© 2014 Marcio Rovere Sandoval
Fig. 1 – Anverso da cédula de 1 Chiao (P. J101A), cerca de 1940, do Meng Chiang Bank, emitida durante a ocupação japonesa na região chinesa da Mongólia interior. No centro temos um camelo bactriano (Camellus bactrianus) geralmente associado à Rota da Seda.
Texto de
introdução do livro de Luce Boulnois, “La Route de la Soie ” (A Rota da Seda),
Editions Olizane, Genève, 1992, p. 15-21. (tradução e interpretação nossa).
No início do verão do ano 700 após a fundação
de Roma – para nós em 53 a .C
– Marcus Licinius Crassus[1], Cônsul Triúnviro de Roma e Goverandor da Síria, cometeu a imprudência de levar
sete legiões longe para o leste, além do Eufrates, na busca de um inimigo
astuto e esquivo.
Longos dias de incerteza na espera de uma
batalha que nunca vinha, tinham desencorajado os soldados. Desde a
partida da Síria, preocupava-se de uma longa série de maus presságios: a queda
de Crassus e seu filho na saída do
templo de Heliópolis, o cavalo morto Marcus
Licinius, que disparou e se afogou no Eufrates... Tão longe de suas bases,
nesta atmosfera de dúvida e de agonia, os soldados supersticiosos não podiam
esquecer que em Roma mesmo, havia-se proferido contra Crassus, em plena rua, maldições antigas e secretas; e quem conhece o
poder das maldições?
Quanto aos quadros do exército, eles sabiam que
essa guerra, impopular a Roma, era uma loucura; eles sentiam bem que ela tinha
apenas por objetivo a glória pessoal de seu generalíssimo, enciumado dos outros
dois triúnviros, César e Pompeu.
O moral estava baixo, a ofensiva foi terrível. Os
guerreiros Partos[2] desgrenhados,
lançando o seu clamor inumano, no barulho ensurdecedor dos seus grandes
tamborins de couro cheios de sinetas, se lançaram precedidos de uma chuva de
flechas, para cercar a formação romana. O choque foi brutal. Os romanos, com
as mãos pregadas em seus escudos pelas setas, confusos, atordoados, tentaram,
no entanto, várias vezes, chegar ao corpo a corpo – sua salvaguarda –, mais os Partos se mantiveram próximos o bastante
para atirar e longe o suficiente para evitar o confronto.
Os Partos
tinham atrás de si uma tropa de camelos carregados de flechas, de forma que
não se poderia nem mesmo contar com o fim de sua munição. Suas longas
flechas atravessavam tudo, assim bem os escudos “duros” que os estofos “moles”
e até dois homens por vez. Eles ainda conseguiram, graças à habilidade de seus flecheiros,
a romper a formação em “tartaruga” dos romanos, ceifando as pernas dos soldados
e dos cavalos e atravessando o muro de escudos.
Os romanos resistiram por um bom tempo. Mas
quando, ao meio-dia, os Partos, bruscamente desfraldaram suas bandeiras cintilantes, o brilho foi tal que somando ao
esgotamento, à sede, ao medo, foi vencida a célebre fama das legiões
romanas. Foi uma debandada.
Algumas horas mais tarde, a campanha termina
com a morte de Crassus, atraído pelo inimigo
em uma emboscada; a de seu filho, que foi morto para não cair vivo nas mãos dos
Partos; a dos vinte mil soldados
romanos e a captura dez mil outros. Assim terminou a batalha de Carras, uma das mais desastrosas que
Roma participou.
A cabeça de Crassus
foi enviada ao rei dos Partos,
Orodes, então na Armênia; e mais tarde os prisioneiros romanos
foram levados para a Antioquia da
Margiana, uma cidade fundada por Alexandre, o Grande – e nunca mais foram
vistos. Assim, Crassus tinha o sonho
do macedônio; mas em vez de entrar neste país como conquistadores, os seus
soldados tinham entrado como prisioneiros. Assim, as águias romanas foram tão
longe apenas para guarnecer os templos dos Partos.
Quanto às bandeiras bordadas em ouro e de cores
vivas, que haviam cegado os legionários durante esta infeliz batalha, elas
foram, se acreditarmos em certos autores, as primeiras sedas que os romanos
viram.
Ora a seda, o mais cintilante de todos os
tecidos conhecidos até então, não iria tardar em tornar-se familiar ao mundo
romano.
Foi por pilhagem ou em campanhas mais bem
sucedidas ou foi através de tráfego? Menos de dez anos após a derrota em Carras, quando César comemorou seu
triunfo em Roma, no luxo oferecido nesta ocasião para a contemplação do povo
romano, a multidão foi surpreendida com tecidos espetaculares de seda: esta é,
pelo menos, a história que Dion Cassius nos
deixou, escritas várias gerações após o evento. É possível que esta tenha sido
a primeira vez que eles viram a seda.
Os anos passam, pegou-se gosto: tanto que no
ano 14, poucos meses depois da morte de Augusto, por um ato do Senado,
proibiu-se aos homens o uso da seda, que “desonrava” e limitava às mulheres o
seu uso deste tecido. Não foram necessários nem 50 anos para que este produto
exótico entrasse na moda de maneira abusiva.
Pelo desconhecimento de sua natureza, era chamado de:
tecido sérico, ou véu sérico (sericum),
do nome do povo que habitava seu país de origem e que denominavam, a partir de
uma palavra grega: Os Seres. Eles o chamavam de tecido sérico como entenderam,
já que não se podia atribuir aos Partos,
estas bestas de guerra, a feitura deste maravilhoso tecido quente e leve, suave
e fresco, macio e fino, cintilante, que se prestava tão bem aos bordados, aos ornamentos;
não eram também os gregos, que lhe deram o nome estrangeiro de sérico: e não
foi por coincidência que ele apareceu em Roma depois da conquista da Síria.
Os Romanos estiveram isolados por um longo
tempo das costas orientais do Mediterrâneo pela triple barreira dos Partos inimigos, dos reis gregos do Mar
Negro, hostis, e dos piratas, assim numerosos e virulentos que havia sido
necessário empreender contra eles um importante campanha. Em torno de 70 a .C., após sua implantação
na Síria, se encontravam agora verdadeiramente em contato com o extremo limite
de um mundo que eles ignoravam: O Oriente.
É por volta deste tempo que, descobrindo esse novo tecido, eles aprenderam que a seda era fabricada por um povo longínquo chamado Sères: noção nova para todos na época, eis que o primeiro escritor a mencioná-los,
um grego, havia morrido uns trinta anos antes da batalha de Carras. Este autor não deu nenhum
detalhe: ele disse apenas que os Seres viviam em alguma parte na fronteira oriental dos territórios anteriormente conquistados por Alexandre, em um destes
países onde nenhuma pessoa jamais esteve. Em poucas palavras, este
material vinha do fim do mundo.
Como, a partir do fim do mundo? Como ele tinha
vindo até os olhos dos legionários de Crassus?
Como servia ele agora, em seus mantos púrpuras e coroas douradas, para aumentar
o brilho das grandes solenidades romanas?
Fig. 2 – Detalhe
da viagem no deserto da caravana de
Marco Pólo constante no Atlas Catalão (cerca de 1375 d.C). Biblioteca Nacionalda França – BnF
A origem legendária da
seda – Conta-se que
quando a princesa Xi Ling Shi
encontrava-se nos jardins imperiais deixou cair acidentalmente um casulo que
estava pendurado a uma amoreira dentro de uma xícara de chá em ebulição. Daquele
casulo se desenrolou um fio que parecia interminável e que lhe parecendo belo,
resolveu tecê-lo e fabricou um tecido macio e fino de grande qualidade.
Assim, ela obteve do Imperador a autorização
para criar as larvas que comiam as folhas da amoreira. Este soberano era Houang Ti, que a legenda atribui
igualmente a invenção da escrita chinesa. Desde o início a seda estava ligada
ao Imperador e não servia apenas para tecer vestimentas suntuosas, mas também
para traçar ideogramas. Os primeiros exemplo de escritura chinesa na seda datam
de cerca de 750 a .C.
A China, ela mesma, era conhecida desde a Antiguidade como o país dos Seres,
que dizer da seda.
Sericultura – É o beneficiamento e a
industrialização da seda que remonta ao neolítico chinês (em torno do terceiro
milênio a.C.).
A seda na Europa – Foi em uma sepultura principesca
do Bade-Wurtemberg na Alemanha, datada do século VI a.C., que se encontrou a
mais antiga prova da presença da seda na Europa.
Ela também foi encontrada na tumba de Felipe II
da Macedônia, pai de Alexandre, o Grande (cerca de 382 a .C – 336 a .C)
A descoberta da seda
pelos romanos – Diz
a legenda que teria ocorrido no curso da Batalha
de Carras (cerca de 53 a .C),
contra o Império Parta ou Arsácida. Os estandartes brilhantes e farfalhantes do
inimigo eram feitos de um tecido desconhecido. Não demorou muito para que os
patrícios romanos passassem a querer se vestir daquele tecido nobre e fino que
podia passar através de um anel.
Curiosidade – Da Batalha de Carras vem a expressão: “erro crasso”, eis que o
Cônsul Marcus Licinius Crassus cometeu
uma série de erros grosseiros naquela batalha que o conduziram a morte. Eram
cerca de 39.000 romanos contra 7.000 partos; 24.000 romanos foram mortos e
10.000 foram feitos prisioneiros.
Camelos – Existem duas espécies de camelos,
o dromedário (Camellus dromedarius),
que possui uma corcova e o camelo bactriano (Camellus bactrianus) que possui duas. Nas cédulas reproduzidas o
que aparece é o camelo bactriano.
Fig. 3 – Detalhe da cédula de 100 Yuan
(P.J112a), cerca de 1938, do Meng Chiang
Bank, emitida durante a ocupação japonesa na região chinesa da Mongólia
interior. Na imagem temos, novamente, um camelo bactriano (Camellus bactrianus) geralmente associado à Rota da Seda.
Fontes :
- BOULNOIS,
Luce. La Route de la Soie.
, Genève : Éditions Olizane, 1992.
- HUYGHE, Édith et
François-Bernard. Histoire des Secrets
– de la guerre du feu à l`internet. Malakoff : Editions Hazan, 2000.
- Standard Catalog of World Paper
Money, General Issues, 1368-1960. Albert
Pick - Edited by George S. Cujay. USA :
Krause Publications, 12 th edition, 2008.