quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A TIPOGRAFIA NO BRASIL – PARTE II (António Isidoro da Fonseca)



Prensa (detalhe) – L`Encyclopédie de Diderot et D`Alembert, PL. 15, 1765.

3 – O que não conseguiu o holandês poderoso, realizou na madrugada do século seguinte, no mesmo Recife, e sob o governo de Francisco de Castro Morais, um obscuro negociante; tão obscuro que até o nome perdeu. Montou pequena oficina e pôs-se tranquilamente a imprimir letras de câmbio e orações devotas. Eis a primeira e humílima tipografia da Colônia. Dela nada resta. Nem restaria a memória, não a preservasse a carta régia de 8 de Junho de 1706, mandando “seqüestrar as letras impressas e notificar os donos delas e os oficiais da tipografia que não imprimissem nem consentissem que se imprimissem livros ou papéis avulsos”.
4 – Quarenta anos depois em 1746, tivemos um outro ensaio de tipografia, mais amplo e não menos efêmero. Praticou-o no Rio de Janeiro, sob as vistas de Gomes Freire, um antigo impressor de Lisboa, António Isidoro da Fonseca. Não pretendia publicar livros ou periódicos. Quem se abalançaria a cogitar sequer de tamanha temeridade? Tencionava apenas explorar modestamente a sua oficina. Durou a novidade o lapso de uma viagem redonda. Incontinente Lisboa expediu a ordem régia de 10 de Maio de 1747, mandando seqüestrar e remeter ao Reino as letras de imprensa idas para o Estado do Brasil, “na qual não é conveniente se imprimam papéis no tempo presente, nem pode ser de utilidade aos impressores trabalharem no seu ofício, aonde as despesas são maiores que no Reino, do qual podem ir impressos os livros e papéis no mesmo tempo em que dele devem ir as licenças da Inquisição e do Conselho Ultramarino, sem as quais se não podem imprimir nem correrem as obras”. Em conseqüência, o governador do Rio de Janeiro tomou os trastes ao impressor e deportou-o para a Metrópole.
Isidoro mal teve tempo de dar a lume quatro magros e mesquinhos trabalhos: a Relação da Entrada[1] do Bispo Fr. António do Desterro, redigida pelo juiz de fora Luís António Rosado da Cunha; um romance heróico em vinte e três quadras. Em aplauso do mesmo Bispo; onze epigramas em latim e um soneto em português sobre a matéria antecedente; e umas Conclusões Metafísicas em latim, defendidas no Colégio de Jesus pelo estudante Francisco Fraga e estampadas numa só página de fólio[2].
Merece menção o constituir tìpicamente uma folha volante, um papel de notícias, a referida Relação da Entrada do bispo D. António do Desterro. Nas suas 17 páginas de texto, Rosado da Cunha fez exaustiva reportagem das festas com que a cidade recebeu o novo diocesano: visita do governador a bordo; desembarque; hospedagem no convento de S. Bento; espetáculo no teatro com a ópera “Filinto Exaltado”; púcaro de água oferecido pelo homenageado; parada das tropas: passagem processional do Bispo pelas ruas alcatifadas e janelas guarnecidas, e sob sete aparatosos arcos, em demanda da catedral; te-deum, bênção e osculação do anel.
Embaraços financeiros forçaram António Isidoro da Fonseca a mudar a sua tipografia para a Colônia. Até 1745 e durante pelo menos dez anos fora impressor em Lisboa. E de conceito, pois entre os seus clientes figuravam D. António Caetano de Sousa, Cândido Lusitano, Fr. Apolinário da Conceição, o conde de Ericeira e Fr. Agostinho de Santa Maria. Imprimiu a 5ª edição da Vida de D. João de Castro, de Jacinto Freire de Andrada, as Obras de Duarte Ribeiro de Macedo, as Notícias de Portugal, de Manuel Severino de Faria, e as três únicas óperas publicadas em vida por António José.
O confisco e a deportação acabaram de desgraçar Isidoro. Em Maio de 1750 ele requeria ao soberano licença para voltar a trabalhar no Rio de Janeiro, por não ter meios de fazê-lo em Lisboa, "pois desfez a sua casa e a sua oficina, assim, para satisfazer a alguns credores, como para a assentar no dito Rio de Janeiro, com o intento de ganhar o que lhe era preciso e a sua mulher". Não ofendendo com o seu modo de vida o bem comum nem as leis, esperava da real clemência pudesse "estabelecer a dita imprensa no Rio de Janeiro, na mesma forma e para o mesmo fim de que usava dela, ou na Baía, e. se necessário for, fará termo, com as penas que V.M. for servido impor-lhe, de que não imprimirá livros sem licença de V.M. e do Santo Ofício, nem outro algum papel, de que se siga dano ao Reino ou a algum vassalo dele"[3]
À margem do requerimento, o despacho: "escusado". Ignora-se o fim de António Isidoro da Fonseca. Ao ofício não tornou. (in, Rizzini, Carlos. O Livro, o Jornal e a Tipografia no Brasil: com um breve estudo geral sobre a informação. São Paulo: Impressa Oficial do Estado, Edição fac-similar, 1988, 310-313) (grifo nosso).

[1] É o primeiro folheto impresso no Brasil. Em 1710 fora publicado no México o primeiro livro em língua portuguesa (na América), o Luzeiro Evangélico do franciscano João Baptista Morelli de Castelnuouvo, que se supõe fosse português e tivesse antes professado na ordem dos eremitas de S. Agostinho com o seu verdadeiro nome de Fulgêncio Leitão.
[2] A dúvida de haver sido impresso no Rio, por António Isidoro da Fonseca, o Exame de Bombeiros de Alpoym não tem mais razão de ser desde os concludentes estudos de Félix Pacheco nas Duas charadas bibliográficas. Um rudimentar raciocínio teria evitado a perda de tanto tempo e de tantas hipóteses: como poderia Isidoro imprimir na sua mísera e fugaz tipografia uma obra com 444 páginas e 22 gravuras, estas necessàriamente abertas no estrangeiro? O Exame de Bombeiros saiu à luz, como está dito no seu rosto, em Madrid, na oficina de Francisco Martínez Abad, no ano de 1748.
[3] Requerimento de 25-5-1750, An.Bilb. Nac. Vol.L, 121.

Página de rosto do primeiro folheto impresso no Brasil, a "Relação de Entrada que fez o excellentissimo e reverendíssimo senhor D.F. Antonio do Desterro Malheyro... Rio de Janeiro. Na segunda Officina de Antonio Isidoro da Fonseca. Anno de M.CC.XLVII". (exemplar que traz a data errada – 1647, a correta é M.DCC.XLVII – 1747). (in, op. cit. p.311)

"Este folheto é a primeira obra impressa no Brasil, trabalho de Antonio Isidoro da Fonseca em sua oficina no Rio de Janeiro, a primeira do país. O exemplar da Biblioteca Nacional pertence à tiragem com a data corrigida, que surgira errada: MCCXLVII.
Isidoro da Fonseca fora importante tipógrafo de Lisboa. Editou o primeiro volume da alentada Biblioteca Lusitana de Barbosa Machado, marco fundamental da bibliografia portuguesa, e obras de José Antonio da Silva, o Judeu. Ao mudar-se para o Rio de Janeiro, por estimulo do Governador Gomes Freire, traz sua prensa e tipos. Uma publicação que lhe é atribuída reproduz seu nome no colofão: Hoc est Conclusiones metaphysicae de ente reali, praeside R.G.M. Francisco de Faria... Flumine Januarii. Ex secunda Typographia Antonii Isidori Da Fonseca (1747). Uma ordem régia de 19 de maio de 1747 determina que os tipos, a impressora, o papel e o próprio tipógrafo fossem enviados a Lisboa. Acaba-se com a imprensa no Brasil porque temiam as conseqüências políticas dessa inovação. Para a história do livro no Brasil, Antonio Isidoro da Fonseca é o incontestável introdutor da imprensa no Brasil, precedendo à Impressão Régia. Ficam afastadas as hipóteses pernambucanas de 1647 no período holandês e de 1747, vista hoje como mera extensão ao Recife da repressão à oficina carioca. Também carece de evidências a notícia de um prelo no colégio Jesuíta do Rio de Janeiro (1724). É posterior à edição de Vila Rica de 1806. Os estudiosos excluem da história do livro brasileiro as publicações das missões jesuíticas no Paraguai, embora localizadas em regiões do atual território brasileiro." (in, Herkenhoff, Paulo. Biblioteca Nacional – A História de uma Coleção. Rio de Janeiro: Editora Salamandra, 1997, p. 80).



sábado, 21 de agosto de 2010

“CÉDULAS” DO KOSOVO?


                                                                                         © 2010 Marcio Rovere Sandoval

Há pouco tempo fomos indagados sobre as “cédulas” do Kosovo que vem aparecendo no mercado numismático desde 1999. O que causa surpresa é o fato das mesmas não constarem nos catálogos especializados (neste caso no World Paper Money). Mas qual seria a razão?
O pouco que sabemos a respeito destas cédulas é que em abril de 1999, a Arma de Libertação do Kosovo (KLA) utilizando cédulas do então Banco Nacional da Macedônia[1], nos valores de 10, 25, 50, 100, 500, 1000 e 5000 dinares (emissão de 1992), fez superimprimir, o seguinte:
Anverso: Prístina, 1° de abril de 1999 (parte superior do lado direito), no centro temos uma águia bicéfala (com duas cabeças), símbolo do povo albanês. Abaixo temos a inscrição: Arma de Libertação do Kosovo. Do lado direito temos a inscrição – Banco Provisório da República do Kosovo e abaixo a designação do valor.
Reverso: Na parte superior temos algo como: Para ajudar as vítimas da Guerra do Kosovo. Abaixo deste dizeres temos um traço sobre a inscrição original. Na parte inferior ao lado direito da numeração temos: Àqueles que prestaram assistência às vitimas da Guerra do Kosovo. Todo o texto superimpresso está em albanês, em tinta preta e tem um forte apelo estético.



Anverso das cédulas da Macedônia com superimpressão da Arma de Libertação do Kosovo (1999).

Estas cédulas teriam sido superimpressas no sentido de se fazer propaganda pro–independência do Kosovo, não tendo nenhum efeito monetário, permanecendo como dinar macedônio (MKD). Os exemplares que conhecemos são todos novos (flor de estampa), dando a impressão que estas cédulas não chegaram a circular.

As cédulas da Macedônia, objeto da superimpressão, emissão de 1992, apresentam os seguintes valores, 10 (P.1), 25 (P.2), 50 (P.3), 100 (P.4), 500 (P.5), 1000 (P.6) e 5000 (P.7) dinares. Foram feitas de improviso em papel comum, apresentando o mesmo motivo em todas as cédulas, com variação apenas no valor e na cor[2]. Sua numeração é seqüencial (7 dígitos), sem designação da estampa ou séries. Apesar da simplicidade apresentam filigrana – tranços pretos na horizontal. Encontramos recentemente uma cédula de 5000 dinares também com a superimpressão.
Estas cédulas são bem comuns. As “cédulas do Kosovo”, ao contrário, não o são, como se constata pelos valores sugeridos para sua comercialização.
Como desconhecemos a quantidade de cédulas que foram superimpressas e nem sua numeração é difícil estabelecer o valor ou a identificação de possíveis falsificações.
No que diz respeito à catalogação, acreditamos que a mesma será realizada a partir do momento em que o Kosovo conseguir sua aprovação como país.

No Kosovo atualmente circula o euro (€), cédulas e moedas, anteriormente circulava o marco alemão (DM) que havia sido introduzido pela ONU em 1999, como moeda oficial de transição. Com a adoção do euro em 1° janeiro de 2002, o marco alemão foi substituído na razão de 1€=1.95583DM.

Casos semelhantes já ocorreram no passado, como por exemplo, as cédulas do Império Austro-Húngaro que receberam carimbos quando circulavam em Fíume (atual Rijeka na Croácia)[3], estas estão catalogadas no World Paper Money – Specialized Issues (S101 a S116).



[1] A que tudo indica com muito pouco valor na época ou mesmo desmonetizadas, eis que já em 1993 houve uma reforma monetária.
[2] Com exceção da P.7 que é um pouco diferente.


Reverso da cédula da Macedônia (10 dinares) com superimpressão da Arma de Libertação do Kosovo (1999).


Anverso da cédula da Macedônia de 5000 dinares com superimpressão da Arma de Libertação do Kosovo (1999) que vimos apenas recentemente.


Autor: Marcio R. Sandoval (sterlingnumismatic@hotmail.com)

© 2010 Marcio Rovere Sandoval


sábado, 7 de agosto de 2010

A TIPOGRAFIA NO BRASIL – PARTE I (o Brasilsche Gelt-Sack)

Passamos a transcrever o Capitulo VIII do livro de Carlos Rizzini – O Livro, o Jornal e a Tipografia no Brasil (1500 – 1822) editado pela primeira vez em 1946, com reedição fac-símile em 1988 pela Impressa Oficial do Estado de São Paulo. Obra rara e mesmo depois da reedição em 1988, ao que parece, continua inaccessível ao grande público eis que em nossa busca contínua em livrarias e sebos a encontramos numa rara ocasião. Apresentamos os textos e as imagens na íntegra e acrescentamos, na medida do possível, outras imagens pertinentes e ainda textos complementares das informações. O texto será apresentado em partes para a melhor compreensão.

Ornato de Clemente de Magalhães, aluno da Aula Régia de Desenho e Figura, do Romano, Rio, 1812
VIII

Afinal, a Tipografia


xpondo[1] ao presidente Jay a sua conversa com o estudante Maia, em Nimes, às vésperas da Inconfidência, ajuntou Jefferson esta seca informação: No Brasil não há tipografia. Só em 1808, no quarto século do Descobrimento e às portas da Independência, viríamos a conhece-la. Fomos dos últimos americanos a usá-la. E, se exceptuarmos os cabindas e assemelhados da África e da Ásia, que teriam pendurado à orelha as letras de imprimir, fomos mesmo dos derradeiros povos do universo a fruir o prodigioso invento.
2 – Custa a crer não houvesse Mauricio de Nassau introduzido o prelo em Pernambuco. Supôs-se por longo tempo o contrário, à vista de um folheto de 1647, o Brasilsche Gelt-Sack, que se declarava impresso no Recife. Varnhagen desconfiou da declaração e José Higino, após aturadas pesquisas, constatou a burla. Imprimiu-se o folheto na Holanda.
Intriga o descaso do Príncipe, não só pelo descortino da sua administração, como por ser a Holanda o centro mais adiantado da época na arte gráfica. Descaso aparente. Nassau esforçou-se em dotar o domínio de uma tipografia. Desde fevereiro de 1642, o Grande Conselho do Recife, requisitara-a à Assembléia dos Dezenove, a fim de, impressos, merecerem maior consideração as ordenanças, e os editais e bilhetes de venda, poupando-os cópias fatigantes. Atendendo, prometeu a Assembléia remetê-la e adiantava ter embarcado para o Brasil o mestre impressor Pieter Janszoon, o qual concordaria em introduzir a sua arte no Recife. Esse Janszoon faleceu em seguida. Comunicando o transtorno, reclamou o Conselho a remessa da tipografia, insistindo no argumento da despesa excessiva com as cópias dos papeis oficiais, considerada pelos escreventes serviço extraordinário. Desdobrou-se em vão a Assembléia. Nada valeriam prelos e tipos sem artífices. Que poderia fazer, se eles eram poucos e não acudiam ao seu apelo nem aos da Câmara de Hoorn e nem aos da Corporação dos Impressores? "Continuamos a procurar um tipógrafo que queira ir para aí – escrevia em 1645 –, mas até agora nenhum se apresentou." Nesse ano, já Maurício de Nassau deixara o Brasil Holandês e a insurreição queimava os pés dos traficantes seus substitutos.[2] (in, Rizzini, Carlos. O Livro, o Jornal e a Tipografia no Brasil: com um breve estudo geral sobre a informação. São Paulo: Impressa Oficial do Estado, Edição fac-similar, 1988, 309-310) (grifo nosso).

[1] Maiúscula usual nos alvarás estampados na Impressão Régia.
[2] V.Alfredo de Carvalho, Da Introdução da Imprensa em Pernambuco pelos Holandeses, in Rev. Inst. Arq. Pern., XI, 710.


Brasilische Gelt-Sack. Waer in dat klaerlijk vertoont wort waer dat de participaten van is. Gedruckt in Brasilien op’t Reciff in de Bree-Bijl, anno 1647 [Amsterdam].
"Este folheto sobre o Brasil do período nassoviano estrategicamente anunciava-se impresso no Recife ("gedruckt in Brasilien op’t Reciff in de Bree-Bijl "). Esse era o dado falso para proteger os autores que faziam ataques morais a administradores da Companhia das Índias e acabou confundindo os historiadores do livro no Brasil. Documentos de 1642 que reivindicam da Holanda o envio de uma prensa ao Brasil, reforçavam a idéia de um prelo em Pernambuco nessa época. O tipógrafo holandês Pieter Janszoon morreu logo depois de chegar a Pernambuco, sem ter trabalhado". (in, Herkenhoff, Paulo. Biblioteca Nacional – A História de uma Coleção. Rio de Janeiro: Editora Salamandra, 1997, p. 78/80).

Veja também: Hallewell, Laurence. O livro no Brasil: sua história. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2ª edição, 2005, pg. 86. (clique no titulo para ter acesso à obra).