quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

A REVELAÇÃO DA SEDA AO OCIDENTE

                                                                                      © 2014 Marcio Rovere Sandoval


Fig. 1 – Anverso da cédula de 1 Chiao (P. J101A), cerca de 1940, do Meng Chiang Bank, emitida durante a ocupação japonesa na região chinesa da Mongólia interior. No centro temos um camelo bactriano (Camellus bactrianus) geralmente associado à Rota da Seda.


Texto de introdução do livro de Luce Boulnois, La Route de la Soie (A Rota da Seda), Editions Olizane, Genève, 1992, p. 15-21. (tradução e interpretação nossa).


No início do verão do ano 700 após a fundação de Roma – para nós em 53 a.C – Marcus Licinius Crassus[1], Cônsul Triúnviro de Roma e Goverandor da Síria, cometeu a imprudência de levar sete legiões longe para o leste, além do Eufrates, na busca de um inimigo astuto e esquivo.
Longos dias de incerteza na espera de uma batalha que nunca vinha, tinham desencorajado os soldados. Desde a partida da Síria, preocupava-se de uma longa série de maus presságios: a queda de Crassus e seu filho na saída do templo de Heliópolis, o cavalo morto Marcus Licinius, que disparou e se afogou no Eufrates... Tão longe de suas bases, nesta atmosfera de dúvida e de agonia, os soldados supersticiosos não podiam esquecer que em Roma mesmo, havia-se proferido contra Crassus, em plena rua, maldições antigas e secretas; e quem conhece o poder das maldições?
Quanto aos quadros do exército, eles sabiam que essa guerra, impopular a Roma, era uma loucura; eles sentiam bem que ela tinha apenas por objetivo a glória pessoal de seu generalíssimo, enciumado dos outros dois triúnviros, César e Pompeu.  
O moral estava baixo, a ofensiva foi terrível. Os guerreiros Partos[2] desgrenhados, lançando o seu clamor inumano, no barulho ensurdecedor dos seus grandes tamborins de couro cheios de sinetas, se lançaram precedidos de uma chuva de flechas, para cercar a formação romana. O choque foi brutal. Os romanos, com as mãos pregadas em seus escudos pelas setas, confusos, atordoados, tentaram, no entanto, várias vezes, chegar ao corpo a corpo – sua salvaguarda –, mais os Partos se mantiveram próximos o bastante para atirar e longe o suficiente para evitar o confronto.
Os Partos tinham atrás de si uma tropa de camelos carregados de flechas, de forma que não se poderia nem mesmo contar com o fim de sua munição. Suas longas flechas atravessavam tudo, assim bem os escudos “duros” que os estofos “moles” e até dois homens por vez. Eles ainda conseguiram, graças à habilidade de seus flecheiros, a romper a formação em “tartaruga” dos romanos, ceifando as pernas dos soldados e dos cavalos e atravessando o muro de escudos.
Os romanos resistiram por um bom tempo. Mas quando, ao meio-dia, os Partos, bruscamente desfraldaram suas bandeiras cintilantes, o brilho foi tal que somando ao esgotamento, à sede, ao medo, foi vencida a célebre fama das legiões romanas. Foi uma debandada.
Algumas horas mais tarde, a campanha termina com a morte de Crassus, atraído pelo inimigo em uma emboscada; a de seu filho, que foi morto para não cair vivo nas mãos dos Partos; a dos vinte mil soldados romanos e a captura dez mil outros. Assim terminou a batalha de Carras, uma das mais desastrosas que Roma participou.
A cabeça de Crassus foi enviada ao rei dos Partos, Orodes, então  na Armênia; e mais tarde os prisioneiros romanos foram levados para a Antioquia da Margiana, uma cidade fundada por Alexandre, o Grande – e nunca mais foram vistos. Assim, Crassus tinha o sonho do macedônio; mas em vez de entrar neste país como conquistadores, os seus soldados tinham entrado como prisioneiros. Assim, as águias romanas foram tão longe apenas para guarnecer os templos dos Partos.
Quanto às bandeiras bordadas em ouro e de cores vivas, que haviam cegado os legionários durante esta infeliz batalha, elas foram, se acreditarmos em certos autores, as primeiras sedas que os romanos viram. 
Ora a seda, o mais cintilante de todos os tecidos conhecidos até então, não iria tardar em tornar-se familiar ao mundo romano.
Foi por pilhagem ou em campanhas mais bem sucedidas ou foi através de tráfego? Menos de dez anos após a derrota em Carras, quando César comemorou seu triunfo em Roma, no luxo oferecido nesta ocasião para a contemplação do povo romano, a multidão foi surpreendida com tecidos espetaculares de seda: esta é, pelo menos, a história que Dion Cassius nos deixou, escritas várias gerações após o evento. É possível que esta tenha sido a primeira vez que eles viram a seda.
Os anos passam, pegou-se gosto: tanto que no ano 14, poucos meses depois da morte de Augusto, por um ato do Senado, proibiu-se aos homens o uso da seda, que “desonrava” e limitava às mulheres o seu uso deste tecido. Não foram necessários nem 50 anos para que este produto exótico entrasse na moda de maneira abusiva.  
Pelo desconhecimento de sua natureza, era chamado de: tecido sérico, ou véu sérico (sericum), do nome do povo que habitava seu país de origem e que denominavam, a partir de uma palavra grega: Os Seres. Eles o chamavam de tecido sérico como entenderam, já que não se podia atribuir aos Partos, estas bestas de guerra, a feitura deste maravilhoso tecido quente e leve, suave e fresco, macio e fino, cintilante, que se prestava tão bem aos bordados, aos ornamentos; não eram também os gregos, que lhe deram o nome estrangeiro de sérico: e não foi por coincidência que ele apareceu em Roma depois da conquista da Síria.
Os Romanos estiveram isolados por um longo tempo das costas orientais do Mediterrâneo pela triple barreira dos Partos inimigos, dos reis gregos do Mar Negro, hostis, e dos piratas, assim numerosos e virulentos que havia sido necessário empreender contra eles um importante campanha. Em torno de 70 a.C., após sua implantação na Síria, se encontravam agora verdadeiramente em contato com o extremo limite de um mundo que eles ignoravam: O Oriente.
É por volta deste tempo que, descobrindo esse novo tecido, eles aprenderam que a seda era fabricada por um povo longínquo chamado Sères: noção nova para todos na época, eis que o primeiro escritor a mencioná-los, um grego, havia morrido uns trinta anos antes da batalha de Carras. Este autor não deu nenhum detalhe: ele disse apenas que os Seres viviam em alguma parte na fronteira oriental dos territórios anteriormente conquistados por Alexandre, em um destes países onde nenhuma pessoa jamais esteve. Em poucas palavras, este material vinha do fim do mundo.
Como, a partir do fim do mundo? Como ele tinha vindo até os olhos dos legionários de Crassus? Como servia ele agora, em seus mantos púrpuras e coroas douradas, para aumentar o brilho das grandes solenidades romanas? 



Fig. 2 – Detalhe da viagem no deserto da caravana de Marco Pólo constante no Atlas Catalão (cerca de 1375 d.C). Biblioteca Nacionalda França – BnF 

A origem legendária da seda – Conta-se que quando a princesa Xi Ling Shi encontrava-se nos jardins imperiais deixou cair acidentalmente um casulo que estava pendurado a uma amoreira dentro de uma xícara de chá em ebulição. Daquele casulo se desenrolou um fio que parecia interminável e que lhe parecendo belo, resolveu tecê-lo e fabricou um tecido macio e fino de grande qualidade.
Assim, ela obteve do Imperador a autorização para criar as larvas que comiam as folhas da amoreira. Este soberano era Houang Ti, que a legenda atribui igualmente a invenção da escrita chinesa. Desde o início a seda estava ligada ao Imperador e não servia apenas para tecer vestimentas suntuosas, mas também para traçar ideogramas. Os primeiros exemplo de escritura chinesa na seda datam de cerca de 750 a.C. A China, ela mesma, era conhecida desde a Antiguidade como o país dos Seres, que dizer da seda.
Sericultura – É o beneficiamento e a industrialização da seda que remonta ao neolítico chinês (em torno do terceiro milênio a.C.).
A seda na Europa – Foi em uma sepultura principesca do Bade-Wurtemberg na Alemanha, datada do século VI a.C., que se encontrou a mais antiga prova da presença da seda na Europa.
Ela também foi encontrada na tumba de Felipe II da Macedônia, pai de Alexandre, o Grande (cerca de 382 a.C – 336 a.C)
A descoberta da seda pelos romanos – Diz a legenda que teria ocorrido no curso da Batalha de Carras (cerca de 53 a.C), contra o Império Parta ou Arsácida. Os estandartes brilhantes e farfalhantes do inimigo eram feitos de um tecido desconhecido. Não demorou muito para que os patrícios romanos passassem a querer se vestir daquele tecido nobre e fino que podia passar através de um anel.
Curiosidade – Da Batalha de Carras vem a expressão: “erro crasso”, eis que o Cônsul Marcus Licinius Crassus cometeu uma série de erros grosseiros naquela batalha que o conduziram a morte. Eram cerca de 39.000 romanos contra 7.000 partos; 24.000 romanos foram mortos e 10.000 foram feitos prisioneiros.
Camelos – Existem duas espécies de camelos, o dromedário (Camellus dromedarius), que possui uma corcova e o camelo bactriano (Camellus bactrianus) que possui duas. Nas cédulas reproduzidas o que aparece é o camelo bactriano. 




Fig. 3 – Detalhe da cédula de 100 Yuan (P.J112a), cerca de 1938, do Meng Chiang Bank, emitida durante a ocupação japonesa na região chinesa da Mongólia interior. Na imagem temos, novamente, um camelo bactriano (Camellus bactrianus) geralmente associado à Rota da Seda.

Fontes :

- BOULNOIS, Luce. La Route de la Soie. , Genève : Éditions Olizane, 1992.

- HUYGHE, Édith et François-Bernard. Histoire des Secrets – de la guerre du feu à l`internet. Malakoff : Editions Hazan, 2000.

- Standard Catalog of World Paper Money, General Issues, 1368-1960. Albert Pick - Edited by George S. Cujay. USA: Krause Publications, 12 th edition, 2008.


Autor: Marcio R. Sandoval
E-mail: sterlingnumismatic@hotmail.com
Blog: http://sterlingnumismatic.blogspot.ca

© 2014 Marcio R. Sandoval 



[1] Marco Licínio Crasso, c. 115 a.C. – 53 a.C.
[2] Império Parta (247 a.C – 224 d.C) ou Império Arsácida. 

sábado, 13 de dezembro de 2014

FOTOS ANTIGAS – ANOS 50 – DODGE WC 54

                                                                                 © 2014 Marcio Rovere Sandoval


Fig. 1 – Foto de Volkmar Wentzel (1915-2006) da National Geographic Society nas Grutas de Ellora na India em 1953. Uma foto semelhante foi publicada na NGS de maio de 1953, p.674, na matéria intitulada “Índia´a Sculptured Temples Caves”, de autoria deste mesmo fotógrafo. A foto acima foi publicada em agosto de 2006, ilustrando o editorial da NGS na ocasião do falecimento de Kurt, como ele era conhecido.

Vários detalhes chamam a atenção nesta imagem exótica, como o templo, o veículo, o aspecto jovial do explorador, o romantismo das viagens em locais até então pouco acessíveis, em suma um marco indelével na linha do tempo.

Na edição da NGS de setembro de 2006 na sessão “Photo Journal” encontramos mais um pouco sobre esta foto e de seu realizador, vejamos:

« Faça a Índia » Estas foram as únicas instruções da National Geographic a Volkmar « Kurt » Wentzel, no final dos anos 40. Durante dois anos e mais de 65 000 km, o intrépido fotógrafo percorreu o subcontinente em uma velha ambulância reconvertida que ele havia comprado em Calcutá por US$ 600 e uma adesão à National Geographic Society. A reação da revista frente à aquisição? Vejamos nas próprias palavras de Kurt: “Eu havia levado a ambulância em um lugarejo próximo à Deli... Eu a fotografei com uma vaca em primeiro plano e crianças indianas escalando por cima, e enviei à redação. Eu recebi uma resposta um pouco sarcástica do serviço de contabilidade dizendo: “Caro Sr. Wentzel, eu gostaria de chamar sua atenção sobre o fato de que uma letra de crédito serve para retirar pequenas quantias. Nós gostaríamos de saber por que você precisou de tanto dinheiro?” Eu me senti totalmente arruinado. Eu me dizia que havia metido todos os ovos na mesma cesta e que, agora, eles estavam descontentes comigo. Eu estava literalmente na miséria, quando um telegrama – que eu tenho ainda – chegou, assinado por G.H.G. (Gilbert H. Grosvenor, Presidente da NGS e redator chefe da revista): “Felicitações, aquisição de veículo reportagem fotográfica National Geographic. Boa viagem.” Para Kurt, foi o início da aventura.” (Grifo e tradução nossa).     

Ambulância reconvertida? Mas qual?

Depois de uma pequena pesquisa temos:

Trata-se de um Dodge WC 54, um caminhão leve desenvolvido durante a 2ª Guerra Mundial (1940-45) que serviu principalmente como ambulância pelo exército americano de 1942-45, inclusive na Batalha da Normandia (Dia D). Foi utilizado também na Guerra da Coréia pela US Army Medical Corps (1953) e em outras ocasiões até os anos 60, inclusive pelos exércitos de países europeus. A Força Expedicionária Brasileira (FEB) também utilizou este veículo. Foram produzidas cerca de 26.000 unidades das quais 22.857 ambulâncias. Muitos deles passaram ao uso civil, como é o caso do veículo da NGS.



Fig. 2 – Comboio militar na França (Saint-Lô) durante a 2ª Guerra Mundial. (Fonte: Wikipédia).

   

Fig. 3 – Campo de armazenamento para os recém-produzidos Dodge WC-54 ambulâncias a espera do envio na fabrica de Detroit, durante a 2ª Guerra Mundial, em agosto de 1942. (Fonte: Olive Drab).
  


  Fig. 4 – Ambulância restaurada (Dodge WC-54) em parada militar na França. (Fonte: Wikipédia)   


National Geographic France, agosto de 2006.
National Geographic France, setembro de 2006.
The National GeographicMagazine, maio de 1953.
Wikipédia

Autor: Marcio R. Sandoval
E-mail: sterlingnumismatic@hotmail.com

© 2014 Marcio R. Sandoval 

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

TESOURO NACIONAL – 10 MIL-RÉIS 1907-1932

                                                                 © 2014 Marcio Rovere Sandoval



 Fig. 1 e 2 – Specimen da cédula de 10 mil-réis da 11ª estampa e série 65ª (R.104s; P.33), emitida em 1907 (175 mm x 77 mm).

A cédula de 10 mil-réis da 11ª estampa foi emitida pelo Tesouro Nacional em 1907 e desmonetizada em 1932. Ela traz no anverso uma alegoria com leão e livros e no reverso o Edifício da Caixa de Amortização na atual Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro.
Esta cédula foi impressa pela empresa americana American Bank Note Company – ABNCo. de Nova York.  Foram impressas 65 séries, ou 6.5000.000 cédulas, entre os anos de 1907 a 1910.

   

Edital da Caixa de Amortização referente à cédula de 10 mil-réis da 11ª estampa

Caixa de Amortização


Faço publico, em virtude da resolução junta administrativa, tomada em sessão de hoje, que são os seguintes os característicos das notas do Tesouro Federal, do valer de 10$ da 11ª estampa e serie 1ª, que vão ser postas em circulação:

Anverso – À esquerda uma figura de mulher sustentando na mão direita um ramo de oliveira, emblema da sabedoria e da paz, tendo o braço esquerdo repousado na cabeça de um leão deitado a seu lado; junto a este se acha de um lado encostado a outro, um livro em cuja capa se acha a palavra - Lex- e do outro uma trípode fumegante.
Por cima da cabeça da mulher se vê á dístico (“Republica dos Estados Unidos do Brazil”, e, na parte inferior da nota, a, numeração e a designação da estampa, sendo que a serie se destaca visivelmente em plano superior.
À direita um ornato da cor verde e vermelha, em cujo centro escuro acha-se o valor da nota «10» em grandes caracteres, na parte superior desse ornato as palavras “No Thesouro Nacional se pagara ao portador, desta a quantia de” e na parte inferior, sobre fundo preto, por extenso “Dez mil reis, valor recebido”.
À direita a numeração e, pouco abaixo, a designação da estampa e série.
Nos quatro ângulos da moldura o valor “10”. Impressa a diversas cores, vê-se no espaço mais claro e repetidas vezes o valor, “dez mil réis” por extenso e o algarismo romano X: Verso. Verde escuro, no centro o novo edifício da Caixa de Amortização, por cima o dístico “Republica” e abaixo “dos Estados Unidos do Brazil”.
Dos dois lados o valor da nota “10” em grandes caracteres.
Caixa de Amortização, 14 do outubro de 1907. – O inspetor, M. C. de Leão. (Diário Oficial da União, 15 de outubro de 1907, p.15).

   

VINHETA DA ABNCo. – ALEGORIA COM LEÃO E LIVROS
  



Fig. 3 Vinheta da ABNCo. – ALLEGORICAL, WITH LION AND BOOKS (Alegoria com leão e livros). Gravada por Alfred Jones da ABNCo., 1894. (in, American Bank Note Archives Series – Allegories of Finance, 1990)


A vinheta do anverso da cédula de 10 mil-réis da 11ª estampa é uma alegoria que inclui: uma figura de mulher sustentando na mão direita um ramo de oliveira, símbolo da sabedoria e da paz, tendo o braço esquerdo repousando na cabeça de um leão deitado ao seu lado (simbolizando a força); junto a este se acha alguns livros empilhados e um com a capa aparente contendo a palavra latina LEX (lei) e do outro lado uma trípode (vaso de três pés) contendo uma tocha fumegante, iluminando o conjunto.
Esta vinheta foi gravada por Alfred Jones da American Bank Note Co. – ABNCo. em 1894. A vinheta não foi gravada exclusivamente para a cédula brasileira, sendo utilizada em outros trabalhos da empresa para outros países. Vejamos uma pequena relação onde aparece esta alegoria (lista não exaustiva):

- El Banco Salvadoreno, San Salvador, ElSalvador, 500 pesos, anverso P. S207 (cerca de 1907-08).

Minerva, Britânia ou Alegoria com leão e livros


Alguns catálogos brasileiros de cédulas identificam a imagem do anverso da cédula de 10 mil-réis de 1907 como a “figura mitológica de Minerva”. Minerva é, na mitologia romana, a deusa da sabedoria, das artes e da estratégia de guerra. Um dos atributos de Minerva é o elmo na cabeça, que se encontra presente na imagem. O fato da mesma encontrar-se na posição deitada é, em nossa opinião, atípica na sua representação, sugerindo uma alegoria e não a figura propriamente da deusa. Diante disto, e da ausência de descrição como Minerva em documentos da época, optamos pela designação do edital da Caixa de Amortização e da empresa impressora, qual seja, “emblema (alegoria) da sabedoria e da paz” ou “Alegoria com leão e livros”.
A cédula de 10 dólares do “Dominion Bank” doCanadá, de 1910, traz a mesma imagem, que foi identificada como “Britânia”, que é a personificação feminina da Grã-Bretanha, no caso do Império Britânico[1], em geral ela é representa conjuntamente com um leão. A representação de Britânia apresenta similitudes com a de Minerva e ainda na cédula com a imagem do leão, concluiu-se que se tratava de Britânia naquela cédula do Canadá.
Existem outras versões desta vinheta como podemos verificar nas ações da Fox Theatres Corporation de Nova York (Companhia de salas de cinema americana, fundada nos anos 20), em que temos a substituição dos livros por uma criança e nas ações do Boston Herald Traveler Corporation de Massachusetts (Jornal, fundado em 1846), em que se substitui o ramo de oliveira por uma balança. Pela variação nas imagens é possível constatar a existência de diversas chapas de impressão.
   

Fig.4 – Detalhe do anverso das cédulas 10 mil-réis do Brasil (P.33 – 1907) e da de 10 dólares do Dominion Bank do Canadá (P. S1027 – 1925), esta impressa pela Canadian Bank Note Company, Limited. (De 1897 a 1922 ela funcionou como companhia subsidiária da ABNCo., após tornou-se independente ).  

 




  
Fig. 6Apólice do Boston Herald-Traveler Corporation, Massachusetts, USA (1953) e Apólice da Fox Theatres Corporation de Nova York, USA (1929). 


Bibliografia:

- Catálogo do papel-moeda do Brasil 1771-1986, emissões oficiais, bancárias e regionais. Violo Ídolo Lissa. Brasília: Editora Gráfica Brasiliense, 3ª edição, 1987.
- Catálogo J. Vinicius de Cédulas do Brasil, 1982.
- Cédulas Brasileiras da República. Emissões do Tesouro Nacional. F. Dos Santos Trigueiros (org.). Rio de Janeiro: Banco do Brasil. 1965.
- Cédula do Brasil 1833 a 2011. Claudio Patrick Amato, Irlei Soares das Neves, Julio Ernesto Schütz, 5ª edição, 2011
- Diário Oficial da União, 15 de outubro de 1907, p.15
- Latin American Bank Note Records. American Bank Note Archives. Ricardo M. Magan. First Edition, 2005.
- Standard Catalog of World Paper Money, General Issues, 1368-1960. Albert Pick - Edited by George S. Cuhaj. Iola/USA: Krause Publications, 12 th edition, 2008.

Autor: Marcio R. Sandoval
E-mail: sterlingnumismatic@hotmail.com
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© 2014 Marcio R. Sandoval 



Matérias relacionadas:

- Prédio da Antiga Caixa de Amortização – Ícone Histórico e Numismático 

- American Bank Note Company




[1] Como Marianne é a personificação da França.

terça-feira, 8 de julho de 2014

AS CÉDULAS DE HITLER

As cédulas de Hitler
                                                                                   © 2013 Marcio Rovere Sandoval


Fig. 1 – Anverso da cédula de 5 Reichsmark de 1.8.1942 (P.186b, 140 x 70 mm). À direita gravura de um jovem simbolizando a “Juventude Hitlerista”, como esta cédula ficou conhecida.

Introdução

                        Em 30 de janeiro de 1933 Adolf Hitler ascende ao poder na Alemanha. Sua nomeação como Chanceler do Reich foi conseqüência da vitória de seu partido, o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (NSDAP) nas eleições de 1932. Como o sistema de governo da República de Weimar (1918-1933)[1] era parlamentarista, o Presidente da República, no caso, o velho Marechal Hindenburg nomeava o chanceler (1º Ministro) responsável pelo Poder Executivo. Assim, paradoxalmente, Adolf Hitler chegou ao poder pela via democrática. Em 2 de agosto de 1934, após a morte de Hindenburg, foi eliminada a figura do Presidente da República, sendo todo o poder concentrado na pessoa do Führer[2]. Um plebiscito em 19 de agosto daquele mesmo ano conferiu ao Führer o poder absoluto.
                        Trataremos nestes apontamentos de parte do meio circulante alemão[3] durante o Terceiro Reich (1933-1945), mais especificamente das cédulas emitidas pelo Reichsbank e do reaproveitamento destas estampas por outras entidades.

  

Fig. 2 – Gravura do edifício do Reichsbank em Berlim, cerca de 1900. (in, Meyers Großes Konversationslexikon, 6ª edição, 1902-1908).


                        Durante o período hitlerista foram emitidas pelo Reichsbank apenas quatro cédulas ligadas ao regime nazista, quais sejam[4], 100 Reichsmark (em meados de 1936[5]), 5 Reichsmark (em 1.8.1942), 1000 Reichsmark (em setembro de 1944) e 20 Reichsmark (em fevereiro de 1945).
                        Em fevereiro de 1945, para uma emissão de emergência, foram realizadas reproduções foto-mecânicas (photo-mechanically) da cédula de 100 Reichsmark pelas filiais do Reichsbank em Graz, Linz e Salzburg, na Áustria[6].
                        As estampas de 5, 20 e 100 Reichsmark[7] foram reaproveitadas durante a liberação (1944-45) para emissões de emergência na Bélgica e no Luxemburgo, através de carimbos locais. Estas emissões ficaram conhecidas como “anulações”.
                        Estas três estampas também foram reaproveitadas em 1948[8], com a utilização de selos, para a emissão dos Deustche Mark, na ocasião da ocupação soviética do pós-guerra, antes da criação da Alemanha Oriental (DDR).
                        Passamos ao estudo pormenorizado destas emissões.

Moeda de anexação

                        Quando a guerra foi declarada, certas zonas suscetíveis de alimentar um sentimento pangermanista[9], não foram apenas ocupadas pelas tropas alemãs e submetidas à circulação conjunta da moeda local e das espécies da Caixa de Crédito do Reich (Reichskreditkassen)[10], mas anexadas. Assim, os territórios alemães do leste, anteriormente situados na Polônia, Dantzig, o Luxemburgo, os territórios belgas de Eupen, Malmedy e Moresnet, a Alsacia-Lorraine, os dois terços da Eslováquia que seriam reunidos à Áustria, os Sudetos e o Protetorado da Boêmia e Moravia foram integrados na zona do marco desde antes da declaração de guerra no âmbito do III Reich.
                        Nestes territórios, as Caixas de Crédito do Reich, implantadas após a ocupação, foram sendo substituídas por sucursais do Reichsbank, sendo a moeda das tropas e a moeda local, desmonetizadas. O Reichsmark se tornou a única moeda legal sendo a região ou país absorvido.
                        No plano monetário a Áustria foi integrada ao Reich em abril de 1938, os Sudetos em outubro deste mesmo ano; Dantzig em setembro de 1939; os territórios do leste, anteriormente poloneses, em outubro de 1939; Eupen, Malmedy e Moresnet em 30 de junho de 1940, o Luxemburgo em 5 de fevereiro de 1941, a Alsacia-Lorraine em 1° de maio de 1941; a Eslováquia em 1942[11]. O Protetorado da Boêmia e Moravia tinha um status diferente, o reichsmark foi introduzido, mas a moeda local, a coroa, continuou a circular, mesmo sendo sua população considerada como habitantes do Reich.[12]  

Emissões realizadas pelo Deutsche Reichsbank[13] de 1936 a 1945.

A cédula de 100 Reichsmark



Fig. 3 – Anverso da cédula de 100 Reichsmark de 24.6.1935 (P.183a, 180 x 90 mm). No caso um specimen[14] deste valor. À direita o químico e pesquisador Justus von Liebig. Esta foi a primeira cédula do regime Nazista emitida pelo Reichsbank.

                        A cédula de 100 Reichsmark (P.183; Ro.176) datada de 24 de junho de 1935 foi emitida efetivamente em meados de 1936. Os Jogos Olímpicos de Berlim (XI Olimpíada) realizado do 1° a 16 de agosto daquele ano, provavelmente contou com a nova cédula na circulação. Houve outras emissões em 1941/1942 e em 1945. No medalhão do anverso temos Justus von Liebig (1803-1873), químico e pesquisador. As dimensões da cédula são 180 x 90 mm. No centro temos uma suástica subimpressa (underprint). Em relação a Justus von Liebig, não encontramos nenhuma relação especial com o regime nazista, sendo, esta cédula, apenas uma continuação da “família” de cédulas emitidas a partir de 1929[15]. O selo oficial da direção do banco (Reichsbank Direktorium) traz, ainda, a águia do brasão oficial da República de Weimar (1918-1933), que foi modificado por Adolf Hitler apenas em novembro de 1935, assim, posteriormente à impressão destas cédulas.
                        No medalhão do reverso temos uma alegoria da ciência rodeada de querubins representando a juventude. Abaixo a advertência para eventuais adulterações ou falsificações. O projeto do reverso é de autoria do Professor P. Scheurich. Estas cédulas permaneceram em circulação até 20 de junho de 1948[16].
                        O catálogo World Paper Money traz somente duas variantes, a datada de 1935 (emitida em 1936) com a marca-d’água de Justus von Liebig (P.135a) e a de 1945 (P.135b) que apresenta ornamentos como marca-d’água e não apresenta a letra central como a anterior. Teriam sido emitidas cédulas com 7 e 8 dígitos. Todas a que vimos trazem 7 dígitos. As cédulas que trazem ornamentos como marca-d’água não apresentam numeração no reverso. A cor da numeração varia do vermelho ao castanho escuro e em uma série delas a numeração saiu na cor marrom.
                       A classificação de Holger Rosenberg[17] é bem mais exaustiva do que a do World Paper Money, vejamos[18]:

Emissões realizadas pelo Reichsbank
- Ro.176a (1936) e Ro.176b (1941-1942), que correspondem ao P.183a.
- Ro.176c que corresponde ao P.183b (1945)
- Ro. 176F (1945?) que apresenta a numeração em cor marrom e não vermelha.

Emissões realizadas pelas filiais do Reichsbank em Graz, Linz e Salzburg (fev. 1945), reproduções foto – mecânicas (emissões de emergência por carência de numerário). Apresentam todas a mesma numeração, T · 7396475.
- Ro.182a (1945) corresponde ao P.190a (178 x 95 mm ou 137 x 89 mm)
- Ro.182b (1945) corresponde ao P.190a (177 x 94 mm ou 132 x 88 mm)
- Ro.182c (1945) corresponde ao P.190a (177 x 95 mm ou 130/131 x 88 mm)
- Ro.182E (1945) corresponde ao P.190b (perfurações – retirada de circulação)  

Emissões realizadas por outros órgãos através do reaproveitamento das estampas

Emissões durante a liberação – “anulações” realizadas pelas municipalidades belgas
- Ro.176d (1944-45 – carimbo belga)
- Ro.176e (1944-45 – carimbo belga largo)
- Ro. 176f (1944-45 – carimbo luxemburguês)

Emissões pela autoridade da Ocupação Soviética antes da criação da RDA
- Ro.338a (1948) selo sobre Ro.176a correspondente ao P.7a
- Ro.338b (1948) selo sobre Ro.176b correspondente ao P.7a
- Ro.338c (1948) selo sobre Ro.176c correspondente ao P.7b
- Ro.338F (1948) selo sobre Ro.176F
  


Fig. 4 – Detalhe da lateral esquerda do anverso das cédulas 100 Reichsmark, em quatro momentos distintos, da esquerda para a direita temos: 100 Reichsmark (Ro.176), emitidas pelo Reichsbank a partir de 1936; 100 Reichsmark (Ro.182) emitidas pela filial do Reichsbank em Gras, Linz ou Salzburg (1945), reproduções foto–mecânicas de emergência; 100 Reichsmark (1944-45) emitidas pelas municipalidades belgas (Ro.176d), no caso pela “Administration Communale D`Eynatten – Prov. de Liege” e finalmente, 100 Deutsche Mark (1948) com selo (Ro.338), emissão da autoridade da Ocupação Soviética[19].

                       As reproduções foto – mecânicas da cédula de 100 Reichsmark realizadas pelas filiais do Reichsbank na Áustria apresentam, todas, a mesma numeração, qual seja, T · 7396475. Elas trazem na lateral esquerda a advertência sobre eventuais falsificações igual à contida no reverso. Estas emissões provavelmente estavam ligadas à falta de aprovisionamento de novas cédulas por parte da matriz. Como foram realizadas em oficinas diferentes apresentam variações, mas a numeração é a mesma. (Ro.182a, b, c e E)[20].
                       As cédulas classificadas como Ro.176d, Ro.176e e Ro.176f, são as denominadas “anulações” que tiveram curso no decorrer da liberação dos territórios belgas que haviam sido anexados pelo Reich (veja acima sobre a moeda de anexação). Foi utilizado também um carimbo para o Luxemburgo.
                       Acreditamos que o termo “anulações” foi empregado para demonstrar que o órgão emissor não era mais o mesmo, qual seja, o Reichsbank, que teve a autoridade suprimida após a retomada dos territórios.
                       Estas cédulas foram provavelmente utilizadas até que se pudesse substituí-las por espécies locais[21]. Existem novos estudos sobre este assunto[22].
                       Em relação às cédulas da Ocupação Soviética (reaproveitamento das estampas), imaginamos, ante a ausência de dados, que quando da tomada de Berlim ou de outras cidades alemãs pelos russos em 1945, deveria haver nos cofres do Reichsbank ou em suas filiais, cédulas que ainda não haviam sido distribuídas e que posteriormente seriam reaproveitadas para esta emissão de emergência. Essas emissões foram realizadas em 1948, antes a criação da Alemanha Oriental (RDA), sendo um dos primeiros capítulos da Guerra Fria. O prédio do Reichsbank em Berlim (Fig.2) sofreu avarias na guerra, mas graças à solidez de sua estrutura continuou sendo utilizado, em um primeiro momento pelos Aliados e após, pela RDA, como departamento de finanças. Depois da reunificação, o prédio passou a abrigar o Ministério das Relações Exteriores da Alemanha.
                      
A cédula de 1000 Reichsmark


  Fig. 5 – Anverso da cédula de 1000 Reichsmark de 22.2.1936 (P.184, 190 x 95 mm). À direita o arquiteto e pintor Karl Friedrich Schinkel (1781-1841). Sua emissão se deu apenas em setembro de 1944 sendo a única cédula que não foi reaproveitada para outras emissões.

                        A cédula de maior valor emitida pelo Reichsbank durante o regime Nazista. Impressa em 1936 e efetivamente emitida em setembro de 1944. No medalhão do anverso Karl Friedrich Schinkel (1781-1841), que aparece também na marca d`água e   que foi um dos responsáveis pela remodelação arquitetônica de Berlim, então capital prussiana. As dimensões da cédula são 190 x 95 mm. No centro temos uma suástica subimpressa (underprint). Neste caso também, não existe nenhuma relação especial do homenageado com o regime nazista, sendo, também, esta cédula, uma continuação da “família” de cédulas emitidas a partir de 1929. O selo oficial da direção do banco (Reichsbank Direktorium) traz, também, a águia do brasão oficial da República de Weimar (1918-1933), portanto, anterior à modificação.
                        No reverso temos no medalhão uma alegoria da arquitetura. Abaixo a advertência para eventuais adulterações ou falsificações.
                        Foram emitidas cédulas com a numeração em cor vermelha (Ro.177) e na cor marrom (Ro.177F). O catálogo World Paper Money não apresenta variantes.
                        Estas cédulas foram as únicas que não foram reaproveitadas para outras emissões. A que tudo indica o valor era alto para a época. Ao contrário da cédula precedente, esta apresenta uma suástica bem visível por causa da combinação de cores (marrom, amarelo e tons avermelhados). Ao que tudo indica, teve circulação restrita e por um curto período.



Fig. 6 – Variações do selo oficial da direção do Reichsbank (Reichsbank Direktorium) representados nas cédulas alemãs, quais sejam, da esquerda para a direita: 100 marcos de 1898 (P.20), 50 marcos de 1908 (P.32) e 100 marcos de 1910 (P.42), estes do período imperial; 50 milhões de marcos de 1923 (P.98a), 5 milhões de marcos de 1923 (P.105) e 50 marcos de 1933 (P.182a), da República de Weimar. O último é semelhante à cédula de 100 marcos de 1935 e a de 1000 marcos de 1936, que são objeto deste estudo.

A cédula de 20 Reichsmark


Fig.7 – Anverso da cédula de 20 Reichsmark de 16.6.1939 (P.185, 160 x 80 mm). À direita gravura de uma tirolesa segurando uma edelvais[23] tendo os Alpes ao fundo. Esta cédula trazia um novo design, mas foi emitida apenas em fevereiro de 1945.

                       A cédula de 20 Reichsmark (P.185; Ro.178) datada de 16 de junho de 1939 foi emitida efetivamente em fevereiro de 1945, pouco antes do final da guerra[24]. No anverso temos uma gravura de uma tirolesa segurando uma edelvais tendo os Alpes ao fundo. As dimensões da cédula são 160 x 80 mm. No centro temos uma suástica subimpressa (underprint). O selo oficial da direção do banco (Reichsbank Direktorium) foi substituído, a partir desta cédula, pelo do presidente do banco (Der Prasident Der Deutschen Reichsbank), trazendo uma águia, com as asas estendidas, portando a suástica do “Terceiro Reich” (1933-1945).
                       No reverso temos uma paisagem austríaca “Gosausee vor dem Dachstein” uma formação montanhosa da “Oberösterreich”, ou seja, da alta Áustria.



Fig. 8 – Reverso da cédula de 20 marcos de 1939 (P.185, 160 x 80 mm) com a paisagem austríaca “Gosausee vor dem Dachstein”, uma formação montanhosa da alta Áustria. 

                       Ela recebeu carimbos na Bélgica, as denominadas “anulações”, correspondentes a Ro.178b e Ro.178c. Ela foi, igualmente, reaproveitada para a emissão da Ocupação Soviética (Ro. 336) em 1948.


Fig. 9 – Variações do selo oficial da direção (Reichsbank Direktorium) e da presidência (Der Prasident Der Deutschen Reichsbank) do Reichsbank, respectivamente nas cédulas de 100 marcos de 1935, 1000 marcos de 1936, 20 marcos de 1939 e 5 marcos de 1942. As duas primeiras ainda com a representação utilizada pela República de Weimar e as seguintes com a nova roupagem do Terceiro Reich.

                       A origem desta cédula é muito interessante, ela é originária de um projeto do Banco Nacional Austríaco (Österreichischen Nationalbank) de 1930, para a cédula de 100 shillings[25], de autoria de Rudofl Jung (1880-1943) e Josef Seger (1908-1998). Em 2 de janeiro de 1936 aparece a segunda versão desta cédula (P.101) com pequenas alterações, que por causa da situação política jamais foi emitida.
                       Após a anexação da Áustria em março de 1938 o marco alemão foi declarado moeda oficial e o Reichsbank encarregado de liquidar o Banco Nacional Austríaco. O direito de emissão do Banco Nacional Austríaco foi suspenso e as cédulas em schillings perderam o status legal e foram trocadas pelo marco alemão na razão de 1,5 shillings por marco, considerada vantajosa para a época, mas que visavam, segundo alguns, seduzir a população pela nova ordem.

                       

Fig.10 – Anverso da cédula de 100 Shillings de 2.1.1936 (P.101). O reverso apresenta a paisagem austríaca “Gosausee vor dem Dachstein” uma formação montanhosa da “Oberösterreich”, semelhante ao que seria utilizado na cédula alemã de 20 marcos de 1939. O reverso também é semelhante apresentando a mesma paisagem, exceto as alegorias.

                       Assim, esta cédula conheceu dois specimens austríacos de 100 shillings, em 1931 e 1936 (Fig.10), ambas não emitidas. A Alemanha, utilizando os mesmos motivos e acrescentando ainda os do nacional socialismo (suástica e águia) imprimiu em 1939 a cédula de 20 marcos (Fig.7), que foi somente emitida em fevereiro de 1945.
                       O porquê desta escolha? Acreditamos (ante a falta de informações) que o reaproveitamento da estampa considerou o aspecto “nacionalista” do desenho (jovem tirolesa e os Alpes) e a questão da anexação da Áustria a Alemanha, o “Anschluss” na ótica do reagrupamento do povo germânico. Devemos ainda considerar que o país Natal de Hitler era a Áustria.
                       A historia da tirolesa terminaria ai, se não fosse a emissão de 2.1.1947, do reabilitado Banco Nacional Austríaco, que reeditou a idéia na cédula de 100 shillings.
                       Nesta “nova” cédula a “tirolesa” aparece em uma nova roupagem, uma outra jovem em trajes típicos, mas sem mudanças significativas em relação às cédulas anteriores.


Fig.11 – Anverso da cédula de 100 Shillings de 2.1.1947 (P.124). A mesma perspectiva dos specimens de 100 Shillings de 1931 e 1936 da Áustria e também da cédula de 20 marcos da Alemanha de 1939.



Fig.12 – Reverso cédula de 100 Shillings de 2.1.1947 (P.124), com a mesma paisagem austríaca “Gosausee vor dem Dachstein” dos specimens acima aludidos e da cédula alemã de 20 marcos de 1939 (Fig.8).


A cédula de 5 Reichsmark





Fig. 13 – Reverso da cédula de 5 Reichsmark de 1.8.1942 (P.186b, 140 x 70 mm).  Na gravura central temos a Igreja de Brunswick ou Dom St. Blassi.  

                       A cédula de 5 Reichsmark (P.186b, 140 x 70 mm) datada de 1.8.1942 e provavelmente emitida nesta mesma época, é ao nosso ver, o tipo mais representativo do regime nazista entre as cédulas emitidas pelo Reichsbank. No anverso temos uma gravura de um jovem representando a “Juventude Hitlerista”, ou pelo menos assim ficou conhecida. Desconhecemos referências oficiais quanto a esta designação. O selo do presidente do banco (Der Prasident Der Deutschen Reichsbank), traz a águia portando a suástica do Terceiro Reich (1933-1945). Esta cédula não apresenta a suástica central como as anteriores. A numeração apresenta uma letra seguida de 7 ou 8 dígitos, sendo a cédula impressa em maior quantidade dentre as que analisamos.
                       O catálogo World Paper Money indica a existência de cédulas com a marca d água invertida (o número 5), conferindo-lhe um valor dez vezes superior a cédula normal, fato não relatado no catálogo de H. Rosenberg.
                       No reverso temos uma gravura estilizada da Igreja de Brunswick (Brauschweiger Dom) ou Dom St. Blassi.
                       Por que da representação de uma igreja em uma cédula do período nazista?
                       A igreja de Brunswick ou Brauschweiger Dom situa-se na cidade deste mesmo nome, no centro-norte da Alemanha (Baixa Saxônia).
                       Henrique, o Leão (Heinrich dem Löwen) duque da Baviera e da Saxônia iniciou a construção desta igreja entre 1173 e 1196. A igreja foi consagrada em 1226 e dedicada a São Brás, São João Batista e a Tomás Becket. Henrique, o Leão e sua esposa Matilde, que era a Duquesa da Saxônia, foram enterrados nesta igreja. Com a Reforma esta igreja tornou-se protestante em 1543.
                       Durante o período nazista houve a tentativa de usar a imagem de Henrique, o Leão, como propaganda ideológica. O primeiro a se interessar pelo assunto foi Dietrich Klagges, primeiro Ministro de Brunswick na época, e membro do partido nazista. A cidade chegou a receber de Adolf Hitler o título de “a cidade mais alemã”.
                       O motivo de tudo isso é que Henrique, o Leão em 1147 promoveu uma “cruzada” contra os povos eslavos da costa báltica, subjugando-os e com isso aumentando a colonização dos povos germânicos em direção ao leste. Aproveitando-se deste fato, os ideólogos nazistas colocaram Henrique, o Leão como um dos pioneiros de sua ideologia.
                       Daí o fato de se incluir no reverso da cédula de 5 marcos esta igreja onde esta sepultado Henrique, o Leão. Adolf Hitler esteve no local em 1935.

Conclusão

                       Como vimos, durante o período nazista (1933-1945) foram emitidas quatro cédulas pelo Reichsbank (1876-1945) ligadas ao regime. Destas, duas tiveram circulação efetiva durante este período, quais sejam: a de 100 Reichsmark (1936-1945) que circularam por 9 anos e as de 5 Reichsmark (1942-1945) que circularam por 3 anos. As cédulas de 1000 Reichsmark (set. 1944-maio 1945) circularam por 8 meses e a de 20 Reichsmark (fev. 1945-maio 1945) apenas por 3 meses.[26]

                       As cédulas de 100 e 1000 Reichsmark pertencem à família de cédulas emitidas a partir de 1929, que o regime nazista utilizou acrescentando uma suástica subimpressa (underprint). Os homenageados não tinham nenhuma relação direta com o regime. Nestas cédulas, o selo da direção do banco (Reichsbank Direktorium), ainda trazia a águia do brasão oficial da República de Weimar (1918-1933), que seria alterada nas cédulas seguintes. A cédula de 100 Reichsmark vem datada de 24 de junho de 1935 e a de 1000 Reichsmark (Der Prasident Der Deutschen Reichsbank) de 22 de fevereiro de 1936. Assim, pensamos que foram concebidas já no período inicial do governo de Hitler.
                       As cédulas de 5 e 20 Reichsmark já traziam a nova concepção, ou seja, inteiramente ligada o regime nazista. A qualidade do papel da cédula de 20 Reichsmark, datada de 16 de junho de 1939 nos parece superior ao da de 5 Reichsmark datada de 1º de agosto de 1942, esta impressa em plena guerra.
                       a propaganda do regime só foi veiculada efetivamente pelos valores de 100 e 5 Reichsmark devido ao período de circulação, sendo esta ultima a mais representativa por conter mais elementos ligados ao nazismo.
                       No final da guerra as vias de comunicação se tornaram mais difíceis motivo da emissão de emergência pelas sucursais do Reichsbank na Áustria.
                       Com o desmantelamento do regime temos o reaproveitamento das estampas (também por motivos emergenciais) na Bélgica e no Luxemburgo e após, já em 1948, pelo Governo Provisório Soviético no quer viria a ser a Alemanha Oriental.
                       O reaproveitamento destas estampas pelos soviéticos nos causa espanto considerando as vítimas civis e militares destes, orçadas em mais de 20 milhões de pessoas.
                       Como vimos, estas cédulas circularam dentro do território alemão e nos territórios anexados ao Reich. Nestes apontamentos tratamos apenas das cédulas emitidas pelo Reichsbank, o meio circulante da época é complexo e será objeto de outros apontamentos.[27]



Quadro Geral

1. Cédulas emitidas pelo Reichsbank (1936-1945)
           
Valor                          data                 emissão                           Catalogação           
1.   100 Reichsmark
24.6.1935
1936, 1941, 1942 e 1945
P.183 a e b; Ro. 176 a-c e F
2.       5 Reichsmark
  1.8.1942
1942
P.186 a e b; Ro. 179 a-b
3. 1000 Reichsmark
22.2.1936
setembro 1944
P.184; Ro. 177
4.     20 Reichsmark
16.6.1939
fevereiro de 1945
P.185; Ro. 178 a

Cédulas de emergência emitidas pelas filiais do Reichsbank em Graz, Linz e Salzburg, na Áustria em fevereiro de 1945. Estas cédulas são reproduções foto-mecânicas, todas com a mesma numeração – T.7396475.
                       
5.   100 Reichsmark
24.6.1935
Fevereiro de 1945
P.190; Ro.182

2. Cédulas enviadas para as tesourarias do Reichsbank nos territórios anexados pelo Reich, e posteriormente revalidadas através de carimbos pelas autoridades belgas (1944-1945). Estes carimbos ficaram conhecidos como “anulações”[28].

6.   100 Reichsmark
24.6.1935
1944 e 1945
P.183 b; Ro. 176 d-f
7.       5 Reichsmark
  1.8.1942
1944 e 1945
P.186; Ro. 179 c-e
8.     20 Reichsmark
16.6.1939
1945
P.185; Ro. 178 b e c

3. Cédulas reaproveitadas em 1948 pelas autoridades soviéticas, com a utilização de selos, para emissão dos Deustche Mark, na ocasião da ocupação soviética do pós-guerra, antes da criação da Alemanha Oriental (DDR)[29].           

9.   100 D. mark
24.6.1935
1948
 P.7a e b; Ro.338 a-c e F
10      5 D. Mark
  1.8.1942
1948
 P.3; Ro. 333 a-b e F 
11.   20 D. Mark
16.6.1939
1948
 P.5; Ro 336



Anexo

Uma cédula de 50 Reichsmark de 1939?

  

Fig. 14 – Projeto? de uma cédula de 50 Reichsmark de 15.06.1939. No anverso uma jovem em traje típico da Alsácia; no reverso temos a Catedral de Estrasburgo (Strasbourg).

                        A imagem acima foi encontrada na internet sem referências quanto a procedência. É provável que trata-se de um specimen jamais utilizado. Seria o “par perfeito” da cédula de 20 Reichsmark, representando a incorporação dos territórios da Áustria e da Alsácia à Alemanha.

Observação Final
  
Aqui tratamos das cédulas emitidas pelo Governo Nazista durante a 2ª Guerra Mundial. Este conflito foi o maior já vivido pela humanidade, implicando na morte de cerca de 62 milhões de pessoas, na maioria civis. Entre os crimes praticados pelo governo nazista podemos citar a deportação em massa de populações (judeus, eslavos, ciganos...) para campos de concentração e de exterminação, o que ficou configurado como genocídio.



Bibliografia

- Abstempelungen Deutscher Geldscheine 1944 in Luxemburg und Belgien (Carimbos de anulação em cédulas alemãs em 1944, no Luxemburgo e na Bélgica) Michael H. Belles. Pirna, 2010
- Das Papiergeld im Deutschen Reich 1871-1948. Frankfurt am Maim: Deutsche Bundesbank, 1965.
- Die Deutschen Banknote ab 1871. Holger Rosenberg. Gietl Verlag, 16.Auflage, 2007.- Pouvoirs et monnaie durant la Seconde Guerre Mondiale en France : La monnaie subordonnée au politique. Jérôme Blanc (Université Lumière Lyon 2), Paper presented to the International conference on War, Money an Finance, “Monetary and Financial Structures: The Impact of  Political Unrests and Wars”, Economix, 19-20th of June, 2008.
- Standard Catalog of World Paper Money, General Issues, 1368-1960. Albert Pick - Edited by George S. Cujay. USA: Krause Publications, 12 th edition, 2008.



Autor: Marcio R. Sandoval
E-mail: sterlingnumismatic@hotmail.com
Blog: http://sterlingnumismatic.blogspot.ca


Publicado originalmente no Boletim da AFSC (Associação Filatélica e Numismática de Santa Catarina) n°67 de dezembro de 2013, p.4-18.

© 2013 Marcio R. Sandoval 





[1] A República de Weimar (1918-1933) foi instaurada na Alemanha após a 1ª Guerra Mundial, tendo como sistema de governo o parlamentarismo. Neste sistema, inicialmente democrático, o Presidente da República nomeava um chanceler (1º Ministro) que seria responsável pelo Poder Executivo. O Poder Legislativo era constituído por um parlamento (Reichstag). O período ficou conhecido por este nome, pois a República, sucessora do Império Alemão, foi proclamada na cidade de Weimar, onde a Assembléia Nacional Constituinte redigiu a Constituição (1919).
[2] Palavra que significava em primeiro lugar dirigente, chefe, guia de um partido político, depois passou a posteridade como designando a pessoa e as funções de Adolf Hitler.
[3] Neste caso limitando-se as estampas emitidas pelo Reichsbank entre 1936-1945 e aos reaproveitamentos.
[4] Por ordem de emissão.
[5] O Reichsbank emitiu cédulas de 50 Reichsmark em 1934, que apesar de serem da mesma “família” das que apresentamos nestes apontamentos, não possuem nenhum símbolo do novo regime.
[6] A Áustria foi anexada ao Reich (o Anschluss) em 1938, permanecendo nesta condição até o final da guerra. Para estas emissões de emergência foram aproveitadas outras estampas que não fazem parte destes apontamentos.
[7] Foram aproveitas outras estampas para estas emissões que não fazem parte destes apontamentos, como por exemplo, as cédulas em Rentenmark.
[8] Além de outras que não são objeto do presente estudo.
[9] Partidário do pangermanismo, ideologia e movimento que visam a agrupar num mesmo Estado os povos de origem germânica. (Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa).
[10] Estas cédulas não fazem parte deste estudo.
[11] Acreditamos que parte dela (que foi reunida à Áustria) a outra parte continuou a emitir moeda própria eis que era um Estado nominalmente independente sob a proteção do Reich.
[12] Tradução e adaptação de parte do texto de Jérôme Blanc intitulado Pouvoirs et monnaie durant la Seconde Guerre Mondiale en France : La monnaie subordonnée au politique, (Université Lumière Lyon 2), Paper presented to the International conference on War, Money an Finance, “Monetary and Financial Structures: The Impact of  Political Unrests and Wars”, Economix, 19-20th of June, 2008, p.8)
[13] Equivalente ao Banco Central da Alemanha de 1876 a 1945.
[14] « Muster » em alemão.
[15] Foram emitidos os seguintes valores desta família : 10 (P.180), 20 (P.181), 50 (P.182), 100 (P.183) e 1000 (P.184) marcos, sendo as duas últimas objeto destes apontamentos. 
[16] Segundo o “Das Papiergeld im Deutschen Reich 1871-1948”, publicação do Deutsche Bundesbank – Frankfurt am Main, 1965, p. 132.
[17] Para a determinação do preço dos exemplares recomendados o catálogo de H. Rosenberg eis que específico sobre a Alemanha. O caso da Ro.176a é característico; se esta cédula apresentar a letra central “E” e a letra de série L (0000001-5000000), é cotada em €40 para exemplares flor de estampa; caso apresente a letra central “E” e a letra de série M (0000001-0100000) é cotada a €1000, quando novas, uma diferença substancial. O motivo da diferença esta no fato de que, desta última série, foram impressas apenas 100 mil cédulas, contra 5 milhões da outra série.
[18] O agrupamento em relação aos órgãos emissores é de nossa autoria.
[19] As duas últimas são reaproveitamentos de estampa realizados por órgãos distintos do Reichsbank. Em relação à emissão da autoridade de Ocupação Soviética, temos até alteração do nome da moeda, de Reichsmark para Deutsche Mark.
[20] Apresentamos a variantes contidas no catálogo de H. Rosenberg, no entanto, não afastamos a possibilidade da existência de outras.
[21] Franco belga ou luxemburguês.
[22] Veja: Abstempelungen Deutscher Geldscheine 1944 in Luxemburg und Belgien (Carimbos de anulação em cédulas alemãs em 1944, no Luxemburgo e na Bélgica ) Michael H. Belles. Pirna, 2010.
[23] Planta das montanhas da Europa Ocidental em forma de estrela, o vocábulo provém do alemão edelweiss (de edel “nobre” + weiss “branco”).
[24] A capitulação alemã se deu em 8 de maio de 1945, ou seja, três meses depois.
[25] O projeto (specimen da cédula) desta primeira versão vem datado de 1 de abril de 1931.
[26] Após a capitulação estas cédulas permaneceram em circulação ainda por algum tempo até serem substituídas. Desconhecemos a data da desmonetização. Neste caso especifico tivemos a intenção de demonstrar o período de circulação durante o regime nazista.
[27] Um assunto correlato já foi publicado por nós no Boletim da AFSC nº 65 de março de 2012, intitulado “Emissões da Ocupação Militar Aliada após o desembarque na Europa (1943-1958)”.
[28] Foram aproveitadas outras cédulas que não fazem parte deste estudo.
[29] Mesmo caso da anteriores, foram aproveitadas outras cédulas que não fazem parte deste estudo.

© 2013 Marcio R. Sandoval