domingo, 21 de março de 2021

Guerra do Paraguai: Uma vitória feita de dívidas

 

Guerra do Paraguai: Uma vitória feita de dívidas[1].


Figura 1 – Anverso do specimen da cédula de 500 pesos (P.154s), da República del Paraguay, Lei de 1923. Impressão: American Bank Note Company – New York (ABNCo.). À direita temos as ruínas da Igreja de Humaitá.

 

“O filosofo francês Auguste Comte, ao fazer a galeria positivista dos benfeitores da humanidade, incluiu a figura do Doutor Gaspar Francia, fundador da nação paraguaia. Líder das campanhas que libertaram o Paraguai do domínio espanhol em I811, Francia tornou-se o Mandatário Supremo do país, concentrando em si toda a autoridade nacional. E sua ditadura voltada para a ordem e o Progresso - lema positivista -, tomou as terras dos grandes senhores rurais e eliminou a aristocracia: o povo praticamente trabalhava para o Governo, em regime comunitário.

O prudente isolacionismo do Doutor Francia, El Supremo, herdeiro laico do pulso jesuítico, que formou o país, fechou o acesso do Paraguai aos países estrangeiros.

O sucessor de Francia, Carlos Antonio López, continuou sua obra, mas mostrou-se mais maleável com relação à diplomacia externa embora se mantivesse a distância dos interesses britânicos (que dominavam, absolutos, o resto da América do Sul), preferiu estreitar laços com outras potências européias, como França e Prússia.

 

Figura 2 – Anverso da cédula de 5000 guaranis do Banco Central Del Paraguay de 2010 (P.223c). À direita temos Carlos Antonio López. Impressão: Casa da Moeda do Brasil (CMB). Este valor também foi impresso anteriormente pela Thomas de La Rue & Company (TDLR) de Londres.

 Com a morte de Carlos Antonio López em 1862, chega ao poder seu filho, Francisco Solano López. Nessa época o regime político inaugurado por Francia dava seus frutos: o Paraguai progredia como nenhuma outra nação da América do Sul. Havia indústrias e fundições, e o Exército do país, graças a missões militares estrangeiras, tornava-se o primeiro do continente.

Mas encravado na América, o Paraguai dependia do Uruguai para escoar seus produtos pelo estuário do Prata. Em 1850, esses dois países firmaram um tratado em que o Paraguai se comprometia a intervir, caso a soberania uruguaia fosse ameaçada.

O cumprimento desse tratado provocou a Guerra do Paraguai (1865/1870), em que o país se confrontaria com a Tríplice Aliança – Brasil, Uruguai e Argentina – alimentada por armas e capitais ingleses.

Em 1864 o Império intervém no Uruguai contra o governo do partido blanco, que pressiona os proprietários brasileiros estabelecidos na fluida fronteira entre os dois países.

Apoiando a oposição colorada, que lhe oferece garantias, bloqueia Montevidéu. O Paraguai protesta, aprisionando um navio brasileiro em Assunção. O Império declara-lhe guerra.

Após efêmera invasão do território brasileiro (Rio Grande do Sul, Mato Grosso) as tropas paraguaias refluem para o próprio território. Apesar da aliança que se estabelece entre os governos do Rio de Janeiro, Buenos Aires e Montevidéu, a evidente superioridade militar paraguaia só aos poucos vai cedendo à investida dos invasores. Mas a guerra é lenta, com longas pausas na época das chuvas.

Em 1866, na Batalha de Curupaiti, brasileiros e argentinos sofrem grande derrota. A guerra se prolonga, e só em 1868 os aliados, conseguem silenciar as fortificações paraguaias de Humaitá, o que lhes abre as portas de Assunção.

Após pelejas e escaramuças várias (em Acosta-Nhu – agosto de 1869 – desapareceram 3500 soldados paraguaios recrutados entre a população de nove a quinze anos), a capital de López é ocupada (dezembro de 1869). Somente dois meses mais tarde terminaria o conflito, com a morte do ditador em Cerro Corá, onde valentemente recusa se entregar aos vencedores.

 

Figura 3 – Reverso do specimen da cédula de 500 pesos do Banco Central Del Paraguay de 1952 (P.190as). Impressão: Thomas de La Rue & Company (TDLR) de Londres. No centro temos Francisco Solano López.


Em 1870, o Paraguai estava destruído, e morta a maior parte de sua população masculina. A história brasileira tomaria novo rumo: para fazer frente à guerra, o Exército imperial, que até então recrutava seus escalões superiores na elite escravocrata, teve que abrir seus quadros a outras parcelas da população, recrutando filhos de uma nascente classe média para posições de comando, e milhares de negros alforriados para os escalões inferiores, o que o tornou permeável a idéias abolicionistas e republicanas.

 Figura 4 – Reverso da cédula de 2 mil-réis do Império do Brasil (P.A260) de 1889. Impressão: American Bank Note Company (ABNCo.). No painel do reverso temos a antiga Rua Direita no Rio de Janeiro, que em 1875 passou a se chamar 1° de Março em homenagem à Batalha de Cerro Corá ou Aquidabanigui, que pôs fim à Guerra do Paraguai. Este painel foi inspirado em uma fotografia de Marc Ferrez.

 A própria organização do Exército imperial foi alterada no esforço de guerra, pois antes ele não passava de um desarticulado corpo de milícias regionais. Tornou-se preciso unificá-lo, dando-lhe âmbito nacional.

Os seis anos de guerra aumentaram vertiginosamente a dívida externa brasileira para com a Inglaterra – fornecedora de armas e capitais para os combatentes. Preso a essa dívida e corroído por crescente inflação, o Império brasileiro não teria mais real estabilidade econômica.”. (in, Nosso Século 1900/1910 – A Era dos Bacharéis. São Paulo: Abril Cultural, 1980, p. 3).


Autoria: Nosso Século - Abril Cultural.

Apontamentos sobre as cédulas de nossa autoria – Marcio Rovere Sandoval.

email: sterlingnumismatic@hotmail.com

[1] Trata-se de uma transcrição de um texto sobre a Guerra do Paraguai inserido na publicação Nosso Século da Editora Abril de 1980.