quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A TIPOGRAFIA NO BRASIL – PARTE IV (IMPRENSA RÉGIA)

Tipografia, ilustração do livro de Jost Amman e Hans Sachs, Eygentliche Beschreibung aller Stände auff Erden, hoher und nidriger, geistlicher und weltlicher, aller Künsten, Handwercken und Händeln ...Durch d. weitberümpten Hans Sachsen gantz fleissig beschrieben u. in teutsche Reimen gefasset, Frankfurt am Mayn: Feyerabend, 1568, [120 Bl.].

6 – “Saiba o mundo, e a posteridade, que, no ano de 1808 da era cristã, mandou o governo português no Brasil, buscar à Inglaterra uma impressão, com os seus apéndiculos necessários, e a remessa que daqui se lhe fez importou em 100 libras esterlinas!!! Contudo diz-se que aumentará esse estabelecimento, tanto mais necessário quanto o governo ali nem pode imprimir as suas ordens para lhes dar suficiente publicidade. Tarde, desgraçadamente tarde: mas, enfim, aparecem tipos no Brasil; e eu de todo o meu coração dou os parabéns aos meus compatriotas brasilienses”. Eis como Hipólito da Costa saudou no 5° número do seu periódico[1] o estabelecimento no Rio de Janeiro da Impressão Régia. No número imediato, transcreveu o respectivo decreto, datado de 13 de maio de 1808[2], brindou com elogios o seu autor, o ministro D. Rodrigo de Sousa Coutinho[3], a seguir conde de Linhares, e registrando a notícia, aliás falsa, de que a tipografia oficial se estamparia toda e qualquer obra, defendeu ardorosamente a liberdade de imprimir.[4]


[1] Correio Brasiliense, I, 394.

[2] “Tendo-me constado que os prelos que se acham nesta capital eram os destinados para a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, e atendendo à necessidade que há de oficina de impressão nestes meus Estados, sou servido que a casa onde eles se estabeleceram sirva interinamente de Impressão Régia, onde se imprimam exclusivamente toda a legislação e papéis diplomáticos, que emanarem de qualquer repartição do meu Real Serviço, ficando inteiramente pertencendo o seu governo e administração à mesma Secretaria. Dom Rodrigo de Souza Coutinho, do meu Conselho de Estado, ministro e secretário dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, o tenha assim entendido, e procurará dar ao emprego da oficina a maior extensão, e lhe dará todas as instruções e ordens necessárias, e participará a este respeito a todas as estações o que mais convier ao meu Real Serviço. Palácio do Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1808”.

[3] Elogios merecidos. Um grande ministro, D. Rodrigo. Afilhado de Pombal, entrou na diplomacia em 1778, ao iniciar-se a “viradeira”. Em 1796 chegava aos cargos de governo. Monarquista prático, era intelectualmente adepto do constitucionalismo britânico, chefiando o chamado partido inglês em oposição ao francês dirigido por António Araújo. Estadista ao modo pombalino, foi um infatigável trabalhador. Dele partiram, ou tiveram a sua colaboração, todas as providências assentadas no Rio de Janeiro de 1808 a 1812. Aliás a colônia americana merecera sempre sua atenção. Antes de 1800 elaborara um largo plano, modificando o sistema de cobrança dos impostos, atenuando aos tributos sobre a importação, abolindo a moeda provincial, liberando os distritos diamantinos, reduzindo de metade o quinto do ouro, extinguindo o estanco do sal, isentando de direitos artigos estrangeiros, inclusive o aço e o ferro, estabelecendo correios de terra e aumentando as loterias. (V. o respectivo texto em Marquês de Funchal, o Conde de Linhares, 44). Semelhante plano, como outros projetos de D. Rodrigo, excediam a capacidade administrativa do tempo e a incurável madraçaria de D. João. Por isso, fazia-se-lhe a crítica de não se ocupar suficientemente dos detalhes dos seus empreendimentos, “demasiadamente gigantescos em relação aos meios executórios de que dispunha”. Seriam certamente os seus inimigos que diziam “ter ele na cabeça as primeiras linhas de todos os artigos de uma enciclopédia”. (Saint-Hilaire, Voyage dans les provinces de Rio de Janeiro et de Minas Gerais, I, 92.) Faleceu este grande português, no Rio, a 26 de janeiro de 1812.

[4] – I, pág 517 V. os primeiros diplomas sobre a Impressão Régia no Boletim Bibliográfico da Imprensa Nacional, ns. 1 a 7.

D. Rodrigo de Sousa Coutinho, Conde de Linhares (1755/1812).

O material gráfico não fora, como disse Hipólito, adrede comprado para a oficina do Rio. Adquirira-o, e não tivera tempo de montá-lo em Lisboa, a Secretaria de Estrangeiros e da Guerra, e viera parar na Colônia sem ciência do governo. Foi António de Araújo, o futuro conde da Barca,[1] então titular daquele Ministério, quem, na precipitação da fuga, lembrou-se de trazê-lo consigo no porão da “Medusa” e, chegando ao Rio, mandou instala-lo nos baixos de sua residência, na Rua dos Barbonos.


[1] António de Araújo de Azevedo, o corifeu do partido francês, antagonista, portanto, de D. Rodrigo, foi o mais brasileiro dos estadistas portugueses. Tendo chefiado missões diplomáticas, inclusive em Paris, assumiu em 1804 o Ministério de Estrangeiros e da Guerra até a retirada da corte para o Brasil. Consigo, na “Medusa”, além da mencionada tipografia, trouxe para a Colônia a sua livraria, mais tarde integrada na Real Biblioteca, uma coleção mineralógica organizada pelo célebre Werner e diversos petrechos de laboratório. Excluído do governo, por força da situação internacional, Araújo devotou-se de 1808 a 1814 a iniciativas científicas e artísticas. Na sua casa da Rua do Passeio, instalou-se, além da tipografia, uma oficina para o fabrico de porcelana, um laboratório de química para experiências com plantas nativas, e um alambique do tipo escocês, que lhe permitia destilar, além da “água de Inglaterra”, outros medicamentos de largo consumo. Cultivava no seu quintal cerca de 1.400 espécies de plantas nacionais e exóticas, catalogadas no “Hortus Araujensis”, obra inacabada, segundo uns, completa e publicada segundo Ferdinand Denis, mas de qualquer modo extraviada. Instituiu a “Sociedade Auxiliadora da Indústria e da Mecânica”, de vida longa. Dois anos depois da morte de Linhares, D. João nomeou-o ministro da Marinha e Ultramar, provocando desagradável incidente com Lord Strangford. Politicamente, o seu ato mais importante foi o da elevação do Brasil à categoria de reino. Organizou o teatro lírico do Rio, importando cantores italianos e, criou a Escola de Belas Artes, inaugurada muito depois da sua morte. Importou um engenho de serrar madeira, desenvolveu o Jardim Botânico e encetou a cultura do chá com sementes trazidas de Macau por Luís de Abreu e chineses especialistas. Que outro português, a não serem Pombal e Bobadela, apresenta igual rol de benefícios ao Brasil? “Que os bons serviços que prestou à causa da civilização em geral – disse de Barca o seu único biógrafo brasileiro, Meneses Brum (Na. Bibl. Nac., Vol II, fasc. I, 20) – dão-lhe direito a uma menção honrosa na História; mas os prestados ao progresso e à civilização do Brasil em particular, fazem a sua memória grata aos brasileiros e nos impõe o dever de inscrever seu nome imorredouro entre os homens ilustres e benfeitores da Terra de Santa Cruz”. Antônio de Araújo faleceu ocupando todas as pastas, aos 65 anos, a 21 de junho de 1817. Não tinha família. Fazendo-lhe o necrológico no O Português, João Bernardo da Rocha, depois de citar uma frase característica de Barca - “faço o que posso, mas não posso o que desejo” – , alude aos seus dois fundamentais erros: a funesta expedição de Montevidéu “e o sistema pródigo de destruir Portugal para aumentar o Brasil: Deus lho perdoe”. (Idem, 19).

Antonio de Araújo de Azevedo (1752/1817), Conde da Barca. (Gravura de Pradier, da Missão Artística de 1816).

O teor do decreto instituidor da Impressão Régia não deixa dúvida a respeito, porquanto ali se diz “constar” acharem-se “nesta capital” os prelos “destinados a Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, pelo que se mandava servisse interinamente de Impressão Régia “a casa onde eles se estabeleceram”. O expediente de António de Araújo reverteu em ótimo achado para D. Rodrigo.

A administração da Impressão Régia coube, pela decisão de 24 de junho de 1808, a uma Junta composta de José Bernardes de Castro, oficial da Secretaria de Estrangeiros e da Guerra, Mariano da Fonseca, o antigo consócio de Silva Alvarenga na jacobina Sociedade Literária, e Silva Lisboa.

Competia-lhe, conforme o regimento baixado na mesma data, afora a gerência da oficina, “examinar os papéis e livros que se mandassem publicar e fiscalizar que nada se imprimisse contra a religião, o governo e os bons costumes”.[1] Era a censura prévia, a que logo se daria feição adequada. (in, Rizzini, Carlos. O Livro, o Jornal e a Tipografia no Brasil: com um breve estudo geral sobre a informação. São Paulo: Impressa Oficial do Estado, Edição fac-similar, 1988, p. 315-317) (grifo nosso).

Da Biblioteca Nacional temos:

“Foram navios britânicos, da Armada de Lord Nelson, que escoltaram até o Rio de Janeiro as maquinas da primeira tipografia oficial do Brasil. A tipografia era nova. Embarcada para Portugal, chegam a Lisboa na véspera da partida da Corte para o Brasil. Às pressas voltaram a um navio, o Medusa, que desembarcou no Rio de Janeiro em 7 de março de 1808. Entre a chegada do navio e a primeiro obra impressa passaram-se pouco mais de dois meses. Se o padre Perereca exultou (“O Brazil até o feliz 13 de Maio deo anno de 1808 não conhecia o que era Typographia: foi necessário que a brilhante Face do Príncipe Regente Nosso Senhor, bem como o refulgente Sol, viesse vivificar este Paiz”, Hipólito José da Costa não esconde o estarrecimento (“O mundo talvez se admirará que eu vá enunciar, como uma grande novidade, que se pretende estabelecer uma imprensa no Brazil; mas tal é o facto).

(in, Herkenhoff, Paulo. Biblioteca Nacional – A História de uma Coleção. Rio de Janeiro: Editora Salamandra, 1997, p. 81).

Obs.: O primeiro trabalho da Imprensa Régia foi a "Relação dos Despachos Publicados na Corte pelo Expediente da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra..." de 13 de maio de 1808, um folheto de 27 páginas.


[1] Em 1818 a fábrica de cartas foi entregue em arrendamento a Jaime M. Vasconcelos & Cia., por nove anos e mediante a anuidade de oito contos. Em 1823 rescindiu-se o contrato e meses depois punha-se termo ao monopólio dos baralhos.