Os Bilhetes da Casa da Administração Geral dos Diamantes
do Arraial do Tijuco[1] do Serro Frio da Capitania de Minas Gerais.
(1772
a 1845[2])
© 2015 Marcio Rovere Sandoval
Figura 1 – Brasão de Armas de Portugal (D. José I – O
Reformador, 1750-1777) presente nos bilhetes impressos da Casa da Administração
Geral dos Diamantes. Reprodução parcial a partir da obra de Julius Meili (O
Meio Circulante no Brasil. Parte III – A Moeda Fiduciária no Brasil 1771-1900.
Zurique, Tipografia de Jean Frey, 1903, Estampa 1 – 1*).
Em
virtude do Decreto de 12 de julho de 1771 foi substituído o antigo sistema da
contratação da extração dos diamantes em hasta pública, que vigorou de 1° de
janeiro de 1740 a
31 de dezembro de 1771, pelo da mineração por conta da Real Fazenda, criando-se
a Real Extração dos Diamantes. Pelo Alvará de 2 de agosto de 1771 editou-se uma
legislação específica para a região, o denominado Regimento Diamantino[3].
Pouco depois da instalação do novo sistema surgiram, por necessidades práticas,
os bilhetes da Casa da Administração Geral dos Diamantes ou simplesmente da
Real Extração, que tiveram giro no comércio assumindo funções semelhantes
ao papel-moeda.
Remontando
às origens desta situação, temos que, além da descoberta do ouro em Minas
Gerais, descobriu-se no Serro Frio, em um lugarejo conhecido como Arraial do Tijuco
(núcleo inicial da cidade de Diamantina) uma grande lavra de Diamantes. Uma
descoberta extraordinária tendo-se em vista que os diamantes até então só
haviam sido encontrados em abundância na Índia[4].
Desde
1714 havia notícias do surgimento de diamantes e topázios na região, sendo que
o descobrimento oficial deu-se em 1723, chegando a notícia em Portugal apenas em
1727 no reinado de D. João V. O primeiro ato oficial da existência das minas
diamantinas é a Carta de 22 de janeiro de 1729 do Governador D. Lourenço de
Almeida comunicando a Metrópole a descoberta de diamantes na Comarca do Serro
Frio.
Inicialmente
a mineração foi aberta a todos (1730
a 1740), após a Coroa Portuguesa passou a arrendar a particulares
a exploração, mas resguardando para si o direito exclusivo na compra das gemas
(período dos contratos). É neste período que surge o Distrito Diamantino,
criado pela Coroa para melhor controlar a extração dos diamantes através de um
rigoroso controle. De 1740 a
1771 foram realizados seis contratos durante os quais foram vendidos, segundo
Fortunée Levy[5], citando um documento da
Real Biblioteca da Ajuda[6],
“diamantes os mais excelentes, que no seu
brilhar e dureza deixam a perder de vista os do Oriente”.
A
Coroa achando-se lesada com o sistema de arrendamento a particulares criou um
novo sistema à partir de 1771. Assim, com o Decreto de 12 de julho de 1771 criou-se
a Real Extração dos Diamantes, um monopólio real de extração que durou até a
independência e se prorrogou até 1841, sendo a administração substituída
definitivamente em 1845 e extinta em 1853.
Figura 2 – “Diamond washing at Curralinho” (Lavra de diamantes
em Curralinho, perto de Tijuco) in, Spix,
J.P. von and Martius, C.F.Phil von. Travel
in Brazil ,
in the years 1817-1820. London :
Longman, Hurst, Rees, Orme, Brown and Green, 1824, Vol. II, p.III).
O sistema estabelecido pelo Decreto de
12 de julho de 1771 e pelo Alvará de 02 de agosto do mesmo ano entrou em vigor
a partir de 1/1/1772. Eles não previam a possibilidade de emissão de bilhetes,
sendo provável que seu surgimento esteja ligado a questões de ordem prática,
quando da escassez de fundos por parte da Administração para saldar suas
dívidas[7],
esta emitia bilhetes. Quando a Fazenda Real enviava os recursos (moedas), esses
bilhetes eram pagos.
As
emissões se iniciaram, a que tudo indica, com a implantação do novo sistema, ou
seja, a partir de 1772. O bilhete de data mais antiga que conhecemos é de 30 de
junho de 1773, pertencente às coleções do Museu Histórico Nacional.
Neste
período a produção aurífera não se encontrava mais no auge, verificado por
volta de 1750 (estimativa de 15 ton./ano), essa produção havia caído a menos de
5 ton./ano em 1785. No que tange aos diamantes o período “áureo” ocorreu
durante o período dos contratos e quando foi criada a Real Extração “o mercado europeu achava-se abarrotado de
diamantes havendo grande baixa nos preços”[8].
Julius
Meili[9] nos informa que até 1776 os Bilhetes da
Extração se pagavam com a maior pontualidade, quando apresentados à
Administração, razão pela qual adquiriram imenso crédito no giro do comércio.
Passados ao portador[10]
eram aceitos por toda a Capitania e também fora dela; com eles se pagavam os
tributos, entre eles o quinto e os direitos de entrada.
Daquele
tempo em diante (1776) houve excessos nas despesas ou mesmo a ausência de
fundos para o pagamento dos bilhetes que eram apresentados, culminando pelo seu
não pagamento, decorrendo dai sua desvalorização. Começaram a sofrer descontos
de 5 a 10%,
nos primeiros tempos, sendo que até o ano de 1816, foram gradualmente subindo
até 50, 60 e 80%. A Extração foi declinando até extinguir-se definitivamente em
1853. O Decreto de 24 de setembro de 1845 mandava substituir sua administração.
Julius Meili cita várias fontes para o estudo do período, entre elas o
livro do alemão W.L Eschwege, Pluto
Brasiliensis publicado em Berlim em 1833 e Memórias do Distrito Diamantino
da Comarca do Serro Frio por J. Feliciano dos Santos publicado no Rio de
Janeiro em 1868 (ambos com edições posteriores).
Figura 3 – “View of negroes washing for Diamonds at Mandango
on the river Jigitonhonha in Cerro do Frio
-Brazil” (Vista de negros na lavra de diamantes em Mandango, no Rio
Jequitinhonha, em Serro do Frio – Brasil) in, Jonh Mawe. Travels in the Interior of Brazil , particulary in the Gold and
Diamond Districts…. London : Longman, Hurst , Rees, Orme and
Brown, Paternoster-Row, 1812, p. s/n°).
Encontramos uma interessante
referência legislativa (Carta) sobre os bilhetes da Real Extração no livro do
Capitão S. Sombra, História Monetária do Brasil Colonial, vejamos:
“A Diretoria da Real Extração, em Lisboa, ordena à Junta do Tijuco que
suspenda a emissão de novos bilhetes, os quais corriam, em toda a Capitania de
Minas, desde 1772, como se moeda fossem. (C. de 23 de outubro de 1776)” (ob.cit. p.232).
Pelo
que se depreende do texto acima, os bilhetes da Real Extração corriam como se moeda fossem desde 1772, sem o
conhecimento da Diretoria da Real Extração em Lisboa. Interessante notar que os
bilhetes vinham de Lisboa e ainda que em 1776 eles deixaram de ser pagos
pontualmente, como vimos. O fato é que eles continuaram a ser emitidos e a
carta virou letra morta.
Os
bilhetes da Real Extração
A
Administração Geral dos Diamantes emitiu bilhetes, uns impressos e outros
manuscritos. Os bilhetes manuscritos[11]
seriam os denominados "conhecimentos" emitidos na falta de bilhetes
impressos, mas a legislação não menciona sequer os primeiros. Os bilhetes
impressos vinham de Lisboa, encadernados em livros e quando da emissão eram
cortados pela tarja linhada que se situava no centro da folha, para posterior
confrontação na ocasião do pagamento[12].
Os bilhetes manuscritos eram de confecção local e o único remanescente que
temos conhecimento apresenta assinaturas como elemento de segurança.
Figura 4 – Bilhete da Casa da Administração Geral dos
Diamantes do Arraial do Tijuco do Serro Frio, no valor de 1502 oitavas, ¾ e
dois vinténs de ouro (em torno de 5 quilos e quatrocentos gramas) emitido em 30
de junho de 1773. Dimensão aproximada: 180 mm X 146 mm . Reprodução a partir da obra de Julius
Meili (O Meio Circulante no Brasil. Parte III – A Moeda Fiduciária no Brasil
1771-1900. Zurique, Tipografia de Jean Frey, 1903, Estampa 1- 1*). Antiga
Coleção Pedro Massena, atualmente incorporada às Coleções do Museu Histórico
Nacional. Este bilhete (ao que tudo indica) é o mais antigo representante do
Meio Circulante Brasileiro e provavelmente o de maior valor nominal entre os
bilhetes da Real Extração ainda existentes.
Descrição dos bilhetes impressos
São.........(1)
Brasão de Armas de Portugal (2)
Ficão
nesta Casa da Administração Geral dos
Diamantes (3) de
ouro de conta do Senhor (4)
que lhe pagará, ou a quem ef-
te apresentar. Tejuco (5) de 17.....(6)
N°........(7)
(Tarja Linhada) (8)
Explicação dos termos:
(1) Nesta parte era manuscrito o valor do
bilhete em oitavas[13]
de ouro.
(2) Brasão de Armas de Portugal. Armas de D.
José – O Reformador, 1750-1777.
(3) O valor por extenso em oitavas de ouro.
(4) O nome do consignado constava nesta parte,
mas os bilhetes eram emitidos ao portador conforme se depreende do final do enunciado
– “ou a quem este apresentar”.
(5) O dia e mês seguido do ano (6). Não
conhecemos nenhum bilhete desta espécie emitido após 1779.
(7) O número do bilhete. A que tudo indica a
numeração era anual e seqüencial, pelo menos até 1777.
(8) A tarja linhada que poderia vir na parte
inferior ou superior do bilhete conforme era destacado, servia para a
confrontação dos bilhetes com a outra parte dos mesmos que ficavam em poder da Junta,
confirmada a legitimidade do bilhete era feito o pagamento. Não temos notícias
da existência de bilhetes falsos.
Obs.: Na parte inferior do bilhete vinha a
indicação do pagamento, ou seja, que o valor consignado foi pago. Todos os
bilhetes estudados contêm esta anotação, indicando que foram pagos pela Junta.
Encontramos 41 bilhetes deste tipo mais 258, no livro, totalizando 299 bilhetes.
Descrição do bilhete manuscrito[14].
Figura 5 – Bilhete manuscrito da Casa da Administração Geral
dos Diamantes do Arraial do Tijuco do Serro Frio, no valor de 6 oitavas e ½ de
ouro (apenas 23,30 gramas) emitido em 18 de maio de 1792. Dimensão aproximada: 205 mm X 150 mm . Reprodução a partir
da obra de Julius Meili (O Meio Circulante no Brasil. Parte III – A Moeda
Fiduciária no Brasil 1771-1900. Zurique, Tipografia de Jean Frey, 1903, Estampa
2 – 2*). Antiga Coleção Pedro Massena, atualmente incorporada às Coleções do
Museu Histórico Nacional. Este bilhete (ao que tudo indica) é o mais antigo
representante do Meio Circulante Brasileiro impresso no Brasil – o Brasão de
Armas foi impresso através de sinete.
"Jornaes do 2. Sem.et.de 1791 (Armas de Portugal – D. Maria I
– A Piedosa, 1777-1816)
São 6½
Ficão nesta Casa da Admin. ação Geral dos Diam.
es Seis oitavas e meia de ouro de Raymundo de Araûjo, que se lhe pagarão, ou a
quem este apresentar. Tejuco 18 de Mayo
de 1792.
(Podem ser identificadas quatro assinaturas -
ilegíveis quase que na totalidade).
Alguns sobrenomes: Silveira (assinatura
central) e Souza (em baixo à esquerda).
N° 87
Pg."
Obs.: Este bilhete além de provavelmente único,
foi emitido após 1776 (data em que os bilhetes deixaram de ser pagos com
pontualidade) e ainda é o de data mais "recente" entre os conhecidos
(1792). Desta forma, existe prova efetiva de circulação destes bilhetes entre o
anos de 1773 e 1792 data da emissão deste último.
Na parte superior à esquerda temos: "Jornaes
do 2. Sem.et.de 1791” , ao nosso ver, referência ao pagamento de jornadas de trabalho do segundo semestre
de 1791.
Notícias sobre as emissões dos bilhetes
Da
análise de diversos bilhetes da Real Extração existentes, de diversas fontes, podemos
tirar algumas informações interessantes sobre o valor, a forma de numeração e a
quantidade emitida, vejamos:
Bilhetes
da Real Extração
Emissão
|
Número
|
Valor
|
Consignado
|
Fontes
|
30/06/1773
|
N°
531
|
1502 oitavas ¾ e 2 vinténs
|
Francisco
Alz. de Barros
|
Massena - MHN
|
23/11/1773
|
N°
791
|
100
oitavas
|
Manoel
Gomes Obidos
|
Internet
|
25/11/1773
|
N°
797
|
48
oitavas ½ e 2 vinténs
|
Manoel
...Neto
|
Internet
|
9/12/1773
|
N°
832
|
75
oitavas ½
|
Manoel de
Oliveira Penna
|
Leilão Itaú
|
31/12/1773
|
N° 886
|
63
oitavas ¾ e 7 vinténs
|
Domingos
F. de Oliveira
|
Internet
|
31/12/1773
|
N° 901
|
25
oitavas
|
Bento
Manoel de Oliveira
|
WPM
|
31/12/1733
|
N° 914
|
5 oitavas
|
Francisco
José de Almeida
|
Internet
|
31/12/1773
|
N° 918
|
94 oitavas
¼ e 6 vinténs
|
José de
Moura e Oliveira
|
Internet
|
4/08/1777
|
N° 249
|
14
oitavas e 2 vinténs
|
José
...Pereira....
|
Internet
|
4/08/1777
|
N° 267
|
38
oitavas ½ e 6 vinténs
|
Manoel
José Reis Sampayo
|
Internet
|
4/08/1777
|
N° 268
|
66
oitavas ¾
|
Domingos Luis
dos Reis
|
Internet
|
4/08/1777
|
N° 287
|
9 oitavas
|
José...
|
Internet
|
4/08/1777
|
N° 295
|
90
oitavas
|
Baltazer
Gonçalves...
|
Ebay
|
4/08/1777
|
N° 303
|
50
oitavas e 2 vinténs
|
Manoel
...Rocha
|
Ebay
|
4/08/1777
|
N° 305
|
76
oitavas ¾ e 4 vinténs
|
Manoel
José Machado
|
Ebay
|
5/08/1777
|
N° 318
|
50
oitavas
|
D. Maria
da Conceipção
|
Internet
|
5/08/1777
|
N° 319
|
18
oitavas ¾ e 6 vinténs
|
D. Maria
da Conceipção
|
Internet
|
5/08/1777
|
N° 328
|
5 oitavas
¼ e 4 vinténs
|
Acácio de
Araujo Ferreira
|
Internet
|
5/08/1777
|
N° 343
|
100
oitavas
|
Miguel
Ferreira ...
|
Ebay
|
5/08/1777
|
N° 351
|
24
oitavas
|
Manoel
Antonio de Aguiar
|
Ebay
|
5/08/1777
|
N° 356
|
100
oitavas
|
Manoel
Antonio Salgado
|
Internet
|
6/08/1777
|
N° 365
|
3 oitavas
|
D. Anna
da Encarnação
|
Ebay
|
6/08/1777
|
N° 387
|
120
oitavas
|
Cap. Jozé
da Costa...
|
Internet
|
7/08/1777
|
N° 402
|
296
oitavas ¼ e 3 vinténs
|
João
Machado Penna
|
Ebay
|
7/08/1777
|
N° 405
|
131
oitavas e 3 vinténs
|
João
Machado Penna
|
Internet
|
7/08/1777
|
N° 417
|
10
oitavas
|
...José
Caetano Reis
|
Ebay
|
7/08/1777
|
N° 419
|
16
oitavas ¼
|
...José
Caetano Reis
|
Ebay
|
3/08/1778
|
N° 250
|
88
oitavas ¼ e 2 vinténs
|
Francisco
José Pereira
|
BC
|
4/08/1778
|
N° 324
|
86
oitavas ¼ e 4 vinténs
|
Jerônimo
Luis da Cunha
|
Icon.
|
5/08/1778
|
N° 372
|
27
oitavas ¼ e 2 vinténs
|
José Francisco Guimarães
|
Internet
|
5/08/1778
|
N° 375
|
40
oitavas
|
Manoel
Caetano Ferreira
|
BC
|
20/02/1778 a 05/03/1778 N°
|
||||
25/02/1778
|
N° 2544
|
50
oitavas
|
João
Correia...
|
M.D
|
25/02/1778
|
N° ?
|
20
oitavas
|
José
Francisco Dias
|
M.D
|
25/02/1778
|
N° 2558
|
40
oitavas
|
Francisco José de Carvalho Valadares
|
M.D
|
25/02/1778
|
N° 2559
|
20
oitavas
|
Francisco José de Carvalho Valadares
|
M.D
|
26/02/1778
|
N°
2600
|
8 oitavas
|
...João...
|
M.D.
|
26/02/1778
|
N°
2601
|
40 oitavas
|
...João...
|
M.D.
|
19/02/1779
|
N°
2066
|
100
oitavas
|
D. Anna
Joaquina Roza
|
Internet
|
20/02/1779
|
N° 2101
|
7 oitavas
|
D. Anna ….
|
MHN
|
22/02/1779
|
N° 2158
|
120
oitavas
|
José ...
Valle
|
MHN
|
18/05/1792
|
N° 87?
|
6 oitavas
½
|
Raymundo
de Araujo
|
Massena - MHN
|
Abreviações: MHN (Museu
Histórico Nacional); WPM (World Paper Money); BC (Museu de Valores do Banco
Central) e MD (Museu do Diamante – Diamantina/MG).
No
que tange ao valor dos bilhetes podemos constatar a existência de um único
bilhete acima da média (entre 20
a 100 oitavas); é o bilhete de data mais antiga que
conhecemos (30/06/1773), como já tivemos a oportunidade de mencionar. Este
bilhete (Figura 4) pertencia à antiga Coleção Pedro Massena de Barbacena/MG e
foi reproduzido na obra de Julius Meili, A Moeda Fiduciária no Brasil de 1903,
e hoje pertence à Coleção do Museu Histórico Nacional. Este bilhete
correspondia aproximadamente a 5 quilos e quatrocentos gramas de ouro.
O
de menor valor que encontramos é o de 3 oitavas (1777), correspondente a 10,75 gramas
de ouro.
Entre
o primeiro bilhete e o oitavo (todos de 1773) considerando-se a numeração seqüencial,
por hipótese que nos parece a mais sensata, teríamos a emissão num período de 6
meses - de final de junho a dezembro, de 387 bilhetes.
Prosseguindo
nesta análise podemos notar que entre o bilhete n° 832 de 09/12/1773 e o do dia
31/12/1773, temos 22 dias e a emissão de 86 bilhetes, sendo que a média mensal
(nesta época) calculada nos 6 meses, seria em torno de 60 bilhetes.
A
realidade é bem outra se analisarmos os bilhetes do ano de 1778, constante no
talonário existente no Museu do Diamante de Diamantina. Em um período de 14
dias (20/02/1778 a 05/03/1778) foram emitidos nada menos do que 581 bilhetes
(restam no livro 258 bilhetes). Em seis meses neste ritmo teríamos cerca de 7470
bilhetes, uma quantidade muitas vezes superior aos primeiros anos.
Alguns
bilhetes do ano de 1778 e os de 1779 apresentam a numeração acima dos três
dígitos sem que saibamos o motivo.
Figura 6 – Talonário dos bilhetes da Real Extração com o
“canhoto” dos bilhetes do período de 20/02/1778 a 05/03/1778 (bilhetes N° 2115 a N° 2696). Restam
neste talonário 258 bilhetes dos 531 que provavelmente existiam,
considerando-se a emissão seqüencial. O objetivo da conservação do talonário
era a confrontação com os bilhetes emitidos para a verificação da
autenticidade. (Museu do Diamante – Diamantina/MG)
Das assinaturas e do formato dos bilhetes.
Fato
curioso é a completa ausência de assinaturas em todos os bilhetes impressos. Já
no bilhete manuscrito temos quatro, como anteriormente descrito. O formato dos
bilhetes é irregular já que eram cortados pela tarja linhada que servia de
ponto de confrontação nos talonários para a verificação da autenticidade. A
Iconografia do Meio Circulante, obra realizada pelo Banco Central em 1972, traz
a reprodução de um destes bilhetes em tamanho próximo ao original – 175 mm X 140 mm (bilhete impresso)
que acreditamos estar perto da realidade. Em relação ao bilhete manuscrito
temos apenas uma referência na matéria de Fortunée Levy (antiga Conservadora do
Museu Histórico Nacional), teria assim, cerca de 205 mm X 105 mm .
O
“specimen” dos bilhetes impressos (Figura
9) foi apresentado como possuindo 11-3/4" x 7-3/4", ou seja, 298,4500 mm X 196,8500 mm . Esta seria
a medida da folha inteira sem o destaque e corte pela tarja linhada.
O método de impressão dos bilhetes.
Sobre
o método de impressão, Violo Idolo Lissa[15], afirma que os bilhetes impressos
eram fabricados em Lisboa pelo método da litografia, tinta preta sobre papel
branco. Estas informações, no entanto, não podem ser confirmadas tendo-se em
vista que o processo litográfico foi inventado entre os anos de 1796 e 1799,
pelo tcheco de origem austríaca Alois Senefelder (1771-1834) e os
bilhetes em análise foram emitidos entre 1772 e 1779, portanto, bem antes da
invenção da litografia. A litografia chegaria a Portugal somente em 1824 e no
Brasil em 1818, introduzida por um francês.
O
método que poderia ter sido utilizado neste caso é o da gravura em metal para o
brasão de armas e a tipografia para as letras[16].
A chapa de metal gravada deixa o papel ligeiramente sensível ao tato (como as
atuais cédulas) o que não ocorre com a impressão litográfica em que o papel
permanece liso.
Em
relação ao bilhete manuscrito, Lissa informa que somente foi impresso um
medalhão com as Armas portuguesas, na parte superior central, sobre papel
branco e todo o texto manuscrito. Fortunée Levy nos informa que o Brasão de
Armas foi impresso por meio de um sinete (carimbo), a irregularidade de
impressão parece corroborar neste sentido.
Brasões diferenciados, mas uma gravação
em uma única placa
Brasão de Armas
Português
Figura 7.
Figura 8 .
Brasão
de Armas Português - parte superior dos bilhetes da Real Extração. Em relação
às Armas Portuguesas (bilhetes impressos) pode-se notar a existência de dois
tipos de todas as espécies analisadas (Figuras 7 e 8). Existem pequenas diferenças
nas coroas, na posição dos castelos, no brasão e nos ornamentos. Em primeira análise
acreditávamos em chapas de impressão distintas.
Todavia,
um raro “Specimen” encontrado em um
leilão veio dissipar as dúvidas. Como pode ser observado na Figura 9, os
bilhetes vinham impressos em uma única folha e na ocasião da emissão eram
cortados pela tarja linhada para posterior confrontação na ocasião do
pagamento, como havíamos afirmado anteriormente. O fato é que existem as
diferenças apontadas no brasão, eis que a gravação manual torna difícil ou
mesmo impossibilita uma cópia idêntica, como é possível hoje através de
equipamentos modernos.
Figura 9 – “Specimen” (cancelado – sem efeito) dos bilhetes da
Real Extração de 1777 (11-3/4" x 7-3/4 (298,4500 mm X 196,8500 mm ). (in,
NumisBids Coin Actions[17]). O Brasão de armas que
encontra-se na parte superior da folha é diferente do que se encontra na parte
inferior.
A presença de marca d
água ou filigrana no papel
Tínhamos
notícias sobre a ocorrência de marca d água em alguns bilhetes da Real Extração
o que nos levou a pensar na existência de falsificações no caso da não presença
deste elemento de segurança. Ledo engano.
Alguns
bilhetes apresentam marca d água fato em geral não mencionado por aqueles que
se dedicaram ao tema. Tivemos a informação que dos 25 bilhetes que se encontram
no Museu Histórico Nacional[18],
11 deles apresentam marca d água. Não estando presente em todos os bilhetes e
nem sendo de fácil identificação este aspecto foi deixado de lado nas obras que
tivemos acesso.
Do
Museu de Valores do Banco Central obtivemos a seguinte informação: “Quanto a marca d`água, apenas uma das peças
apresenta este elemento de segurança com a figura de uma coroa. A posição em
que a marca d`água encontra-se – porção inferior do papel, sem
proporcionalidade de posição com a impressão – e a aparência idêntica do papel
em todas as peças, leva-nos a acreditar que os documentos em questão foram
impressos em papel que carrega marca d`água, mas, sem uma correspondência com
as características de tamanho e/ou de local de corte dos bilhetes, o que faria
com que algumas peças tragam marca d`água – em qualquer lugar – e outras não.” (Jorge
Augusto Matsunaga Sasaki, analista do Departamento de Educação Financeira do
Banco Central).
Acreditamos
que esta versão gentilmente realizada pelo analista do Banco Central é a mais
próxima da realidade, ou seja, o papel filigranado (com a figura de uma coroa)
foi utilizado na confecção dos bilhetes, mas este não aparece necessariamente
em todos os bilhetes eis que de localização aleatória.
Notícias sobre a circulação dos
bilhetes
Julius
Meili transcreve uma carta pertencente à antiga coleção Pedro Massena que
diz respeito à circulação dos bilhetes da Real Extração, vejamos:
"Sñr
João Rodrigues de Macedo.
Leva Franco da Rocha nove
sentas e quatro oitavas e tres quartos em bts da R! Extração que
pertencem a cobrança do Contrato das Entradas, aonde se deve acreditar, e
são todos quantos avia em caza, pela dificuld.e q cada vez experimto nas cobranças,
q na verd.e me emvergonho de lhe fazer simelhantes remeças.
Em barra ou em Ouro, he couza q por aqui não hâ.
Sinto
no meu coração não poder a vmce ajudalo nas suas afliçoens como
devo.
Dezejo-lhe
saude e mtas felicid.es a pessoa de vmce q Ds
ge m a
Tejuco
1° de Janro de 1784.
De
vm.ce
Amo
e C
(assignado)
João Carnro"[19] (grifo nosso).
Temos
notícia que em 1814 estes bilhetes deveriam ser recebidos nos pagamentos a Real
Fazenda, segundo o termo a respeito dos bilhetes da Real Extração Diamantina
datado de 30 de março de 1814, fls. 71v. (in Angelo Alves Carrara. A Real
Fazenda de Minas Gerais guia de pesquisa da Coleção Casa dos Contos de Ouro
Preto. Juiz de Fora: Clio Edições Eletrônicas, Volume 3 – Correspondência ativa
e passiva da Junta da Real Fazenda de Minas Gerais, 1766-1832), 2010, p.20).
Em
1816[20]
ordena-se o pagamento de todas as despesas da Extração, duas vezes ao ano, não
se permitindo a emissão de bilhetes de qualquer natureza. Mas as emissões
continuam eis que os recursos chegam sempre com atraso.
Destes
bilhetes ainda faz menção o relatório do Ministério da Fazenda para o ano de
1828, vejamos:
"Da Despesa Extraordinária do 1° semestre
do ano de 1828.
(...)
Bilhetes da Extração Diamantina do Tejuco
remetidos pela Junta da Fazenda de Minas Gerais para o pagamento do subsídio de
seus Deputados à Assembléia Legislativa, que se dão em despesa por não correrem
nesta Corte. 61.577$537" (p.18).
Com
a Independência e provavelmente por causa da depreciação passaram a encontrar
obstáculos na circulação perante o Governo Imperial ficando restritos a Minas
Gerais.
O
catálogo World Paper Money considerou como período de circulação destes
bilhetes os anos de 1771 e 1792 e curiosamente classifica apenas os bilhetes
impressos - P.A101, não mencionado a existência dos bilhetes manuscritos que
justificariam a última data apontada.
Ao
que tudo indica estes bilhetes teriam circulado a partir de 1° de janeiro de
1772 apesar do mais antigo exemplar conhecido datar de 30 de junho de 1773.
Em
relação data de "recolhimento", ou da perda de valor destes bilhetes,
poderíamos estabelecer o ano de 1841 (ano da extinção da extração) ou 1845,
data da substituição da administração, no entanto, não encontramos dados para
confirmar esta tese.
A
emissão dos bilhetes é comprovada efetivamente até o ano de 1792 (bilhete
manuscrito de n°87, reproduzido na obra de Meili), outro indicativo desta
circulação é a menção no Relatório do Ministério da Fazenda para o ano de 1828,
informando que aqueles bilhetes não corriam na Corte, dando a entender que
circulavam na Província de Minas Gerais. Temos aqui duas datas, a de 1792 pelo
bilhete manuscrito e a de 1828 pelo Relatório Ministerial. Sabemos, assim, que
estes bilhetes tiveram validade até 1828 pelo menos, mas não podemos afirmar
que ainda estavam em circulação até 1841 ou 1845 ou mesmo posteriormente, nos faltam
dados.
Da natureza dos bilhetes.
A
maioria dos autores não define com exatidão a natureza destes bilhetes. Julius
Meili[21] informa que tratam-se de "Papel Moeda
para a Capitania de Minas Gerais - 1771/1841."., e nada diz sobre como
a Administração utilizava estes bilhetes. Os bilhetes eram expressos em oitavas
de ouro e não em réis, como vimos. Daí surge a questão, eles serviam para a
compra dos diamantes? De ouro? Ou ainda, vice-versa? Meili não dá esta
resposta. Lissa ao mencionar estes bilhetes informa que os mesmos serviam para
o recolhimento do ouro, conforme o Regimento de 2 de agosto de 1771.
Os
bilhetes serviam para o pagamento das despesas da Real Extração e notadamente
para o pagamento da mão de obra[22].
Não eram utilizados para a compra dos diamantes eis que a partir de 1772 a extração passou a ser
monopólio da Coroa, assim, não fazendo nenhum sentido em comprar aquilo que ela
mesma possuía. Quanto ao ouro existia o imposto do quinto.
Estes
bilhetes adquiriram imenso crédito no giro do comércio, como vimos, e a partir
de 1776 deixaram de ser pagos pontualmente.
Até
1776 temos a figura da moeda-papel eis que, embora fiduciária, representava uma
equivalência metálica, podendo ser trocado por metais preciosos até aquela
data. Depois, passa a circular como papel-moeda, dependendo do Governo a
fixação do recolhimento.
Assim,
trata-se da primeira experiência[23]
na utilização da moeda fiduciária no Brasil.
Bibliografia:
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Itatiaia/Edusp, 1982. (Coleção Reconquista do Brasil). – Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro - Texto-base digitalizado por: Evaldo Nunes de Almeida –
Araruama/RJ.
Nota: A edição princeps data de 1711 e
foi impressa em Lisboa na Oficina Real Deslandesiana, existe um exemplar na
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
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13ª edição, 2001.
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Sílvia F. de M. Mineração no Brasil: Aspectos Técnicos e Científicos de sua História na Colônia e no Império (Séculos XVIII e XIX). UNICAMP. s/d.
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Vinicius de Cédulas do Brasil (Cédulas do Brasil de 1773 á 1980), 1ª
edição, 1981
Agradecimentos especiais a Jorge Augusto
Matsunaga Sasaki, analista do Departamento de Educação Financeira do Banco
Central do Brasil/Museu de Valores; a José Luiz Pinto Filho, chefe de serviço
do Museu do Diamante de Diamantina/MG e a Paula Jesus Aranha, museóloga do
Museu Histórico Nacional.
[1] Palavra de origem
tupi que significa “lama” (local lamacento, pantanoso), nos bilhetes da Real
Extração foi grafada com “e”, ou seja, “Tejuco”, forma esta também largamente
utilizada.
[2] As datas marcam apenas os limites
extremos do período desta administração e não necessariamente o de circulação
dos bilhetes.
[3] Também conhecido como o “Livro da Capa Verde”, porque chegou ao Distrito Diamantino
encadernado em marroquim verde.
[4] As primeiras notícias sobre
descobertas de diamantes no Brasil, segundo a historiadora Junia Ferreira Furtado, remontam a segunda metade do século XVI -
Expedições de Fernandes Tourinho (1572), Antonio Dias (1574) e Marcos de
Azevedo (1596).
[6] Descrição Geográfica, Topográfica, Histórica e
Política da Capitania de Minas Gerais, 1781 (in, Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo LXXI, Parte I, 1908, p.117-197, 1909.
[8] LEVY, Fortunée. A
Circulação da Moeda Fiduciária no Distrito Diamantino – Bilhetes da Extração.
Rio de Janeiro: Anais do Museu Histórico Nacional, Imprensa Nacional, Vol.II,
1941, p. 273.
[9] O Meio Circulante no Brasil, Parte
III - A Moeda Fiduciária no Brasil, Tipografia Jean de Frey, Zurique, 1903,
p.3.
[10] Constava nos bilhetes que os mesmo deveriam ser pagos ao credor ou ao
portador, vejamos: “...de conta do Senhor
...que se lhe pagará, ou a quem este apresentar.”
[13] Antiga unidade monetária que correspondia à
oitava parte da onça ou 3,586
g , equivalente a 1.200 réis.
[14] Conhecemos apenas
um bilhete deste gênero que foi reproduzido por Julius Meili (n° 2*),
pertencente a Antiga Coleção Pedro
Massena, atualmente incorporada às Coleções do Museu Histórico Nacional. A que
tudo indica, este bilhete é o mais antigo dentre os que foram impressos no
Brasil. No caso foi apenas impresso o brasão de armas de D. Maria I (1777-1816)
e o restante manuscrito.
[15] Catálogo do Papel Moeda do Brasil,
Gráfica Brasiliana, 3 edição, Brasília, 1987, p. 41.
[17]
https://www.numisbids.com/n.php?p=lot&sid=888&lot=973.
[18] Informação gentilmente prestada
pela museóloga do MHN Paula Moura Aranha.
[19] Ob. cit. p. 4
[21] O Meio Circulante no Brasil, Parte III - A
Moeda Fiduciária no Brasil, Tipografia Jean de Frey, Zurique, 1903, p.3.
Autor: Marcio R. Sandoval
E-mail: marciosandoval@hotmail.com
Publicado no Boletim da Associação Filatélica e Numismática de Santa Catarina (AFSC) n° 70, de novembro de 2015, p.4-19.
© 2015 Marcio R. Sandoval
© 2015 Marcio R. Sandoval