiro: Cadernos AABB, 1957.
- Les Musées des Banques en Amérique. Paris: Revista Museum, Vol. X n° 4, p.268 a 272, UNESCO, 1957.
-
Museu e Educação.
(Título da 2ª edição de Museus) Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti Editores, 1958.
- Exposição de Moedas Espanholas. Rio de Janeiro: Museu do Banco do Brasil, 1958.
-
Moedas e Cédulas. Classificação, Conservação e Seleção. Rio de Janeiro: Banco do Brasil S.A. Museu e Arquivo Histórico, 1964.
- Dinheiro no Brasil. Rio de Janeiro: Reper Editora e Publicidade, 1966.
- Papel Moeda. (Exposição durante reunião do FMI) Rio de Janeiro: Banco Central do Brasil, 1967.
- Dinheiro no Brasil (Síntese histórica). Para a exposição organizada pela Caixa Econômica Federal e Banco Central do Brasil, 1970.
- Iconografia do Meio Circulante. Vol.8 das publicações oficiais do Sesquicentenáiro da Independência, Gerência do Meio Circulante – Banco Central do Brasil, 1972.
-
Dinheiro no Museu. Rio de Janeiro: Editora Expressão e Cultura, 1972.
- Cédulas do Brasil. Catálago da Exposição organizada pelo Museu de Arte da São Paulo e o Museu de Valores do Banco Central do Brasil, de 12 de novembro a 7 de dezembro de 1975, Banco Central do Brasil, 1975.
- Dinheiro no Brasil. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial Ltda., 2ª edição, 1987.

Em colaboração :

- Recursos Educativos dos Museus Brasileiros. Rio de Janeiro: INEP – ONICOM, 1958.
- Cédulas Brasilerias da República. Emissões do Tesouro Nacional. Rio de Janeiro: Banco do Brasil S.A. Museu e Arquivo Histórico, 1965.
-
Um Estudo sobre Eqüivalência entre a Percepção Visual e a Percepção Táctil. (Experiência realizada com os cegos no Museu do Índio, em agosto de 1968) Rio de Janeiro: Edição particular, 1968.
- Enciclopédias Delta Larousse e Mirador (verbetes Dinheiro e Papel-moeda)

domingo, 2 de novembro de 2008

BANCO MERCANTIL DE SANTOS



BANCO MERCANTIL DE SANTOS
                            © 2008 Marcio Rovere Sandoval

Encontramos interessante informe publicitário sobre o Banco Mercantil de Santos no "Almanach Litterario de São Paulo, para o anno de 1885", publicação de José Maria Lisboa em seu "8º anno" (p. 124). Referida publicidade indica que aquele banco possuía além da matriz em Santos, agência em São Paulo, na "Travessa do Collégio" e que emitia saques contra o "English Bank of Rio de Janeiro Limited", e em Paris contra o A. & M. Heire, em Hamburgo contra o J. Berenberg, Grossler & Cª, em Portugal contra o Banco Lusitano e suas dependências, no Brasil contra sua caixa matriz e agências - Santos, Campinas e Rio de Janeiro. O banco ainda recebia dinheiro em conta corrente e por "lettras" pagáveis em São Paulo, Santos, Campinas e Rio de Janeiro. Menciona, ainda, os nomes do agentes: "A.F. Quiques e E. Steidel". (Fig. 1) .
O Banco Mercantil de Santos foi aprovado pelo Decreto n° 5.017 de 17 de julho de 1872 com um capital de 4.000.000$000 (quatro contos de réis) dividido em 20.000 ações de 200$000 (duzentos mil réis) cada. O banco foi instalado em 1° de outubro de 1872. A sede em Santos era situada na Rua Frei Gaspar n°1, em edifício próprio.
Inicialmente, teve a autorização para emitir bilhetes nos valores de 10$000 (Lissa n°453), 20$000 (Lissa n°454), 50$000 (Lissa n°455), 100$000 (Lissa n°456), 200$000 (Lissa n°457) e 500$000 réis (Lissa n°458), os dois primeiros foram impressos pela ABNCo. - American Bank Note Company e os demais pela W&S ltd. - Waterlow & Sons Limited de Londres, nos termos da Lei nº 3.403, de 24 de novembro de 1888, alterada pelo Decreto nº 253, de 8 de março de 1890, “conforme superimpressão nos anversos dos bilhetes”
[1].
Os bilhetes do banco são semelhantes a outras emissões do período (Bancos Privados), apresentando diferenças apenas no nome do banco.
O banco não conseguiu colocar o que viria a ser sua emissão em circulação dentro dos prazos estabelecidos e teria atuado até o ano de 1903.


Fig. 2 - "Navio em alto mar" , detalhe da cédula de 500$000 réis do Banco Mercantil de Santos, impressa pela Waterlow & Sons Limited de Londres, cerca de 1890.
Márcio Sandoval

Esta matéria foi publicado originalmente no Sete – Selo e Arte, Órgão de Divulgação da AFSC, 07 de abril de 2000, ano VII, n° XXXVI, p.1. (Tiragem 400 exemplares).[1] Lissa, Violo Idolo. Catálogo do papel-moeda do Brasil, 1771-1986, Emissões oficiais, bancárias e regionais. Brasília: Ed. Gráfica Brasiliana Ltda., 3ª edição, 1987, p.157.
Obs.: Um exemplar das ações do banco pode ser visualizado no site Novo Milénio.

Autor: Marcio R. Sandoval (sterlingnumismatic@hotmail.com)

© 2008 Marcio Rovere Sandoval

domingo, 26 de outubro de 2008

OS GUTSCHEIN DE DREIZEHNLINDEN





Fig. Gutschein (vale de pagamento) por ½ dia de trabalho prestado para a “Companhia Austríaca de Colonização no Exterior”, conforme indicação do reverso em língua alemã.
Dreizehnlinden foi o nome dado por Andreas Thaler à colônia austríaca fundada por ele no meio oeste catarinense em 31 de outubro de 1933 e que veio a dar origem ao nome da atual cidade de Treze Tílias, ou seja, Dreizehnlinden, em língua alemã. O nome provém do título do livro do poeta Friedrich Wilhelm Weber (1813-1894), editado em 1884, que enaltecia a “tília”, árvore comum na Áustria e que veio a se adaptar bem nas terras do oeste catarinense.
Em 1953, quando da criação do distrito naquela localidade, optou-se pela utilização do nome Papuan, que significa “capim”, na língua dos povos indígenas que habitavam a região, os Kaingangs.
Em 1963 o distrito de Papuan foi elevado a município, passando a se chamar Treze Tílias. Não encontramos, até o momento, referências seguras quanto à recusa pelas autoridades governamentais da época em nominar a cidade de Dreizehnlinden.
Andreas Thaler, antigo Ministro da Agricultura da Áustria e administrador da nova colônia, implementou os “gutschein”, ou seja, vales de pagamento à semelhança dos “notgeld” alemães, dinheiro de emergência largamente utilizados na Europa no período entre-guerras, frente à escassez de numerário ou mesmo por sua forte desvalorização. Estes vales tiveram circulação no âmbito da colônia e “eram principalmente utilizados pelo administrador para o pagamento dos serviços comunitários prestados pelos colonizadores na abertura de estradas, execução de pontes e outras edificações de interesse da administração”.[1] Estima-se que circularam durante o período de 1933 a 1939. Foram emitidos cinco valores correspondentes a quantidade de horas e dias de trabalho para a “Companhia Austríaca de Colonização no Exterior”, vejamos:

1. ½ hora de trabalho 105 mm x 64 mm azul
2. 1 hora de trabalho 110 mm x 69 mm lilás
3. ½ dia de trabalho 112 mm x 71 mm verde (chancela de Andreas Thaler)
4. 1 dia de trabalho 119 mm x 75 mm sépia (chancela de Andreas Thaler)
5. 5 dias de trabalho 131 mm x 81 mm azul (chancela de Andreas Thaler)

Os “gutschein” trazem no anverso, cenas do âmbito da agricultura e no reverso o valor e a indicação do responsável pela emissão: “Companhia Austríaca de Colonização no Exterior”, em língua alemã. Como vimos os três últimos valores apresentam a chancela do “Ministro”, Andreas Thaler.

Mais detalhes sobre este interessante assunto podem ser encontrados na matéria de autoria de Rubens Moser intitulada “Gutschein – O Dinheiro de Treze Tílias” publicada no Boletim da AFSC n°50 de agosto de 2003, p.1-6.
Veja também o livro intitulado Dreizehnlinden de Friedrich Wilhelm Weber e uma interessante Dissertação de Mestrado, de autoria de Ágatha Cristina Speck Mallmann, sobre as “Raízes históricas da colonização austríaca: um estudo sobre a educação de Treze Tílias (1928-1938)” .

[1] MOSER, Rubens. Gutschein – O Dinheiro de Treze Tílias. Florianópolis: Boletim da AFSC n°50, agosto, 2003, p.4.

Marcio R. Sandoval (sterlingnumismatic@hotmail.com)

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

RIO DE JANEIRO NA ÉPOCA DA AVENIDA CENTRAL – GLÓRIA KOK - 2005


Rio de Janeiro na época da Avenida Central – Glória Kok – 2005.
Uma interessante obra disponível on-line sobre a antiga Avenida Central do Rio de Janeiro. No início do século XX o Rio de Janeiro passou por uma grande reforma urbana que modificou radicalmente o panorama da cidade. A Avenida Central foi inaugurada em 15 de novembro de 1905 e em 12 de fevereiro de 1912 passou a se chamar Avenida Rio Branco em homenagem a José Maria da Silva Paranhos, o Barão do Rio Branco, chanceler (Ministro das Relações Exteriores) falecido dias antes. A avenida teria então 33 metros de largura e 1800 metros de extensão (iniciava-se no porto ainda em construção). Foram construídos ao longo do seu eixo diversos prédios que falam de perto à memória nacional, como o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional, o Museu de Belas Artes, a Companhia Docas de Santos e o edifício da extinta Caixa de Amortização e outros que lamentavelmente foram destruídos como o Palácio Monroe que será objeto de futuros comentários.

Postal da Avenida Rio Branco, s/d, ao lado esquerdo é possível identificar o antigo prédio da Caixa de Amortização, hoje pertencente ao Banco Central.
Seguem as informações para a localização da cópia digital do livro, disponível on-line.

5. KOK, Glória. Rio de Janeiro na época da Avenida Central. São Paulo: Bei Comunicação, 2005.

sábado, 11 de outubro de 2008

NUMISMÁTICA – HIPERINFLAÇÃO

A CÉDULA DE DENOMINAÇÃO MAIS ALTA JÁ EMITIDA – 100 milhões de “B. Pengö” da Hungria – 1946.


                                                                                            © 2008 Marcio Rovere Sandoval

Fig.1 – Cédula da Hungria de 1946 no valor de 100.000.000 “B.Pengö” (P.136). Se fossem colocados os números teríamos o 1 seguido de 20 zeros. Veja sobre o assunto as escalas curta e longa.

Em 1946, logo após a 2ª Guerra Mundial, a Hungria enfrentou uma hiperinflação que a levou a emitir a cédula de maior denominação da história, no valor de 100.000.000 “B.Pengö” (100 milhões de “B. Pengö” – Pick n°136), ou seja, 100.000.000.000.000.000.000 de pengö (cem quintilhões[1]), eis que o “B. Pengö” equivalia a um trilhão, que na prática nada ou quase nada valia (cerca de 20 centavos americanos na época). Esta cédula foi emitida pelo Banco Nacional da Hungria e apresenta a data de 3.6.1946. A estampa foi reaproveitada, sendo similar a de duas outras cédulas emitidas anteriormente (Pick n° 124 e 130). No anverso temos um medalhão com uma figura de mulher e no reverso o prédio do Parlamento húngaro. Interessante notar que a cédula não apresenta numeração, impedindo sua individualização.
Nesta mesma época a Hungria imprimiu outra cédula com denominação ainda maior, ou seja, 1.000.000.000.000.000.000.000 pengö (1 trilhão de “B.Pengö” ou um sextilhão de pengö) Pick. n°137 , mas não chegou a emiti-la.

Fig.2 – Cédula da Hungria de 1946 (não chegou a ser emitida) no valor de 1 trilhão de “B.Pengö” (P.137). Se fossem colocados os números teríamos o 1 seguido de 21 zeros.

Estas cédulas vieram a superar as cédulas da Alemanha emitidas durante o período de hiperinflação que se seguiu a 1ª Guerra Mundial. A Alemanha emitiu em 1923 e 1924, cédulas de 100 trilhões de marcos, ou 100.000.000.000.000 (Pick n°128 e 140), um número pequeno se comparado com o da Hungria. A antiga Iugoslávia antes do seu desmantelamento emitiu uma cédula de 500.000.000.000 de dinares (500 bilhões) e o Zimbábue recentemente emitiu uma cédula de 100.000.000.000.000 de dólares (100 trilhões) com “prazo de validade” até janeiro de 2009...
Esta cédula emitida pelo Zimbábue em 2008 (P.91) é equivalente às cédulas alémas do período de hiperinflação enumeradas acima (P.128 e 140).

Matérias relacionadas:

- Numismática– Galeria Virtual II - Hiperinflação

[1] Escala curta. No sistema europeu esta cifra equivale a cem trilhões.

Autor: Marcio R. Sandoval (sterlingnumismatic@hotmail.com), outubro 2008.

© 2008 Marcio Rovere Sandoval

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A EXPEDIÇÃO DE LA PÉROUSE E SUA PASSAGEM PELA ILHA DE SANTA CATARINA EM 1785.


                                                                                            © 2008 Marcio Rovere Sandoval

A Ilha de Santa Catarina foi palco de passagem de diversos viajantes estrangeiros durante os séculos XVIII e XIX. Assim é que o Conde de La Pérouse (Almirante Jean François de Galaup) aportou na Ilha de Santa Catarina em 25 de outubro de 1785, oportunidade que redigiu interessante narrativa sobre a Ilha, que viria a ser publicada anos depois (1797), com os demais apontamentos sobre os locais por onde passou. Referida publicação levou o seguinte título: “Voyage De La Pérouse Autour du Monde”, edição esta redigia por M.L.A Milet-Mureau. Vejamos parte destas observações, que nos parece mais interessante: “A Ilha de Santa Catarina se estende desde 27 graus 19’10” de latitude do sul até 27 graus 49’; sua largura de leste a oeste não é mais que de 2 léguas; está separada do continente, em sua parte mais estreita, por um canal de 200 toesas. É no fim desta barra que está a vila de “Nostra-Senõra-del-Desterro”, capital desta capitania, onde o Governador tem sua residência; a vila contém no máximo 3 mil almas e aproximadamente 400 casas; seu aspecto é bem agradável. Segundo a narrativa de Frézier, esta ilha servia, em 1712, de refúgio aos vagabundos que fugiam de diferentes partes do Brasil; só estavam sujeitos a Portugal nominalmente e não reconheciam autoridade alguma. A região é tão fértil, que podiam se subsistir sem auxílio algum das colônias vizinhas; estavam tão faltos de dinheiro que não podiam tentar a cobiça do governador geral do Brasil, nem lhe inspirar o desejo de submetê-los. Os navios que lá fundeavam não lhes davam mais do que roupas e camisas de que tinham absoluta carência, em troca de provisões. Somente em 1740 a corte de Lisboa estabeleceu um Governo regular na Ilha de Santa Catarina e terras adjacentes do continente. Este Governo se estende por 60 léguas de norte a sul, desde o rio São Francisco até o Rio Grande; sua população é de 20.000 almas. Notei nas famílias um grande número de crianças, que acredito ser em breve de número mais considerável. O solo é extremamente fértil e produz toda a sorte de frutos, legumes e cereais: esta coberto de árvores sempre verdes, mas são de tal forma entrelaçadas de espinhos e lianas, que não é possível atravessar estas florestas sem abrir uma vereda a machado; tem-se ainda a temer as serpentes, cuja picada é mortal. As habitações, tanto na ilha como no continente, estão todas à beira do mar: os bosques que as cercam têm um aroma delicioso, devido à grande quantidade de laranjeiras, árvores e arbustos aromáticos de que estão cheios. Apesar de tantas vantagens, a região é muito pobre e tem falta absoluta de objetos manufaturados; de modo que os camponeses se encontram quase nus ou cobertos de andrajos: suas terras, que seriam muito próprias para o cultivo de cana-de-açúcar não podem ser aproveitadas por falta de escravos, pois não são suficientemente ricos para comprá-los. A pesca da baleia é muito abundante: mas é uma propriedade da Coroa, arrendada a um companhia de Lisboa: esta companhia tem, nesta costa, três grandes estabelecimentos nos quais se pescam cada ano cerca de 400 baleias, cujo produto, tanto em azeite como em “sperma-céti”, é enviado para Lisboa pelo Rio de Janeiro. Os habitantes não passam de meros espectadores desta pesca, que não lhes traz nenhum proveito. Se o governo não vier em seu auxílio, e não lhes der outras isenções ou incentivos que possa, ali incentivar o comércio, uma das mais belas regiões da terra definhará eternamente, o que não será de nenhuma utilidade à metrópole. (...) Parece-me que a nossa chegada lançara grande terror sobre a povoação; os diferentes fortes deram vários tiros de canhão em sinal de alarme; pelo que determinei fundear logo e enviar uma canoa à terra com um oficial, para fazer conhecer as nossas intenções bastante pacíficas e a nossa necessidade de água, lenha e alguns refrescos. M. de Pierrevert, encarregado desta negociação, encontrou a pequena guarnição da vila em armas; consistia em 40 soldados, comandados por um capitão, o qual despachou em seguida um mensageiro para a vila ao governador, Dom Francisco de Barros, brigadeiro de infantaria. Ele tinha conhecimento de nossa expedição pela gazeta de Lisboa; e uma medalha de bronze que lhe enviei, tirou-lhe qualquer dúvida sobre o objetivo de nossa estadia. (...) Dei preferência à Ilha de Santa Catarina sobre o Rio de Janeiro, para evitar as formalidades das grandes cidades, que ocasionam sempre uma perda de tempo; mas a experiência ensinou-me que esta parada reunia muitas outras vantagens. Víveres de todas as espécies haviam na maior abundância, um boi grande custava 8 piastras; um porco pesando 150 libras custava 4; tinha-se 2 perus por uma piastra; bastava unicamente lançar a linha para retirá-la cheia de peixes; levavam para bordo e nos vendiam 500 laranjas por menos de meia piastra e os legumes eram também de preço moderado. (...) O fato seguinte dará uma idéia da hospitalidade deste bom povo. Minha canoa tinha sido emborcada por um onda, numa enseada, onde tinha ido cortar madeira; as pessoas da redondeza ajudaram a salvá-la das ondas, fazendo questão que nossos homens naufragados se metessem em seus leitos, deitando-se sobre esteiras no chão, no meio do quarto onde se esmeravam em hospitalidades. Poucos dias após, levaram a bordo do navio as velas, os mastros, a ancoreta e a bandeira da canoa, objetos muito preciosos para eles e que seriam de grande utilidade em suas pirogas. Seus costumes são delicados; eles são bons, polidos, serviçais, mas supersticiosos e ciumentos de sus mulheres, as quais jamais aparecem em público.[1]
A história do explorador é deveras mui interessante, partiu La Pérouse do porto francês de Brest, sob os auspícios de Luís XVI, com o objetivo de atingir o “Grande Mar do Sul”, como era então designado o Oceano Pacífico. Aquela região havia sido descoberta pelo conquistador espanhol Vasco Nuñes Balboa em 1513 após ter atravessado o istmo da América Central, mas depois de quase três séculos a região ainda era pouco conhecida. O Capitão inglês James Cook estivera lá entre os anos de 1768 e 1779 colocando a Grã-Bretanha em posição privilegia no domínio dos mares. A missão de La Pérouse “era completar as descobertas de Cook nas Ilhas Sandwich, e Georgia; explorar as costas da Nova Zelândia, Austrália e Nova Guiné; explorar o Kamtchatka, a Ilha de Yezo e investigar a possibilidade da existência de uma passagem marítima entre o Atlântico e o Pacífico ao longo da costa norte-americana, um problema que instigava a todos os navegadores da época.”.
[2] Para atingir seus objetivos, e “descobrir todas as terras que tivessem escapado à atenção do Capitão Cook”., zarpou a bordo de duas fragatas a “Astrolabe” (Astrolábio) e a “La Boussole” (A Bússola) em 1º de agosto de 1785. Tratava-se de um navegador inveterado com diversas campanhas a serviço de seu país e no auge de sua carreira naval, contava então com 44 anos. Os navios levavam grande quantidade de provisões, inclusive material de troca para com os nativos: “600 espelhos, 2.600 pentes, 600 kg de contas de vidro e 50.000 agulhas de coser.”.[3] Os quatrocentos lugares disponíveis nos navios foram disputados um a um e entre os candidatos estava o “segundo-tenente da Academia Militar de Paris” de apenas 16 anos; seu nome era Napoleão Bonaparte e que por ironia do destino não foi escolhido...Os navios fizeram várias escalas no seu caminho pelo Atlântico, entre elas, a Ilha da Madeira, as Ilhas Canárias e a Ilha de Santa Catarina. Encontramos em um mapa que traz o traçado da expedição, referência à Ilha de Martin Vaz (conjunto de rochedos solitários e sem água potável situado a mais de mil quilômetros da costa do Espirito Santo e a 60 quilômetros da também brasileira Ilha da Trindade, sendo certamente o ponto mais remoto e isolado do território brasileiro), contudo não foi possível confirmar a informação. O fato é que a passagem do explorador inglês James Cook pela Ilha da Trindade em maio de 1775 foi registrada. Após a breve passagem pelo Brasil, como restou registrado no relato sobre Santa Catarina, dobraram o Cabo Horn no extremo sul do continente e entraram no Pacífico, passando por Valparaíso no Chile e pela Ilha de Páscoa, após foram ao Havaí, descobertas anos antes pelo Capitão Cook, local onde fora morto pelos nativos. Seguindo sua programação rumaram para o litoral norte-americano para um levantamento da costa chegando até a Califórnia. Daquele ponto rumaram para o oeste do Pacífico atingindo Macau em 3 de janeiro de 1787, dali seguiram cartografando através de Taiwan, Coréia, Japão, as Ilhas Sacalinas e a península de Kamchatka, ambas na Rússia, onde La Pérouse fez desembarcar um oficial que falava a língua russa – De Lesseps, com a missão de atravessar a Sibéria e levar à Europa os relatos da viagem até aquele ponto, motivo que determinou a existência do texto reproduzido acima sobre a Ilha de Santa Catarina e demais informações sobre os locais explorados, evitando que se perdessem. Seguiram viagem em latitudes meridionais sendo que foram atacados pelos nativos em Tutuila (hoje Samoa Americana – território externo do Estados Unidos) dirigindo-se para a costa leste da Austrália, onde encontraram uma esquadra britânica, a primeira a levar colonos, “750 condenados britânicos – homens, mulheres e crianças[4], que foram os fundadores da primeira colônia na Austrália, deixando com os ingleses mais relatórios sobre a viagem. Em 10 de março de 1788 os navios deixaram a Austrália, rumando a noroeste e não mais foram vistos. A França enviou uma expedição de busca em 1791 que zarpou do mesmo porto de Brest sob o comando de D’Entrecasteaux que veio a realizar numerosas descobertas científicas. A missão chegou a ilha de Vanikoro, uma das ilhas de Santa Cruz (hoje fazem parte das Ilhas Salomão) e mesmo notando a presença de fumaça em meio a vegetação (supostos sinais de náufragos) teve que escapar dos recifes e foi forçada a partir sem averiguar a procedência daqueles supostos sinais. Esta expedição teve um fim trágico, o Almirante adoeceu e morreu e os navios foram capturados pelos holandeses na Ilha de Java (hoje parte da Indonésia), haja vista a guerra existente entre os dois países e não mais se falou no assunto até 1828 quando Dumond d’Urville encontrou os destroços dos navios, em Vanikoro, levando-os para a França (Museu Naval de Paris).O achado deu-se através da ajuda dos nativos que mostraram um canal por entre os recifes ao qual chamavam a ‘Passagem Falsa’, ou ‘dos Naufrágios’. O navio de La Pérouse, La Bussole, navegou em direção a um ancoradouro que julgava ser seguro mas naufragou nos recifes de corais, seguido do L’Astrolabe. Foram encontradas várias peças dos navios atestando sem dúvida que tratava-se dos dois navios franceses da expedição. Não se sabe se La Pérouse sobreviveu ao naufrágio ou foi trucidado com sua tripulação pelos nativos. Foram lançados diversos selos em homenagem a expedição de La Pérouse, com reprodução das fragatas e destacamos o selo de 1988 (36 francos) da Nova Caledônia – Colônia Francesa no Pacífico, em comemoração do “Bicentenário do Desaparecimento da Expedição”.




Referências Bibliográficas:

AS ILHAS e a fantasia. Os Caminhas da Terra. Ano 5, nº 12, ed. 56, dezembro 1996, p. 34-53.
ILHA de Santa Catarina. Relato de Viajantes Estrangeiros nos Séculos XVIII e XIX. Florianópolis: Editora da UFSC, 1996, 4ª Edição, 236p.
ILHA de Trindade um Brasil Longe Daqui. Os Caminhas da Terra. Ano 4, nº 1, ed. 33, janeiro 1995, p. 28-41.
NAVEGADORES exploradores em Santa Catarina. De 1525 a 1839, Retratados em Selos. Roberto Wildner. Editora da UFSC, 1982, 42p.
OS GRANDES Mistérios do Passado. Reader’s Digest – Livros, 1996, 448 p.

Nossos agradecimentos a Roberto Wildner por ter cedido as ilustrações.

[1] Ilha de Santa Catarina. Relato de Viajantes Estrangeiros nos Séculos XVIII e XIX. Florianópolis: Editora da UFSC, 1996, 4ª edição, p.113/116.[2] Ilha de Santa Catarina. Relato de Viagens Estrangeiros nos Séculos XVIII e XIX. Florianópolis: Editora da UFSC, 4ª edição, 1996, p.112[3] Os Grandes Mistério do Passado. Reader´s Digest, Livros, 1996, p.13[4] Idem, p.15


Autor: Marcio R. Sandoval (sterlingnumismatic@hotmail.com)  agosto/2000
Esta matéria foi publicada originalmente no Boletim da AFSC - Associação Filatélica e Numismática de Santa Catarina, n° 47, agosto de 2000, p.17-21.
© 2008 Marcio Rovere Sandoval




Abaixo temos os endereços para a localização da obra “Voyage De La Pérouse Autour du Monde” de M.L.A Milet-Mureau.
(V.I) e (V.II)