© 2012 Marcio Rovere Sandoval
Fig. 1 – Propaganda da Waterlow
& Sons, empresa inglesa de impressão de papel-moeda, selos postais,
cheques, certificados de ações e outros documentos de segurança (cerca de
1850).
A empresa
Waterlow & Sons, empresa gráfica e impressores
de papel-moeda, selos postais, cheques, certificados de ações e outros
documentos de segurança (1810-1961). Ainda fabricou prensas, cofres e máquinas
de impressão.
A
empresa foi fundada em Londres em 1810 por James
Waterlow. James era copista de leis para firmas jurídicas e, com o
surgimento da litografia, técnica inventada por Alois Senefelder em 1796 na Alemanha, houve a possibilidade de
substituir a cópia pela impressão litográfica.
Assim
foi criada a empresa Waterlow & Sons,
utilizando-se a técnica da litografia para a reprodução de documentos jurídicos
evitando-se com isso um trabalho árduo de compilação. A empresa contava com a
participação dos filhos Alfred, Walter, Sydney e Albert.
De
acordo com a história oficial da família[3],
temos:
“houve
uma mudança na sorte deles quando conceberam a ideia de utilizar a litografia e
a impressão como substitutos da cópia, sempre que se tornavam necessárias muitas
cópias de documentos jurídicos, assim economizando tempo e despesas... Não
obstante a objeção dos papeleiros, o Almirantado e o Juizado aprovaram a
inovação. Nesse ínterim ele dera participação na sociedade aos filhos Alfred,
Walter, Sydney e Albert...”
Segundo
a genealogia da família o primeiro Waterlow
a chegar à Inglaterra foi Walran Waterlow,
natural de Lille (França) que emigrou para Canterbury
em 1625 fugindo da perseguição religiosa advinda da revogação do Edito de
Nantes, que havia conferido aos huguenotes igualdade de direitos políticos em
relação aos católicos. Mais tarde, transferiu-se para Londres para reunir-se
com outros parentes vindos na mesma ocasião.
A empresa prosperou lentamente e em 1844 contava com
vinte empregados. Com a maré da Revolução Industrial, Alfred vislumbrou uma formidável
oportunidade. Juntamente com os irmãos, projetou maquinário adequado à
impressão de horários e de bilhetes para as ferrovias. Além das ferrovias havia
uma expansão geral dos negócios e em particular, dos bancos, das companhias de
seguros, dos transportes marítimos, etc., todos estes consumidores vorazes de
material impresso e de segurança. Neste período a empresa teve um grande
desenvolvimento.
Fig. 2–
Prensa litográfica fabricada por Waterlow
& Sons, cerca de 1855. Estas pequenas máquinas eram vendidas para a
impressão de panfletos, anúncios, publicidade, etc.
Em 1877, após a morte do fundador, a empresa separou-se
em duas sociedades.
O filho mais velho, Alfred, juntamente com os três
filhos, Alfred Jr., Hebert e Walter, constituíram a firma Waterlow Brothers and Layton. Layton havia se associado à empresa em
1839. Esta firma ficou de posse da maioria das patentes e do material de
impressão.
A outra firma, constituída por Sir Sidney Waterlow[4]
e seus filhos, Philip, George e Charles, denominou-se Waterlow & Sons Ltda.
Esta firma ficou com a impressão original do material ferroviário (que
possibilitou o crescimento da empresa) e mais a impressão do papel-moeda
estrangeiro e de selos que a empresa original havia iniciado em 1850.
Ambas as empresas progrediram separadamente e sem
atritos até 1920, ano em que foram reunidas. A unificação das empresas está relacionada
ao fato de que, o neto de Alfred[5],
Willian Alfred Waterlon (1871 - 1931),
haver notado que a impressão de papel-moeda era um negócio promissor. Ele, como
diretor-gerente da Waterlow Brothers
& Layton fez a empresa prosperar na impressão de papel-moeda com lucros
maiores que a empresa dirigida pelos primos.
Em 1914, Willian
Alfred Waterlow tornou-se presidente da Federation
of Master Printers of Great Britain (Federação dos Mestres Impressores da
Grã-Bretanha).
Naquele mesmo ano conseguiu obter uma encomenda do
Tesouro Britânico, de cem milhões de libras em notas de uma libra (P.347),
mediante a promessa de entregar os primeiros quatro milhões de cédulas dentro
de cinco dias.
A encomenda emergencial foi realizada em 2 de agosto
de 1914[6]
e no dia 6 de agosto, quando os bancos reabriram, puderam contar com dois
milhões e meio de libras em cédulas de um libra.[7]
Estas cédulas foram impressas com papel destinado a selos postais, quebrando
uma tradição de quase duzentos anos, eis que as cédulas do Banco da Inglaterra
vinham sendo impressas desde 1724 em papel de linho.
Além do papel, as novas cédulas eram menores do que as
tradicionalmente emitidas e traziam a assinatura de Sir John Bradbury,
secretário do Tesouro, passando a serem chamadas de “Bradburys”.
Fig. 3
– À esquerda temos 1 libra (P.347) de agosto de 1914 (127 X 63 mm ) e à direita, 10 xelins
(P.346) também de agosto de 1914 (127 X 63,5 mm ), ambas unifaciais e impressas por Waterlow & Sons com papel destinado
a selos postais ante a premência do tempo de guerra.
Na pressa para realizar a entrega, alguns maços de
cédulas haviam sido empacotados com cintas inteiras das novas cédulas, fato
este que seria imperdoável para um impressor de papel-moeda em condições
normais, considerando que este material não repertoriado poderia ter sido
utilizado de maneira indesejada, apesar de, ao que tudo indica, não conterem as
chancelas e a numeração. No entanto as cédulas garantiram o funcionamento dos
bancos.
Algum
tempo depois conseguiram uma encomenda de cédulas de 10 xelins que partilharam
com a concorrente e futura adquirente Thomas
de La Rue &
Company (atualmente De La Rue plc).
Com
as novas encomendas de papel-moeda, a firma construiu uma nova fábrica de
cédulas em Waterford. Nesta mesma
época imprimiram também cédulas para bancos privados escoceses e ingleses,
estes últimos perderam o privilégio de emissão em 1921.
Em
janeiro de 1919 Willian Alfred Waterlow foi
agraciado com o título de Cavaleiro Comendador da Divisão Civil da Ordem do
Império Britânico, por serviços prestados à Coroa durante a Guerra. Passava
agora a ter um tratamento formal, Sir
William Alfred Waterlow.
A
condecoração vinha pelos serviços prestados à Coroa durante a Grande Guerra,
consistindo na impressão de papel-moeda acima aludido e ainda em determinados
serviços para o British Secret Service
(Serviço Secreto Britânico), ou seja, falsificações. Estes trabalhos para o
Serviço Secreto foram: imitação de selos da Alemanha, da Áustria e da Baviera,
que foram utilizados em envelopes com propaganda aliada e numa operação secreta
em 1917, quando os gravadores de Waterlow
prepararam matrizes para a falsificação de cédulas alemãs.
A
solicitação a Waterlow para realizar
os trabalhos para o Serviço Secreto Britânico na verdade foi uma convocação[8],
ou seja, ele não poderia declinar desta obrigação, digamos, patriótica.
Como
vimos, com a prosperidade obtida por Waterlow
Brothers & Layton durante a Grande Guerra, já em princípios de 1919
foram iniciadas as conversações para a fusão das empresas o que veio a ocorrer
em 21 de janeiro de 1920.
O
novo presidente da firma era Sir Philip
Waterlow. O filho Edgar juntamente
com Sir Willian Alfred Waterlow tornaram-se
diretores-gerentes associados. Com a fusão, Sir
Willian passou para uma posição secundária. O primo Edgar seria
naturalmente o sucessor o que, surpreendentemente, não veio a ocorrer em
virtude de uma ação judicial intentada pela Thomas
de La Rue &
Company.
Thomas de La Rue & Company e Waterlow & Sons haviam celebrado um acordo secreto no sentido
de não fazerem concorrência mútua na obtenção de contratos de impressão com o
Governo Britânico. Assim, a empresa escolhida concederia a outra uma percentagem
nos lucros. Os pagamentos haviam sido feitos várias vezes por ambas as empresas
desde 1913, porém, durante os anos de 1919 e 1920, Sir Philip Waterlow se furtou ao pagamento e ainda pior, embolsou
indevidamente os pagamentos realizados por Thomas
de La Rue &
Company.
Desta forma, em 9 de novembro de
1923, Sir Willian Waterlow tornou-se
Presidente e Diretor-Gerente associado de Waterlow
& Sons, após o afastamento de Sir
Philip[9]
da Presidência.
Sir Willian Waterlow deixou a empresa em
1927, assumindo a presidência o primo Sir
Edgar Waterlow (filho de Sir Philip).
Continuou, entretanto, no conselho diretor de empresa até 1928. O afastamento
de Sir Willian da Presidência da
empresa está relacionado à questão das cédulas portuguesas[10]
que descreveremos mais adiante.
A par
dos assuntos da empresa, Sir Willian
Waterlow pretendia ser Lord Mayor
(Prefeito) de Londres, o que veio a ocorrer em 1929.
Em 1934 a Waterlow & Sons possuía seis fábricas em Londres, uma em Watford e uma outra em Dunstable. Tinha cerca de 5000 empregados.
No
relatório da British Commerce and
Industry – The Post-War Transition 1919-1934, de 1934, existe um interessante
relato sobre o caso do navio SS Egype,
que havia naufragado em 1924 com um carregamento de cédulas impressas pela Waterlow & Sons com destino a um
país do leste europeu. As cédulas, após terem passado dez anos imersas, foram
recuperadas em perfeito estado de conservação, depois de ter sido retirado o
lodo que as envolvia. As cédulas haviam
sido impressas em marrom sobre papel branco e ainda não continham as
assinaturas e nem a numeração.
Em
uma reportagem do The Times de 13 de
junho de 1932 sobre estas cédulas, temos: “elas
foram postas a secar, e secaram magnificamente, com as cores quase inalteradas
depois de dez anos na água e aptas à utilização. Elas são uma esplêndida
contribuição para demonstrar a qualidade de impressão dos Waterlows. As letras
em preto estavam ainda perfeitamente claras, e não havia nem mesmo manchas
entre uma cédula e outra”.
Naquele
mesmo relatório do British Commerce and
Industry, temos a descrição dos trabalhos da empresa, vejamos: “Essencialmente, o trabalho dos Waterlows consiste
na concepção e execução de impressão comercial de toda sorte. Cartazes,
catálogos, brochuras, folders, propagandas, guias de viagens e etiquetas são produzidos
em grande quantidade. (...) Existe um
departamento especial destinado a publicações legais. Milhares de advogados
dependem desta empresa para o aprovisionamento em artigos de papel, em livros
de contas e formulários jurídicos. “The Solicitors’Diary[11]”
foi publicado de forma ininterrupta por esta empresa durante oitenta e nove
anos e “The Bankers’Magazine”, fundado em 1844, foi publicado regularmente
depois desta data”.
Fig. 4 – Propaganda da Waterlow & Sons
em formato de cédula (o que seria um reverso), no local destinado ao valor
temos: “CHEQUES, DRAFTS”, “LETTERS OF CREDIT” “BILLS OF EXCHANGE”, “SHARE
WARRANS” “BANK NOTE ENGRAVER AND PRINTERS” e “DEBENTURES GOVERNMENT, BONDS,
POSTAGE STAMPS”, no centro “WATERLOW & SONS LIMITED”, abaixo o endereço no
centro de Londres, “GREAT WINCHESTER STREET, LONDON, ENGLAND”.
Durante
sua existência, a empresa imprimiu cédulas, selos postais, certificados de
ações e outros documentos de segurança para diversos países, inclusive para o
Brasil, sendo que pouquíssimas vezes conseguiu quebrar o monopólio quase
completo da American Bank Note Company.
Até
1925, ou seja, antes dos problemas advindos da impressão fraudulenta das
cédulas portuguesas, a empresa encontrava-se numa posição privilegiada entre os
maiores impressores de papeis de segurança. Desde o surgimento desta indústria
de impressão até os anos 60 existiam cerca de 20 empresas neste ramo. Dentre
elas, podemos citar: American Bank Note
Company (ABNCo.), Bradbury, Wilkinson
& Co. (BWC)[12],
Thomas de La Rue & Company (TDLR)[13],
Waterlow
& Sons Ltd. (W&S), Joh, Enschede en Zonen [14](JEZ)
e Giesecke & Devrient[15]
(G&D).
Interessante
notar que todas essas empresas forneceram cédulas para o Brasil.
Em 1890 a Wartelow & Sons forneceu cédulas para o Banco do Brasil
(S533-S535) e para o Banco Nacional do Brasil (S627-S630). Em 1906 imprimiu
cédulas para a Caixa de Conversão (R169-R173; P.94-P.98) e para o Tesouro
Nacional em 1936 (R130, R142, R153; P.59, P.71 e P.82).
Entre
os selos tivemos belos exemplares impressos por Waterlow & Sons, podemos citar a título de exemplo o de 200 e o
de 2000 réis com uma bela imagem do Palácio Monroe e ainda outro de 10.000 réis
com imagem do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
Fig. 5 – Selo de 200 réis (Palácio Monroe – Rio de Janeiro),
1937 (Scott, A143), impresso por Waterlow
& Sons.
A Waterlow & Sons, depois de 1925, foi
declinando nos negócios e em 1932 teve que pagar uma indenização de £ 610.392[16]
ao Banco de Portugal, além das custas do processo, cerca £ 95.000. Pelo
ocorrido e pelo declínio nos negócios, desapareceu como empresa impressora de
papéis de segurança em 1961, adquirida pela antiga concorrente, a também
inglesa, De La Rue plc., que é
atualmente, segundo enunciado pela própria, a maior empresa de impressão neste
ramo.
Fig. 6 – Imagem capturada de um vídeo produzido em
31/07/1960, cujo título é “Money Markes”
(Fabricantes de Dinheiro). Trata-se, provavelmente, da fábrica de Waterlow & Sons recentemente adquirida,
na época, por Thomas de La Rue & Company (De La
Rue plc). Na imagem temos um funcionário realizando a
gravação em chapa de aço amolecido em prensa de transferência. A prensa contém
a marca de Waterlow & Sons. A
cédula que aparece no cilindro é a de 50 cruzeiros da 2ª estampa do Tesouro
Nacional de 1960 ou anterior, impressas pela Thomas de La Rue
& Company.[17]
A questão das cédulas portuguesas[18]
De
acordo com o Art. 14 da lei de 29 de julho de 1887 que trata da constituição do
Banco de Portugal, o mesmo tinha a licença exclusiva para emitir papel-moeda no
país até o limite de duas vezes o capital realizado.
Em
1924, com o intuito de atender necessidades governamentais, o banco havia emitido
papel-moeda na proporção de cem vezes o seu capital, e sempre que havia
necessidade o Governo recorria ao banco, pedindo a emissão de mais dinheiro.
Este expediente não era uma exclusividade de Portugal sendo uma prática
corrente em muitos países europeus no pós-guerra.
A
partir de 1891, as cédulas portuguesas não eram conversíveis em ouro ou prata e a
única despesa para sua emissão era o custo da impressão. Em 1918, 8 escudos
valiam 1 libra e em 1923 eram necessários 105 escudos para comprar a mesma
libra.
O
Banco de Portugal havia sido organizado nos moldes do ancestral de todos os
bancos centrais, que é o Banco da Inglaterra. O banco inglês no que diz
respeito ao recolhimento das cédulas de papel-moeda, procedia da seguinte
forma: quando lhe era devolvida uma cédula, em qualquer estado de conservação,
registrava-se o número de série e a mesma era retirada de circulação e
incinerada. O banco português tinha uma prática um pouco diferente: recebia as
cédulas, estas eram lavadas e repassadas e em seguida classificadas por série e
número para uma nova utilização.
Uma das
explicações para esta prática é que as cédulas utilizadas pelo banco eram
impressas no exterior, sendo uma fonte de evasão de divisas. Na época o
fornecimento de cédulas para Portugal era garantido por Waterlow & Sons e principalmente por Bradbury, Wilkinson & Co., subsidiaria autônoma da American
Bank Note Company desde 1903, como vimos.
A
impressão de papel-moeda permaneceu, praticamente, como monopólio das empresas[19]
que detinham a tecnologia até em meados da década de 60, depois desta época,
por questões de economia e de segurança, muitos países passaram a fabricantes.
Em 4
de dezembro de 1924 um negociante holandês chamado Karel Marang dirigiu-se ao
estabelecimento principal do grande império tipográfico dos Waterlows, situado na Great Winchester Street, em Londres. Nas
proximidades estava o Banco da Inglaterra, a Bolsa de Valores e a sede das
principais companhias de seguros. Neste dia fatídico, Karel Marang apresentou o contrato que viria dar causa, anos mais
tarde, ao desaparecimento da empresa enquanto impressora de papel-moeda. Vinha
acompanhado de alguns documentos: um cartão de visita que o identificava como
Cônsul Geral da Pérsia em Haia, de uma carta do ministro português, também de
Haia, de uma carta de apresentação de uma tradicional empresa de impressão holandesa,
situada em Haarlem, a Joh. Enschedé en
Zonen e ainda de um contrato mirabolante entre um sindicato holandês e o
Banco de Portugal para ajudar a combalida Angola, então colônia portuguesa.
Marang apresentou-se ao diretor da empresa,
Sir Willian Waterlow, que apesar de
ser uma pessoa experimentada no campo dos negócios, acabou aceitando a
encomenda de 200.000 cédulas de 500 escudos do Banco de Portugal, tipo Vasco da
Gama (P.130), dando início a uma das maiores fraudes conhecidas contra a moeda.
Fig. 7 – Anverso da
cédula de 500 escudos (P.130)[20],
inicialmente impressas para o Banco de Portugal em 1922, por Waterlow &
Sons num total de 600.000 cédulas e depois impressas novamente por este
impressor mediante fraude praticada por Artur Virgilio Alves Reis.
Para
compreender o caso, devemos conhecer Artur Virgilio Alves Reis, ou seja, aquele
que planejou e executou todo o plano para a impressão fraudulenta das cédulas
de 500 escudos, impressas pela empresa Warterlow
& Sons em 1925.
Nascido
em 1896, Reis chegou a Angola em 1916. Conseguiu um emprego no Departamento de
Obras Públicas com a apresentação de um diploma falso de engenheiro da
Universidade de Oxford, de uma escola inexistente a “Polytechnic School of Engineering”.
Inteligente
e habilidoso, sendo o único “engenheiro” de Oxford em Angola, conseguiu trabalho
na Companhia de Estradas de Ferro. Chegou logo ao controle desta companhia e efetuou
manipulações ilegais na bolsa com as ações da empresa.
Quando
de retorno a Lisboa, as suas ações foram descobertas, ficando dois meses preso.
Na prisão, concebe um plano para a fabricação de dinheiro.
O
primeiro passo foi falsificar um documento pelo qual um grupo de financistas
holandeses emprestaria à colônia portuguesa de Angola a soma de um milhão de
libras. Em compensação ser-lhes-ia conferido o direito de emitir papel-moeda
para a Colônia em valor equivalente (cerca de 100 milhões de escudos
portugueses). O contrato era ambíguo eis que o valor da emissão era o mesmo do
empréstimo, não havendo nenhuma vantagem visível para a realização do negócio.
Além do mais era inconcebível a ideia de que um governo soberano permitisse a um
grupo estrangeiro de emitir sua própria moeda.
O
passo seguinte foi reunir um grupo de cúmplices, de modo que nenhum deles
tivesse conhecimento global do projeto. Um deles Karel Marang ficou incumbido de se aproximar de uma companhia
impressora de papel-moeda. Nos planos iniciais pensava-se em uma empresa alemã
para a realização da impressão das cédulas e nunca as próprias impressoras do
Banco de Portugal, na época Waterlow
& Sons e Bradbury, Wilkinson
& Co., todas as duas situadas em Londres.
As
cédulas a serem impressas seriam a de 500 escudos (P.129), que trazia a imagem
do poeta João de Deus Ramos e a de 1000 escudos (P.126)[21]
com a imagem de Luis de Camões. Estas duas cédulas foram impressas por Bradbury, Wilkinson & Co., mas não
apresentavam na margem branca a marca do impressor.
Como
a impressão das cédulas na Alemanha se mostrou de difícil realização, Karel Marang procurou inicialmente o
impressor holandês de papel-moeda Joh.
Enschedé en Zonen de Haarlem, Holanda. Este impressor explicou-lhe que não
poderia reproduzir o trabalho do outro impressor e indagou-lhe por que não
recorria à própria firma que realizou a impressão.
Verificando
as cédulas que estavam anexas ao contrato, a de 500 e 1000 escudos acima
referidas, constatou que não havia, na margem branca, o nome da empresa
impressora. Optou, assim, por outra cédula de 500 escudos (P.130), que possuía
na margem branca o nome do impressor, qual seja, Waterlow & Sons de Londres.
Karel
Marang era uma pessoa bem convincente, conseguiu ainda uma carta de
apresentação da empresa Joh. Enschedé en
Zonen, fundada em 1703, para ser entregue a Sir Willian Waterlow, presidente da Waterlow
& Sons.
Como descrevemos acima, Karel Marang dirigiu-se a Waterlow & Sons em Londres e
apresentou toda a documentação à Sir Willian Waterlow e explicou-lhe que seu
sindicato prontificava-se a adiantar a Angola um milhão de libras esterlinas e
que em restituição, o Banco de Portugal lhe concederia o privilégio de uma
emissão especial de papel-moeda. As cédulas de 500 escudos (P.130), tipo Vasco
da Gama, que já haviam sido impressas para Portugal pela Wartelow & Sons seriam utilizadas para uma emissão especial em
Angola e receberiam um carimbo “Angola” logo que chegassem à Colônia. Explicou
ainda que, por motivos políticos, esta emissão deveria permanecer secreta e que
um vazamento de informações causaria sérias implicações.
Sir Willian Waterlow aceitou a
negociação, sem mesmo comunicar aos demais colegas administradores. Tratava-se
de mais uma oportunidade de fornecer papel-moeda a Portugal, já que a maioria
dos contratos ia para a firma concorrente Bradbury,
Wilkinson & Co.
Alves
Reis ainda falsificou mais duas cartas do Banco de Portugal, aprovando a
transação.
No
inicio de 1925, 200.000 cédulas de 500 escudos foram impressas a um custo de £
1500.
Neste
meio tempo, Alves Reis havia fundado um banco, o Banco Angola e Metrópole, com
estabelecimentos em Lisboa e Porto que eram financiados pelas cédulas
duplicadas. O Banco se desenvolveu bem, oferecendo dinheiro a taxas mais baixas
do que os concorrentes.
Com o
desenvolvimento dos negócios é passada nova comanda de cédulas a Waterlow, agora 380.000 cédulas.
Para
cobrir os traços destas operações ilegais com papel-moeda, Alves Reis começou a
comprar as ações do Banco de Portugal para se tornar acionário majoritário e
com isso tornar impossível aos oficiais do banco lançar uma enquete sobre as
cédulas duplicadas.
Para
trocar as cédulas de 500 escudos eram realizadas operações de câmbio,
principalmente na cidade do Porto, onde havia os exportadores de vinho. Com o
aumento do meio circulante, houve muitos rumores de falsificação, mas quando
eram examinadas as cédulas, constatava-se que eram verdadeiras.
Tudo
ia bem, quando um contador do Porto resolveu informar ao Banco de Portugal que o
proprietário da Casa de Câmbio onde ele trabalhava não realizava a devida
escrituração das cédulas provenientes do Banco Angola e Metrópole e que o
segredo da prosperidade daquele banco era justamente que as cédulas que
distribuía eram falsas. Na verdade nada sabia o contador sobre as cédulas, ele
apenas seguiu a opinião geral de que havia algo estranho com aquela
prosperidade do banco.
Uma
denúncia era tudo que precisava o Banco de Portugal para fazer investigar o
Banco de Angola e Metrópole, o que acabou acontecendo.
Na
investigação constatou-se que o banco possuía uma grande quantidade de cédulas
de 500 escudos (P.130), todas verdadeiras. Em uma análise mais aprofundada,
verificou-se que existiam cédulas com numeração duplicada e que não era
possível dizer qual delas era a verdadeira.
Quando
a notícia foi divulgada o pânico se instalou. Todos queriam trocar as cédulas
de 500 escudos (P.130), tipo Vasco da Gama. Diante do pânico e não havendo
formas de distinguir as cédulas falsas das verdadeiras, o Banco de Portugal
recolheu todas as cédulas de 500 escudos (P.130), o que fez vacilar toda a
economia portuguesa.
Havia
algumas diferenças entre as cédulas do Banco de Portugal e as da emissão de
Alves Reis, mesmo estas sendo provenientes do mesmo impressor.
Na
emissão verdadeira o número das séries não ia além de 1AN. O Banco de Portugal
nunca usava duas vogais juntas, de maneira que 1AE e 1AI foram impressas pela
emissão de Alves Reis. As letras W e Y, não deveriam existir por não fazerem
parte do alfabeto português.
Após
o recolhimento, Waterlow & Sons
informou a existência de dois detalhes que diferenciavam as emissões: as
cédulas emitidas para Alves Reis apresentavam letras em micro-caracteres, de “I
a P” junto à flor-de-lis do canto inferior esquerdo do anverso e, na margem
branca, o nome do fabricante vinha acompanhado de uma vírgula suplementar, Waterlow & Sons, limited, Londres e não Waterlow
& Sons Limited, Londres como aparece na original.
Fig. 8 – Detalhe da
margem branca da cédula de 500 escudos (P.130), contendo o nome do impressor
Waterlow & Sons, Limited,
Londres, impressa com erro, o certo seria Waterlow & Sons Limited, Londres,
sem a vírgula entre o nome e Limited. Esta seria uma das características das
cédulas emitidas pelo grupo de Alves Reis, no entanto, é provável que algumas
cédulas legitimamente emitidas tenham esta característica.
Alves
Reis foi detido quando retornava de Angola não oferecendo nenhuma resistência,
sendo que teve oportunidade de fugir.
Depois
de um processo complicado, Alves Reis
foi condenado a 20 anos de prisão. Karel
Marang foi processado na Holanda e condenado a uma pena ínfima. Em seguida,
mudou-se para Cannes, lá passando o resto de seus dias, muito rico.
O
Banco de Portugal acionou Waterlow &
Sons em Londres, obtendo em 1932 uma indenização equivalente a £
650 000.
Interessante
notar a atuação dos tribunais ingleses e o valor da indenização. Quando da
apuração de responsabilidades e da indenização demandada à White Star Line, proprietária do Titanic, que pertencia ao grupo americano International Mercantile Maritime Company, cujo principal acionista
era J.P. Morgan, o valor repartido
entre os familiares das vítimas chegou a $ 663 000. Esta sentença foi data
em 1916 pelos tribunais ingleses, que concluíram ainda pela ausência de
discriminação em relação aos passageiros da 3ª classe, embora tenha sido
constatado que o número de mortos naquela classe tenha sido muitas vezes
superior ao da 1ª classe, mesmo entre as crianças.
Em relação ao Banco de Portugal a indenização foi
exemplar, concluindo pela total responsabilidade do impressor, compreendendo todo
o montante das cédulas resgatadas. No entanto, acreditamos que os tribunais
ingleses tenham sido muito mais rigorosos em relação à Waterlow & Sons do que em relação ao grupo J.P. Morgan no que diz respeito às indenizações.
Bibliografia
- BLOOM, Murray
Teigh. O Homem que Roubou Portugal. Livraria José Olympio Editora, Rio
de Janeiro, 1966.
- Grace’s Guide – British Industrial History
- Waterlow and Sons: 1934 Review - British
Commerce and Industry 1934.
- INNES, BRIAN.
Fakes
& Forgeries: the true crime stories of history’s greatest
deceptions: the criminals, the scams, and the victims. Reader’s Digest, London , 2006.
- CUHAJ, George
S.
Standart Catalog of World Paper Money – General Issues (1368-1960), Krause
Publications, 12th edition, Iola, 2008.
- CUHAJ, George S. Standart Catalog of World Paper
Money – Modern Issues (1961-Present), Krause Publication, 15th
edition, Iola, 2009.
TITANIC, 100e anniversaire. Le magazine hors série. Montreal, 2012.
TRIGUEIROS, F. dos Santos. Dinheiro no Brasil. Léo
Christiano Editorial, Rio de Janeiro, 2ª edição, 1987.
© 2012 Marcio R. Sandoval
© 2012 Marcio R. Sandoval
[1]
Inicialmente tínhamos a intenção de escrever uma matéria sobre a questão das
cédulas portuguesas de 500 escudos (P.130), tipo Vasco da Gama, que foram
impressas pela Waterlow & Sons
mediante fraude praticada por Artur
Virgílio Alves dos Reis, constituindo-se em um dos maiores crimes contra a
moeda jamais descoberto. Verificando a existência de diversas matérias sobre
esta questão, optamos, além de descrever o ocorrido, enfocar em primeiro plano
a história da empresa impressora.
[2] As
datas são concernentes ao estabelecimento da empresa e a sua extinção como
fabricante de papel-moeda, adquirida que foi, na parte de impressão de valores,
pela De La Rue Company Limited
(Thomas de La Rue & Company Limited
, atual De La Rue plc), antiga
concorrente. A outra parcela da empresa continuou em atividade até sua extinção
completa em meados de 2004.
[3] Under
Six Reigns, the House of Waterlow (A Empresa Waterlow durante Seis Reinados), por John Boon, editado em 1925 para comemorar os 114 anos da empresa e
o 300° aniversário da chegada do primeiro Waterlow
à Inglaterra.
[4] Foi
Xerife, Vereador e Prefeito da City
de Londres e depois membro do Parlamento.
[5] Dirigente da empresa Waterlow Brothers and Layton .
[6] Dia
em que a Alemanha declarou guerra à Rússia
[7] Foram
também impressas cédulas de 10 xelins (P.346) na mesma oportunidade ou pouco depois
neste mesmo mês de agosto de 1914, desconhecemos a quantidade.
[8] Situação semelhante ocorreu com Thomas
de La Rue &
Company durante a 2ª Guerra Mundial, no caso das cédulas da Tailândia, em
que foram obrigados pelo Governo Britânico a imprimir cédulas tailandesas sem
autorização daquele governo que se encontrava sob a esfera japonesa. Estas
cédulas não chegaram a circular, eis que, “por sorte” o avião misteriosamente
caiu, nunca chegando ao seu destino.
[9] Em 1923, no momento da « aposentadoria » ele contava com
60 anos de atividade na empresa.
[10] Caso
conhecido como “Angola e Metrópole”.
[11] O Diário dos Procuradores.
[12] Foi
adquirida pela americana ABNCo. em 1903 e vendida posteriormente (1986) para a De La
Rue plc (antiga Thomas
de La Rue &
Company).
[13] A partir de 1991 passou a se chamar De La
Rue plc (DLR).
[14]
Empresa holandesa, umas das mais antigas existentes.
[15] Empresa alemã.
[16] Em
valores da época, correspondendo ao total das cédulas impressas menos a que
foram recuperadas.
[18] O
assunto é complexo e não abordaremos todos os detalhes deste caso, já que o
objetivo maior aqui é contar um pouco da história do impressor Waterlow & Sons. Recomendamos a bibliografia
anexa e o Fórum de Numismática, para maiores detalhes e discussões sobre este
assunto.
[19]
Situadas na Europa e nos Estados Unidos.
[20]
Imagem obtida na internet.
[21] Desta
cédula são conhecidos apenas dois exemplares, um encontra-se na Fundação
Cupertino de Miranda e o outro foi vendido na Inglaterra, em 2008, por cerca de
15.000 EUR.
Autor: Marcio R. Sandoval
Publicado originalmente no Boletim da AFSC - Associação Filatélica e Numismática de Santa Catarina, n° 66, agosto de 2012, p.4-15.
© 2012 Marcio R. Sandoval
Autor: Marcio R. Sandoval
E-mail:
sterlingnumismatic@hotmail.com
Blog: http://sterlingnumismatic.blogspot.caPublicado originalmente no Boletim da AFSC - Associação Filatélica e Numismática de Santa Catarina, n° 66, agosto de 2012, p.4-15.
© 2012 Marcio R. Sandoval