segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

NUMISMÁTICA - JULIUS MEILI - IV

A Revista O Arqueólogo Português publicou em 1902 este interessante trabalho de Julius Meili sobre as moedas de origem portuguesa (Brasil Colônia) que circularam nas Índias Ocidentais (Caribe).

Na minha publicação “As moedas da Colônia do Brasil” tive ocasião de fazer conhecidas meia dúzia de diferentes contramarcas, que em vários lugares das Índias Ocidentais foram aplicadas em moedas portuguesas de ouro, sobretudo em meias dobras, que circularam largamente naquela parte da América desde a segunda metade do século XVIII, isto é, desde que se deu o avultado aumento no rendimento das minas de ouro do Brasil, que fez com que estas moedas se tornassem tão abundantes que até procuravam paises estrangeiros, como o Canadá e a Inglaterra, para ali poderem circular a vontade. É sabido que esta abundância principiou no reinado de D. João V. As dobras eram conhecidas na parte britânica das Índias Ocidentais pelo nome de “Johanneses” (plural de Johannes) ou, por abreviatura, “Joes”, e as meias dobras pelo nome de “Half Joes”. Tendo cessado, em virtude da lei portuguesa de 29 de Novembro de 1732, o lavramento das dobras, estas foram depois pouco a pouco desaparecendo, e então em alguns lugares chamava-se a meia dobra, impropriamente, “Joe”, quando se devia dizer “meio Joe”. As moedas de ouro de 4$800 réis os ingleses deram o nome de “Moidores”. Houve tempo (1790 a 1820) em que as moedas portuguesas de ouro constituíram o principal meio circulante nas Índias Ocidentais do domínio inglês, francês, holandês e dinamarquês, auxiliadas pelas patacas espanholas de prata, inteira, cortadas e fracionadas. As meias dobras tinham ali geralmente o valor de 8 patacas espanholas. Aconteceu, porém, que estas moedas de ouro foram muito cerceadas, tendo-se originado tão feia pratica na circunstância de ser o valor das moedas de ouro no mercado algum tanto superior àquele que fora oficialmente estabelecido1. O abuso do cerceamento chegou a tal ponto que as peças, em vez de pesarem 4 oitavas, só pesavam cerca de 3, vindo isto a produzir verdadeira calamidade, que obrigou os respectivos Governadores a tomar serias providências. Consistiam estas no arbitramento de um preço, ou para determinada unidade de peso, ou para moedas cujo peso estava dentro de certo limite, permitindo-se, ou tolerando-se, em alguns lugares, dar às moedas um aumento de peso por meio de um cravo, que se pregava no centro (em francês chamado “clou”2, em inglês “plug”3). Esse cravo era muitas vezes composto de uma mistura de ouro com metais ordinários. Em conformidade com os diferentes sistemas estabelecidos, mandou-se proceder a carimbagem das moedas, para assim se nacionalizarem, adotando cada ilha, ou cada grupo de ilhas, um carimbo especial. Esta prática continuou ainda durante o primeiro quartel do século XIX, até que as peças assim tatuadas ou deformadas foram desmonetizadas, e então desapareceram nos cadinhos dos ourives daquelas terras ou acharam, como ouro velho para derreter, o caminho para os mercados europeus. Hoje estas moedas, carimbadas ou cravejadas, são bastante raras, e mais facilmente se encontra um ou outro exemplar em Paris ou em Londres do que naquelas ilhas.
A primeira meia dobra assim carimbada achei-a, há um doze anos, no mercado do Rio de Janeiro. Como eu fizesse ver ao cambista que a moeda parecia ser muito leve, tive uma resposta que esta era precisamente a razão por que valia mais, visto que meia dobra com o simples peso de 3 oitavas já era só por si alta raridade, sem falar do carimbo (o algarismo 20, tendo por baixo a figura de uma pequena águia), que lhe dobrava o valor. Desde então estudei as meias dobras que tinham falta de peso, tratei de conhecer os exemplares semelhantes que se acham em outras coleções e esforcei-me por obter aqueles poucos que em longos intervalos apareceram nos mercados europeus.
Foi no catálogo da celebre Coleção de Moedas e Medalhas Portuguesas, de Eduardo Luis Ferreira Carmo, do Porto, que se me deparou a indicação de três meias dobras com carimbos estrangeiros (n.os 546b, 597 e 598), que me pareciam dever pertencer a categoria das que me interessavam, e, informando-me do atual dono daquela coleção, o Ex.mo Sr. Aires de Campos, foi confirmada a minha suposição. Este cavalheiro teve a amabilidade de permitir que se tirasse a fotografia do nº. 597, que reproduzi no meu livro a p. 169, nº. 99*.
Os mais valiosos elementos de estudo concernentes a carimbagem de moedas portuguesas de ouro no Arquipélago Colombiano encontramo-los, porém, nas duas publicações de E. Zay, Paris, e de Robert Chalmers, Londres, cujos títulos já acima indiquei. Os autores destes interessantes trabalhos, em virtude das pesquisas que puderam fazer dos respectivos arquivos públicos, chegaram a descobrir documentos oficiais, que nos transmitiram, os quais nos dão a explicação de bom número destas contramarcas. E aos indicados autores que devemos o conhecimento das circunstâncias particulares que motivaram a marcação das moedas, e assim podemos agora, com probabilidade de acerto, determinar a proveniência de alguns desses carimbos.
Existem com certeza ainda outros carimbos daquelas numerosas ilhas, que são por enquanto desconhecidos; entretanto dar-me-ia por feliz se pudesse com estas linhas despertar o interesse dos colecionadores, chamando a sua atenção para peças semelhantes, que porventura jazam inapreciadas nos seus medalheiros: seria bem possível que alguns exemplares tivessem, de volta das terras descobertas por Colombo, procurado novamente a sua pátria, não para lá morrerem, que as coisas inanimadas não morrem, mas para continuarem a viver contando aos que desejarem ouvi-las as suas aventuras por paises longínquos.
Passando agora a descrever os números reproduzidos na estampa junta, e mencionando ao mesmo tempo os outros exemplares que me são conhecidos, desejo apresentar assim aos leitores um pequeno resumo deste assunto.

1. Moedas carimbadas

1. Meia dobra (6$400 réis), cerceada, de D. José, 1778. R., peso 9,80 g (em vez do legal de 14,34 g). Carimbo aplicado na ilha francesa da Martinica em 1805: algarismo 20, tendo por baixo a figura de uma pequena águia, semelhante a do exemplar reproduzido na estampa XV nº.2.




Outros exemplares são: o nº. 598 da Coleção Carmo, de D. José, 1769 (letra R?); um na coleção do Sr. E. Zaj em Paris, do mesmo ano, letra R., pesando este 10,90 g; e outro na coleção do Sr. João Carlos da Silva, em Angra do Heroísmo (Ilha Terceira) de 1767.R.
Semelhante a este carimbo é o dos n.os 2 e 3.

2. Moeda de ouro (4$800 réis), cerceada, de D. João V, 1718. 4R, peso 8,85 g (em vez de 10,75 g). Carimbo posto na ilha francesa Martinica em 1805: algarismo 22, tendo por baixo, como no nº.1, a figura de uma pequena águia.




3. Meia dobra, cerceada, de D. José, 1765. R., peso 11,70 g. Carimbo igual ao do número anterior.



Outros exemplares são: um na minha coleção, de D. Maria I e de D. Pedro III, 1786. R., peso 12,50 g, já reproduzido a p. 195, nº. 31; o do nº.546b da coleção Carmo, de D. João V, 1747. R.; outro na coleção do Sr. João Carlos da Silva, em Angra, de 1776, R.; outro, de meio escudo (800 réis) de D. João V 1729, que pesa 1,67 g (em vez de 1,79 g), com a mesma contramarca, que me foi ultimamente comunicado, e que se acha nas mãos de um colecionador em Guadalupe.
Os dois carimbos precedentes, nos quais se encontram leves diferenças, são, como se depreende do número de exemplares citados, os menos raros, e existem, como vimos, não somente em meias dobras, mas também nas suas divisões e mesmo em “moedas de ouro”, o que faz presumir que o nome francês de “Moëdes” se referia primitivamente a esta ultima espécie, tomando depois a significação genérica de “Monnaies d’or”. Os franceses usaram também muito da expressão “Lisbonnine” ou “Portugaise”, tanto para as moedas de ouro de 4$800 réis, como para as meias dobras de 6$400 réis, ao passo que os ingleses conservaram o nome de “Moidor” para as moedas de ouro de 4$800 réis.
Dos documentos publicados por E. Zay, que eu transcrevi a p.115, juntando-lhes um complemento e uma retificação que o próprio autor da Histoire Monétaire des Colonies Françaises me tinha ministrado, segue-se que os dois carimbos agora descritos são oriundos da ilha francesa da Martinica (onde no dia da Assunção deste ano se deu a terrível catástrofe em que perderam a vida uns 20.000 habitantes), que os algarismos 20 ou 22 indicam o valor em livres coloniales da unidade de peso que era o gros equivalente a 3,82 g (um pouco mais da oitava), e que encarregado da carimbagem teve de imprimir a marca de 20 ou 22, conforme a proveniência das moedas (“marquer du chiffre 22 les moëdes d'or vrai de Portugal, de 20 celles de fabrique d'Amerique, de Genève ou de pays étrangers”) e finalmente que a proporção do valor da moeda colonial com a da mãe-pátria ali era em 1805, quando foi ordenada a marcação, de 3 : 5. Para se chegar a conhecer o valor de uma moeda, era preciso portanto pesá-la, e multiplicar depois o número de gros pelo algarismo marcado, de 20 ou de 22. Sabendo-se que o toque legal das moedas portuguesas, tanto das cunhadas no continente como das lavradas no Brasil, era uniformemente de 22 quilates, estranhamos naturalmente encontrar em exemplares absolutamente legítimos ora carimbo de 20, ora o de 22. Só explico isto admitindo a hipótese de que o encarregado do serviço da marcação tivesse encontrado algumas diferenças de toque, que o pudessem ter induzido a aplicar em legítimas moedas portuguesas o carimbo de 20 em vez de 22, e por que nas casas de moeda no Brasil o toque prescrito não foi sempre rigorosamente observado. Em circulação achavam-se também imitações de moedas portuguesas, de ouro baixo4 (suspeito que o meu exemplar de 1773 com a letra monetária que finge um R, reproduzido a p.169, nº. 94, é uma delas) fabricadas América e na Inglaterra5, e a estas que era oficialmente destinado o carimbo de 20. Devo, entretanto, observar que, calculando-se o quilograma de ouro de 22 quilates a 3.157 francos, e tomando-se a relação da moeda colonial com a da mãe-pátria, como ela regulava em 1805, quando principiou a carimbagem, isto é a de 3 : 5, resulta para o gros de 3,82 g só um valor de 20 libras; parece portanto que já naquela época a indicada relação tendia para subir, chegando efetivamente em 1817 a ser de 100 : 185 em Guadalupe e de 100 : 180 na Martinica, e para se obter o valor de 22 libras coloniais era preciso contar com a proporção indicada nestes últimos algarismos. Em 1826 foi abolida a livre coloniale.

4. Meia dobra, não cerceada, de D. Maria I e D. Pedro III, 1779. R., peso 14,30 g. Carimbo da ilha francesa de Guadalupe 82,10 (82 livres e 10 sous, moeda colonial) e por cima outro: G coroado (George III) numa oval; ambos da administração inglesa, postos provavelmente nos anos de 1810-1811.



Exemplar igual ao do nº. 597 da coleção Carmo, que já reproduzi na p.169 sob o nº. 99*, de D. José, 1759. B.
Aqui o carimbo indica o valor em livres coloniales que cabia a mesma moeda, tendo ela, como é o caso, o peso legal e não somente o de uma unidade de peso, correspondendo o valor marcado de 82.10, como fiz ver a p. 116 do meu livro, com o de 22 livres coloniales por gros. Pelas informações que nos oferece E. Zay a p.193 da obra citada, sabemos que foi em Guadalupe, durante a administração inglesa, que se puncionaram moëdes com um G coroado e se lhes marcou o valor em livres, sous et deniers. Como se vê, a coroa que encima a letra G e efetivamente de forma inglesa, e a indicação do valor (82.10) está demonstrando que os ingleses conservaram ali o modo francês de cálculo por livres coloniales, como conservaram em Essequibo e Demerara o computo holandês por florins.
A ilha de Guadalupe esteve por quatro vezes no poder dos ingleses: de 1759 a 1763; em 1794 só sete meses; de 1810 a 1813, quando foi cedida à Suécia que a dominou apenas durante cerca de um ano; e de 1815 a 1816; voltou porém depois ao domínio francês.
A p.191 E. Zay cita ainda um decreto da administração francesa de 22 de abril de 1803 a respeito de moedas cravejadas, que acabavam de ser introduzidas em Guadalupe. Como os respectivos cravos foram reconhecidos como ouro alterado, julgou-se necessário impedir a circulação de semelhante moeda, a não ser que se estabelecesse previa verificação. Aquele decreto determinou que as moëdes de ouro bom deviam ser estampadas com um G e com uma outra marca que as fizesse reconhecer. Este carimbo de G e com uma outra marca que as fizesse reconhecer. Este carimbo de G acompanhado de outra marca é dos que ainda não cheguei a ver.
5. Meia dobra, pouco cerceada, de D. José, 1769. R., peso 12,60g




Este exemplar, juntamente com o nº.6, já ocasionou um pequeno artigo que publiquei na Numismatic Circular de Spink & Son do mês de julho de 1901. A moeda levou três carimbos: um retangular, colocado sobre o pescoço do rei, algarismo 22, seguido, mais por cima, de um sinal indicativo de livres e depois vem a figura de uma pequena cabeça barbada, que representa talvez a autoridade governamental (?) Os outros dois carimbos são: no anverso, sobre a testa do rei, algarismo 22 e no reverso, sobre a coroa, a figura de uma cabeça , de frente, trabalho rude; ambos num quadrado. Aqui temos, portanto, duas vezes a indicação do valor; quer-me, porem, parecer que a sua significação não é idêntica. O primeiro punção, que tem certa analogia com os dos nos. 1 a 3, marca o valor de 22 livres coloniales por gros e dá assim a entender que foi aplicado nas Antilhas francesas, sem nos deixar conjeturar em qual delas. Os outros dois carimbos, que foram talvez postos simultaneamente, um no anverso, outro no reverso, também não denunciam bem a sua proveniência, a não ser pela figura da cabeça, que entretanto nos é desconhecida; fica-nos a alternativa ou de presumir que serão também oriundos de uma daquelas ilhas francesas, que julgo pouco provável, ou então de os atribuir a uma das Possessões, que são, ou que foram holandesas, quer daquele mesmo arquipélago (Curaçao, S. Eustache, Saba e em parte S. Martin) quer do continente americano (Guiana Holandesa, outrora composta de Berbice, Essequibo, Demerara e Suriname e agora reduzida a esta última colônia, por terem as primeiras três passado no começo do século XIX para das mãos britânicas) que conservaram ainda por muito tempo o modo holandês de calcular por guilders ou florins, valendo o Joe (a meia dobra) 22 guilders6. Na minha opinião é a guilders que se refere a segunda indicação do valor que vemos no carimbo quadrado, mas falta-me um ponto de apoio para dizer a qual das ilhas ou a qual das colônias holandesas pertence. Seria proveniente da ilha de S. Martin, que esta em parte sob o domínio dos franceses e em parte sob o dos holandeses, obedecendo a figura de uma cabeça, que se também no primeiro carimbo, a uma idéia comum? Seria de Essequibo, por ser quadrado, não obstante faltar-lhe a inscrição E. D (Essequibo e Demerara)? São suposições que so futuras investigações poderão esclarecer.
6. Meia dobra, cerceada, de D. José, 1773. R., peso 10,25 g. Carimbo E D, em letras cursivas (Essequibo Demerara), em uma depressão oval, aplicado no ano de 1798 na colônia inglesa Demerara, para a moeda poder temporariamente circular com o valor de 22 guilders (florins holandeses).




Nas Moedas da Colônia do Brasil, p. 116, já citei as interessantes informações que nos deu Robert Chalmers na sua History of Currency in the British Colonies, ao tratar da Guiana britânica, a saber: A meia dobra era em 1798 nas colônias de Essequibo e Demerara a medida geral doa valores e por assim dizer o único meio circulante. No meado daquele ano parece que circulava ali grande quantidade de Johanneses cerceados. Por iniciativa do Governador que teve razões para recear mais outra importação das mesmas moedas, o tribunal de polícia passou no dia 2 de agosto de 1798 uma ordem a respeito destas moedas leves, verificando-se que em 29 de Outubro do mesmo ano não havia em circulação senão Joes e só muito poucas ou nenhumas de outras moedas. Estabeleceu essa ordem (holandesa) que pelo preço usual de 22 guilders só podiam ser aceitos os Johanneses de ouro (isto é, os que não eram falsos) que tivessem o peso de 7 engels e as frações em proporção. Porém, para evitar prejuízos aos habitantes, visto que todos os Johanneses que se achavam na colônia pesavam menos de 7 engels, ordenou-se que os que tinham intactas as letras da inscrição fossem puncionados, para poderem ainda durante um ano passar pelo valor inteiro, e nomearam-se dois comissários para carimbar a moeda, devendo carimbo para Essequibo ser guardado, com as letras E. D, e circular o para Demerara, com as mesmas letras. Baseado nessas informações, não hesitei em atribuir este número a Demerara, faltando-me ainda encontrar a marca para Essequibo, que deve ser quadrada e conter as mesma letras E. D.
Em 1808, isto é, dez anos depois daquela ordem concernente aos Joes cerceados, vieram os Joes cravejados perturbar o meio circulante colonial. (Continuo a aproveitar-me das informações de Robert Chalmers). Tendo uma enorme quantidade de peças portuguesas, com cravos de cobre ou de latão levemente dourado, chegado a introduzir-se na circulação das colônias de Essequibo e Demerara, resolveu-se recolhe-los todos, de qualquer metal que os tais cravos fossem, e emitir notas em lugar deles. Recolheram-se logo cerca de 28:000 Joes cravejados, que foram remetidos para Inglaterra, para lá serem vendidos, e emitiu-se uma soma equivalente em notas, resgatáveis no prazo de 18 meses. No ofício que acompanhou a remessa, o Governador pediu que, no caso de Sua Majestade Britânica não julgar conveniente permitir que a recunhagem daquele ouro fosse feita em peças portuguesas, que eram a única espécie corrente naquelas colônias, se ordenasse o lavramento de uma real moeda colonial de ouro do mesmo peso, toque e valor das que corriam. Esta proposta não achou aceitação na metrópole. Foi ordenada a cunhagem de moedas especiais de prata para Essequibo e Demerara. Até 1815 seguiram-se outras e importantes remessas de milhares de Joes (dos quais hoje custa a encontrar algum exemplar avulso!), tomando sempre o papel-moeda seu lugar. Destas notas coloniais, emitidas ao principio para serem resgatadas dentro de 18 meses, achavam-se ainda algumas em circulação no ano de 1841. Tenho na minha coleção as formas destes “Colony Goods of Demerary and Essequebo” de 1, 2, 3 e 20 Joes 22, 44, 66 e 440 guilders.
Seguem-se agora dois exemplares, cujas contramarcas dão campo a diferentes suposições. Não é, entretanto, possível adiantar nada de positivo a respeito da significação que tem.
7. Meia dobra, não cerceada, de D. José, 1769. B., peso 14,25 g.
Carimbo (bastante nítido) de uma pequena flor de lis, posto atrás da cabeça do monarca.

E. Zay reproduziu a p. 200 o carimbo de uma grande flor de lis (trabalho mais grosseiro), como sendo de Guadalupe, posto em moedas estrangeiras de prata e a p. 207 dois outros, como sendo de S. Martin (parte francesa), em moedas de cobre e de bilhão. Isto da lugar a perguntar se o carimbo deste nº. 7 não podia ser também proveniente daquelas possessões francesas?

8. Meia dobra, cerceada, de D. Maria I e D. Pedro III, 1781, (sem letra monetária), peso 12,35 g.



Este exemplar é o que figurou na coleção de Jules Fonrobert, que vem descrito no respectivo catálogo sob o nº. 8:808; foi castigado com seis carimbos no anverso e um no reverso. Os do anverso são: na orla, G I, L, M H (em monograma), B as avessas, no centro G M (em monograma), podendo as letras também ser tomadas por C H (os dois últimos carimbos em círculos dentados) e mais um sinal em forma de roseta ou de trevo de quatro folhas. O do reverso, que não está mencionado no catálogo de Fonrobert, consiste numa pequena letra W dentro de um círculo. Fonrobert atribui estes carimbos a autoridade portuguesa que em 1823 continuava a sustentar-se na cidade da Bahia (Brasil); creio, porém, que não se pode produzir nenhum motivo que fale em favor de semelhante suposição. Parece-me que também devemos procurar a origem destes carimbos nas Índias Ocidentais.

2. Moedas cravejadas

9. Meia dobra, cerceada, de D. José, 1771, R., peso 10,95 g. (cerca de 3 oitavas).


Este exemplar, que já foi reproduzido nas Moedas da Colônia do Brasil, est. XV, nº. 3, tem a cabeça do cravo muito saliente e em cima dela vê-se num retângulo a marca das letras I. H, que talvez representem as inicias do nome de quem mandou cravejar a moeda.
Esta operação em algumas ilhas foi feita oficialmente e em outras particularmente. O cravo, que devia naturalmente ser de ouro fino, era algumas vezes de ouro muito baixo, ou mesmo de qualquer outro metal, apenas um pouco dourado. Servia o cravo para dar a moeda o peso estabelecido nas diferentes ilhas, como limite para poder circular, e este limite variava de ilha para ilha: era de 7 dwts (pennyweights) em S. Kitts, Antígua, Montserat e Nevis, ou de cerca de 3 oitavas (1 pennyweight = l,555 g), ao passo que para Tortola era fixado em 8 pennyweights ou cerca de 3,5 oitavas.

10. Meia dobra, pouco cerceada, de D. José, 1757, R., peso 14,20 g (perto de 4 oitavas).



Este exemplar também já se acha reproduzido, veja-se p. 168, nº. 294, do meu livro citado; só pelo reverso se conhece que esta cravejado no anverso, em cima do cravo, vêem-se as letras F & G dentro de uma depressão oval. Devido a ajuda do cravo, esta moeda chegou novamente a ter o peso primitivo de 4 oitavas (ou quase); é portanto de supor que fosse cravejada para uma das ilhas, onde só podiam correr os Joes de peso legal, como na de Barbados. Veja-se Robert Chalmers, ob. cit., p.20.

3. Moedas carimbadas e cravejadas

11.+ Meia dobra, cerceada, de D. João V, 1747, R., peso 11,50 g.



Foi oficialmente cravejada na ilha britânica de Granada (que com as de S. Vincent e S. Lucia forma o grupo das Windward Islands), para que o seu peso chegasse ao limite prescrito de 7 dwts. 12 grs. (7 pennyweights e 12 grains ou 11,66 g) sendo a cabeça do cravo marcada com J. W. (em letras cursivas) e carimbada no ano de 1798 em triplicado, sempre perto da orla, com a letra G. (Granada), para poder correr pelo preço de 3 libras e 6 shillins.
A respeito deste exemplar, que está numa coleção particular de Londres e que eu já tornei conhecido a p.174 das Moedas da Colônia do Brasil, vou aqui repetir as informações coligidas da obra de Robert Chalmers, p. 83, que, como se verá, se adaptam perfeitamente ao caso. Em 31 de julho de 1798 publicou-se em Granada uma ordem para, em vista do estado alterado e degradante das variedades de moedas que ali circulavam, se regularem os preços delas e também para se evitar que aquela ilha fosse inundada com as leves moedas portuguesas de ouro que estavam sendo desmonetizadas nas colônias vizinhas. Na lista que acompanhou a ordem as meias dobras estavam assim tarifadas:
Johannes, de peso não inferior a 7 dwts. 12 grs. (11,66 g) 3 libras e 6 shillins; Johannes, de peso não inferior a 8 dwts. 12 grs. (I3,20 g) 3 libras e 12 shillins.
E como havia em circulação poucos Johanneses, cujo peso chegava ao limite do 7 dwts. 12 grs., e se anteviam os embaraços que daí podiam resultar para o comércio, ordenou-se que os Johanneses do peso de 6 dwts. (9,33 g) fossem cravejados pelos oficiais para isso nomeados até que o seu peso atingisse o limite estipulado. Para facilitar a circulação do Johannes, e das suas partes divisionárias, tanto daquelas que tinham os pesos devidos como dos que então se permitia que fossem cravejados, determinou-se que nos Johanneses com o peso de 8 dwlf, 12 grs., ou mais, se imprimisse a letra G no centro, do lado da efígie, e naqueles que pesassem 7 dwts. 12 grs. a mesma letra em três lugares, também do lado da efígie e tão perto da orla quanto fosse possível. A última determinação era evidentemente para obstar que houvesse novo cerceio.
O peso deste exemplar é de 11,50 g. Depois de carimbado foi furado e assim o seu peso correspondeu ao de 7 dwts. 12 grs. O carimbo que lhe cabia era efetivamente o de G, aplicado em três lugares, para a moeda correr pelo valor de 3 libras e 6 shillins. Não encontrei ainda a variante de carimbo com um só G no centro, que deviam receber os exemplares cujo peso atingisse a 8 dwts. 12 grs. ou 13,20 g valendo 3 libras e 12 shillins. Este valor entende-se naturalmente em moeda colonial, que estava para o da moeda da mãe-pátria como 36:72 ou como 1:2 e até mais alto, isto é como 100:210, se levarmos em conta que o peso legal da meia dobra não é só de 8 dwts. 12 grs. (13,21 g), mas de 9 dwts. 5 grs. (14,34g).

12. Meia dobra, cerceada, de D. José, 1767. R., peso 11,60 g (7 dwts. 12 grs.). Encimando o cravo há uma marca com as letras G H e perto da orla vê-se em três lugares o carimbo da letra S.





Em Mrs. Spink & Son’s, Numismatic Circular, do mês de agosto de 1899 já publiquei esta moeda, dando a entender que talvez a letra indicasse as possessões britânicas Sommer Islands, ou ilhas Bermudas, e mencionei naquela ocasião também umas moedas de prata cortadas (frações de patacas espanholas) com a contramarca de um S, as vezes só, outras vezes em companhia da palavra Tortola, e sinto não ter encontrado depois nenhuns dados mais que pudessem contribuir para melhor interpretação deste carimbo.
Os n.os 5 a 12 representam os únicos exemplares que conheço com essas contramarcas.
É notável que todos os exemplares aqui mencionados, com exceção apenas do nº. 8, sejam de origem brasileira, isto é, cunhados na Casa de Moeda do Rio de Janeiro, ou na da Bahia.
Julius Meili.
Notas:
1. The characteristic feature of the Windward Islands was the prevalescence of the Portuguese Johannes as the standard coin. The underrating of this coin $8, lead to the circulation of light “Joes” and to the mal-practices of clipping, sweating, etc. History of Currency in the British Colonies, by Robert Chalmers, London 1893, p. 82.
2. Lorsq’ une moëde se trovait roguée, un orfévre y pratiquai un trou de façon à écarter le métal et le bouchait avec un morceau d'or titre quelconque qu’il aplatissait ensuite et qui formait une tête de clou. Il donnait ainsi à la pièce le poids 1égal. Histoire Monétaire des Colonies Françaises, par E. Zay, Paris 1892, p. 193.
3. When a gold coin which had been clipped was raised again to the standard weight, the additional gold, fixed on the clipped coin, was called the “plug” and the lumpish result was plugged gold coin. Needless to say, the pluggs were frequently adulterated. The coin most commonly plugged was the “Joe”. Robert Chalmers, ob. cit., p. 23.
4. Une Lisbonnine, ou Portugaise, de 1755, de fausse fabrication, s’est trouvée au titre de 0,699 (16 ¾ karats). Traité des Monnaies d’or et d’argent par Pierre Frédéric Bonneville, Paris, 1806, p. 46.
5. Robert Chalmers, p. 20, citando um memorandum do Tortola, datado de 1802, escreve: at the same time a villainous practice was introduced of importing base half-Johannes from Birmingham, Sheffield, and America. Aqui a palavra América com certeza não se refere ao Brasil, mas sim a América do Norte.
6. Robert Chalmers, p. 124: These three Colonies (Berbice, Demerara and Essequibo) long retained the mode of reckoning by Guilders which had been in vogue under Dutch rule. A half Johannes (here styled a whole Johannes), passed for 22 guilders or florins.
(in, O Archeologo Português. Lisboa: Museu Ethnographico Português – S.1, vol.7, nº. 10-11 (outubro-novembro de 1902), p. 248-258 + ilustração.)
Obs.: Texto com atualização ortográfica e com alterações na formatação original. As imagens das moedas foram colocadas com a respectiva descrição. Para visualizar a matéria com a formatação original clique no título.
Veja a seqüência desta matéria, em Julius Meili V.

domingo, 13 de dezembro de 2009

NUMISMÁTICA - SANTOS DUMONT


                                                                                         © 2009 Marcio Rovere Sandoval


Alberto Santos Dumont (1873-1932). A esquerda temos o detalhe do anverso e o reverso da cédula de Cr$ 10.000 cruzeiros (1966-1975) impressas pela American Bank Note Company (ABNCo.), a direita temos o detalhe do anverso e do reverso da cédula de NCr$ 10,00 cruzeiros novos (1967-1975), impressas pela Thomas de La Rue (TDLR), ambas foram emitidas pelo Banco Central em homenagem a Santos Dumont que realizou o primeiro vôo mecânico reconhecido oficialmente como o primeiro da história. (Clique para ampliar).
Santos Dumont já havia sido homenageado anteriormente na cédula de 100$000 réis (1936-1952), impressas pela Walterlow & Sons Limited (W&S) e emitidas pelo Tesouro Nacional.
Para informações mais detalhadas sobre estas cédulas pode-se consultar a matéria intitulada "O Período de Transição do Cruzeiro Novo", publicada no Boletim da AFSC – Associação Filatélica e Numismática de Santa Catarina, n˚ 57, março de 2008, p.04-21, de nossa autoria.

Autor: Marcio R. Sandoval

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