quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

A REVELAÇÃO DA SEDA AO OCIDENTE

                                                                                      © 2014 Marcio Rovere Sandoval


Fig. 1 – Anverso da cédula de 1 Chiao (P. J101A), cerca de 1940, do Meng Chiang Bank, emitida durante a ocupação japonesa na região chinesa da Mongólia interior. No centro temos um camelo bactriano (Camellus bactrianus) geralmente associado à Rota da Seda.


Texto de introdução do livro de Luce Boulnois, La Route de la Soie (A Rota da Seda), Editions Olizane, Genève, 1992, p. 15-21. (tradução e interpretação nossa).


No início do verão do ano 700 após a fundação de Roma – para nós em 53 a.C – Marcus Licinius Crassus[1], Cônsul Triúnviro de Roma e Goverandor da Síria, cometeu a imprudência de levar sete legiões longe para o leste, além do Eufrates, na busca de um inimigo astuto e esquivo.
Longos dias de incerteza na espera de uma batalha que nunca vinha, tinham desencorajado os soldados. Desde a partida da Síria, preocupava-se de uma longa série de maus presságios: a queda de Crassus e seu filho na saída do templo de Heliópolis, o cavalo morto Marcus Licinius, que disparou e se afogou no Eufrates... Tão longe de suas bases, nesta atmosfera de dúvida e de agonia, os soldados supersticiosos não podiam esquecer que em Roma mesmo, havia-se proferido contra Crassus, em plena rua, maldições antigas e secretas; e quem conhece o poder das maldições?
Quanto aos quadros do exército, eles sabiam que essa guerra, impopular a Roma, era uma loucura; eles sentiam bem que ela tinha apenas por objetivo a glória pessoal de seu generalíssimo, enciumado dos outros dois triúnviros, César e Pompeu.  
O moral estava baixo, a ofensiva foi terrível. Os guerreiros Partos[2] desgrenhados, lançando o seu clamor inumano, no barulho ensurdecedor dos seus grandes tamborins de couro cheios de sinetas, se lançaram precedidos de uma chuva de flechas, para cercar a formação romana. O choque foi brutal. Os romanos, com as mãos pregadas em seus escudos pelas setas, confusos, atordoados, tentaram, no entanto, várias vezes, chegar ao corpo a corpo – sua salvaguarda –, mais os Partos se mantiveram próximos o bastante para atirar e longe o suficiente para evitar o confronto.
Os Partos tinham atrás de si uma tropa de camelos carregados de flechas, de forma que não se poderia nem mesmo contar com o fim de sua munição. Suas longas flechas atravessavam tudo, assim bem os escudos “duros” que os estofos “moles” e até dois homens por vez. Eles ainda conseguiram, graças à habilidade de seus flecheiros, a romper a formação em “tartaruga” dos romanos, ceifando as pernas dos soldados e dos cavalos e atravessando o muro de escudos.
Os romanos resistiram por um bom tempo. Mas quando, ao meio-dia, os Partos, bruscamente desfraldaram suas bandeiras cintilantes, o brilho foi tal que somando ao esgotamento, à sede, ao medo, foi vencida a célebre fama das legiões romanas. Foi uma debandada.
Algumas horas mais tarde, a campanha termina com a morte de Crassus, atraído pelo inimigo em uma emboscada; a de seu filho, que foi morto para não cair vivo nas mãos dos Partos; a dos vinte mil soldados romanos e a captura dez mil outros. Assim terminou a batalha de Carras, uma das mais desastrosas que Roma participou.
A cabeça de Crassus foi enviada ao rei dos Partos, Orodes, então  na Armênia; e mais tarde os prisioneiros romanos foram levados para a Antioquia da Margiana, uma cidade fundada por Alexandre, o Grande – e nunca mais foram vistos. Assim, Crassus tinha o sonho do macedônio; mas em vez de entrar neste país como conquistadores, os seus soldados tinham entrado como prisioneiros. Assim, as águias romanas foram tão longe apenas para guarnecer os templos dos Partos.
Quanto às bandeiras bordadas em ouro e de cores vivas, que haviam cegado os legionários durante esta infeliz batalha, elas foram, se acreditarmos em certos autores, as primeiras sedas que os romanos viram. 
Ora a seda, o mais cintilante de todos os tecidos conhecidos até então, não iria tardar em tornar-se familiar ao mundo romano.
Foi por pilhagem ou em campanhas mais bem sucedidas ou foi através de tráfego? Menos de dez anos após a derrota em Carras, quando César comemorou seu triunfo em Roma, no luxo oferecido nesta ocasião para a contemplação do povo romano, a multidão foi surpreendida com tecidos espetaculares de seda: esta é, pelo menos, a história que Dion Cassius nos deixou, escritas várias gerações após o evento. É possível que esta tenha sido a primeira vez que eles viram a seda.
Os anos passam, pegou-se gosto: tanto que no ano 14, poucos meses depois da morte de Augusto, por um ato do Senado, proibiu-se aos homens o uso da seda, que “desonrava” e limitava às mulheres o seu uso deste tecido. Não foram necessários nem 50 anos para que este produto exótico entrasse na moda de maneira abusiva.  
Pelo desconhecimento de sua natureza, era chamado de: tecido sérico, ou véu sérico (sericum), do nome do povo que habitava seu país de origem e que denominavam, a partir de uma palavra grega: Os Seres. Eles o chamavam de tecido sérico como entenderam, já que não se podia atribuir aos Partos, estas bestas de guerra, a feitura deste maravilhoso tecido quente e leve, suave e fresco, macio e fino, cintilante, que se prestava tão bem aos bordados, aos ornamentos; não eram também os gregos, que lhe deram o nome estrangeiro de sérico: e não foi por coincidência que ele apareceu em Roma depois da conquista da Síria.
Os Romanos estiveram isolados por um longo tempo das costas orientais do Mediterrâneo pela triple barreira dos Partos inimigos, dos reis gregos do Mar Negro, hostis, e dos piratas, assim numerosos e virulentos que havia sido necessário empreender contra eles um importante campanha. Em torno de 70 a.C., após sua implantação na Síria, se encontravam agora verdadeiramente em contato com o extremo limite de um mundo que eles ignoravam: O Oriente.
É por volta deste tempo que, descobrindo esse novo tecido, eles aprenderam que a seda era fabricada por um povo longínquo chamado Sères: noção nova para todos na época, eis que o primeiro escritor a mencioná-los, um grego, havia morrido uns trinta anos antes da batalha de Carras. Este autor não deu nenhum detalhe: ele disse apenas que os Seres viviam em alguma parte na fronteira oriental dos territórios anteriormente conquistados por Alexandre, em um destes países onde nenhuma pessoa jamais esteve. Em poucas palavras, este material vinha do fim do mundo.
Como, a partir do fim do mundo? Como ele tinha vindo até os olhos dos legionários de Crassus? Como servia ele agora, em seus mantos púrpuras e coroas douradas, para aumentar o brilho das grandes solenidades romanas? 



Fig. 2 – Detalhe da viagem no deserto da caravana de Marco Pólo constante no Atlas Catalão (cerca de 1375 d.C). Biblioteca Nacionalda França – BnF 

A origem legendária da seda – Conta-se que quando a princesa Xi Ling Shi encontrava-se nos jardins imperiais deixou cair acidentalmente um casulo que estava pendurado a uma amoreira dentro de uma xícara de chá em ebulição. Daquele casulo se desenrolou um fio que parecia interminável e que lhe parecendo belo, resolveu tecê-lo e fabricou um tecido macio e fino de grande qualidade.
Assim, ela obteve do Imperador a autorização para criar as larvas que comiam as folhas da amoreira. Este soberano era Houang Ti, que a legenda atribui igualmente a invenção da escrita chinesa. Desde o início a seda estava ligada ao Imperador e não servia apenas para tecer vestimentas suntuosas, mas também para traçar ideogramas. Os primeiros exemplo de escritura chinesa na seda datam de cerca de 750 a.C. A China, ela mesma, era conhecida desde a Antiguidade como o país dos Seres, que dizer da seda.
Sericultura – É o beneficiamento e a industrialização da seda que remonta ao neolítico chinês (em torno do terceiro milênio a.C.).
A seda na Europa – Foi em uma sepultura principesca do Bade-Wurtemberg na Alemanha, datada do século VI a.C., que se encontrou a mais antiga prova da presença da seda na Europa.
Ela também foi encontrada na tumba de Felipe II da Macedônia, pai de Alexandre, o Grande (cerca de 382 a.C – 336 a.C)
A descoberta da seda pelos romanos – Diz a legenda que teria ocorrido no curso da Batalha de Carras (cerca de 53 a.C), contra o Império Parta ou Arsácida. Os estandartes brilhantes e farfalhantes do inimigo eram feitos de um tecido desconhecido. Não demorou muito para que os patrícios romanos passassem a querer se vestir daquele tecido nobre e fino que podia passar através de um anel.
Curiosidade – Da Batalha de Carras vem a expressão: “erro crasso”, eis que o Cônsul Marcus Licinius Crassus cometeu uma série de erros grosseiros naquela batalha que o conduziram a morte. Eram cerca de 39.000 romanos contra 7.000 partos; 24.000 romanos foram mortos e 10.000 foram feitos prisioneiros.
Camelos – Existem duas espécies de camelos, o dromedário (Camellus dromedarius), que possui uma corcova e o camelo bactriano (Camellus bactrianus) que possui duas. Nas cédulas reproduzidas o que aparece é o camelo bactriano. 




Fig. 3 – Detalhe da cédula de 100 Yuan (P.J112a), cerca de 1938, do Meng Chiang Bank, emitida durante a ocupação japonesa na região chinesa da Mongólia interior. Na imagem temos, novamente, um camelo bactriano (Camellus bactrianus) geralmente associado à Rota da Seda.

Fontes :

- BOULNOIS, Luce. La Route de la Soie. , Genève : Éditions Olizane, 1992.

- HUYGHE, Édith et François-Bernard. Histoire des Secrets – de la guerre du feu à l`internet. Malakoff : Editions Hazan, 2000.

- Standard Catalog of World Paper Money, General Issues, 1368-1960. Albert Pick - Edited by George S. Cujay. USA: Krause Publications, 12 th edition, 2008.


Autor: Marcio R. Sandoval
E-mail: sterlingnumismatic@hotmail.com
Blog: http://sterlingnumismatic.blogspot.ca

© 2014 Marcio R. Sandoval 



[1] Marco Licínio Crasso, c. 115 a.C. – 53 a.C.
[2] Império Parta (247 a.C – 224 d.C) ou Império Arsácida. 

sábado, 13 de dezembro de 2014

FOTOS ANTIGAS – ANOS 50 – DODGE WC 54

                                                                                 © 2014 Marcio Rovere Sandoval


Fig. 1 – Foto de Volkmar Wentzel (1915-2006) da National Geographic Society nas Grutas de Ellora na India em 1953. Uma foto semelhante foi publicada na NGS de maio de 1953, p.674, na matéria intitulada “Índia´a Sculptured Temples Caves”, de autoria deste mesmo fotógrafo. A foto acima foi publicada em agosto de 2006, ilustrando o editorial da NGS na ocasião do falecimento de Kurt, como ele era conhecido.

Vários detalhes chamam a atenção nesta imagem exótica, como o templo, o veículo, o aspecto jovial do explorador, o romantismo das viagens em locais até então pouco acessíveis, em suma um marco indelével na linha do tempo.

Na edição da NGS de setembro de 2006 na sessão “Photo Journal” encontramos mais um pouco sobre esta foto e de seu realizador, vejamos:

« Faça a Índia » Estas foram as únicas instruções da National Geographic a Volkmar « Kurt » Wentzel, no final dos anos 40. Durante dois anos e mais de 65 000 km, o intrépido fotógrafo percorreu o subcontinente em uma velha ambulância reconvertida que ele havia comprado em Calcutá por US$ 600 e uma adesão à National Geographic Society. A reação da revista frente à aquisição? Vejamos nas próprias palavras de Kurt: “Eu havia levado a ambulância em um lugarejo próximo à Deli... Eu a fotografei com uma vaca em primeiro plano e crianças indianas escalando por cima, e enviei à redação. Eu recebi uma resposta um pouco sarcástica do serviço de contabilidade dizendo: “Caro Sr. Wentzel, eu gostaria de chamar sua atenção sobre o fato de que uma letra de crédito serve para retirar pequenas quantias. Nós gostaríamos de saber por que você precisou de tanto dinheiro?” Eu me senti totalmente arruinado. Eu me dizia que havia metido todos os ovos na mesma cesta e que, agora, eles estavam descontentes comigo. Eu estava literalmente na miséria, quando um telegrama – que eu tenho ainda – chegou, assinado por G.H.G. (Gilbert H. Grosvenor, Presidente da NGS e redator chefe da revista): “Felicitações, aquisição de veículo reportagem fotográfica National Geographic. Boa viagem.” Para Kurt, foi o início da aventura.” (Grifo e tradução nossa).     

Ambulância reconvertida? Mas qual?

Depois de uma pequena pesquisa temos:

Trata-se de um Dodge WC 54, um caminhão leve desenvolvido durante a 2ª Guerra Mundial (1940-45) que serviu principalmente como ambulância pelo exército americano de 1942-45, inclusive na Batalha da Normandia (Dia D). Foi utilizado também na Guerra da Coréia pela US Army Medical Corps (1953) e em outras ocasiões até os anos 60, inclusive pelos exércitos de países europeus. A Força Expedicionária Brasileira (FEB) também utilizou este veículo. Foram produzidas cerca de 26.000 unidades das quais 22.857 ambulâncias. Muitos deles passaram ao uso civil, como é o caso do veículo da NGS.



Fig. 2 – Comboio militar na França (Saint-Lô) durante a 2ª Guerra Mundial. (Fonte: Wikipédia).

   

Fig. 3 – Campo de armazenamento para os recém-produzidos Dodge WC-54 ambulâncias a espera do envio na fabrica de Detroit, durante a 2ª Guerra Mundial, em agosto de 1942. (Fonte: Olive Drab).
  


  Fig. 4 – Ambulância restaurada (Dodge WC-54) em parada militar na França. (Fonte: Wikipédia)   


National Geographic France, agosto de 2006.
National Geographic France, setembro de 2006.
The National GeographicMagazine, maio de 1953.
Wikipédia

Autor: Marcio R. Sandoval
E-mail: sterlingnumismatic@hotmail.com

© 2014 Marcio R. Sandoval