quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

E o Paraguai descobre o livre comércio


         Figura 1 – Armas do Paraguai, detalhe do bilhete de 4 pesos de 1862 (P.16).
Impressão: Tesouro do Estado do Paraguai.

Quando encontra a porta fechada, o livre comércio sabe se impor pela força das armas. Seguidor de rigoroso protecionismo, o Paraguai viveu essa dolorosa experiência entre 1865-1870, durante a guerra da Tríplice Aliança que o opôs ao Brasil, Uruguai e Argentina. Financiados pela comunidade empresarial de Londres, esses três países conseguiram submetê-lo à economia mundial britânica.

No final do Século 19, a maioria dos estados latino-americanos dependia quase inteiramente do Reino Unido, a maior potência mundial: eles se dedicavam à produção das matérias-primas de que Londres precisava e ofereciam aos industriais britânicos novos mercados para vender seus bens. Com base na ideologia dominante do livre comércio - segundo a qual cada país deve fortalecer suas "vantagens comparativas" - tal modo de integração na economia mundial apresenta muitos problemas: impede a industrialização dos países do Sul, concentra as riquezas nos do Norte e favorece os comportamentos parasitários das oligarquias nacionais. Em suma, ele condena o país da periferia ao subdesenvolvimento.



Figura 2Anverso da cédula de 10.000 Guaranis (P.203s) de 1963, com a efígie do Dr. José Gaspar Rodrígues de Francia (1766-1840). Impressão: Thomas de La Rue & Company (TDLR), Londres.


Nesta categoria, o Paraguai é uma exceção.

Quando assumiu o poder, em 1814, o líder paraguaio José Gaspar Rodrígues de Francia instaurou um regime autoritário. Não para oprimir a população, mas para esmagar a oligarquia: contando com o campesinato, expropria os latifundiários. Enquanto a maioria dos países conta com a ascensão de uma burguesia nacional para orientar a criação de riqueza, Francia lança as bases para um Estado de controle forte. Com o cuidado de se proteger dos fluxos internacionais de mercadorias que poderiam enfraquecer sua própria produção, o Paraguai mantém, assim, o protecionismo estrito.

Após a morte de Francia, em 1840, seus sucessores (Carlos Antonio López e seu filho Francisco Solano Lopez) continuaram sua política. Vinte anos depois, os resultados são consideráveis. A perseguição das grandes fortunas levou ao seu desaparecimento: a redistribuição da riqueza atinge níveis tais que muitos viajantes estrangeiros relatam que o país não conhece mendicância, nem fome, nem conflitos. As terras foram distribuídas em bases lembradas pelos mais avançados projetos de reforma agrária do século XX.


Figura 3 – Anverso da cédula de 5.000 Guaranis (P.203s) de 1979, com a efígie de D. Carlos Antonio López (1792-1862). Impressão: Thomas de La Rue & Company (TDLR), Londres.

Em meados do século 19, a elite paraguaia passou a se formar em universidades européias.

Assunção está entre as primeiras capitais da América Latina a inaugurar uma rede ferroviária. Com uma linha telegráfica, fábricas de materiais de construção, de tecidos, papel, louças, pólvora, o país consegue adotar uma indústria siderúrgica e também uma frota mercante composta por navios construídos em projetos nacionais. O superávit da balança comercial indica que ignora todo o problema da dívida e pode enviar alguns dos seus cidadãos para estudar nas melhores universidades européias.


 Figura
4 – Anverso da cédula de 1.000 Guaranis (P.201s) de 1963, com a efígie do Marechal Francisco Solano Lopez (1827-1870). Impressão: Thomas de La Rue & Company (TDLR), Londres.

População dizimada

Londres tem uma visão sombria desta experiência única de desenvolvimento econômico autônomo em um país periférico: Assunción escapa do livre comércio! Rapidamente, a Coroa interveio em uma disputa de fronteira entre Brasil e Paraguai e patrocinou a assinatura do tratado por meio do qual Argentina, Brasil e Uruguai juntaram forças para derrotar seu vizinho: o Tratado da Tríplice Aliança, que deu nome ao conflito que estourou em 1865. Os três aliados se beneficiaram do apoio financeiro do Bank of London, da Baring Brothers e do Banco Rothschild.

Cinco anos depois, o Paraguai é derrotado. Perdeu 60% de sua população e nove em cada dez homens morreram. Aqueles que não foram ceifados pela luta sucumbiram à fome (todas as forças produtivas foram monopolizadas pela guerra). À medida que os soldados caem, as crianças são alistadas, obrigadas a usar barbas postiças e equipadas com pedaços de madeira pintados para parecerem rifles na falta de armas. Depois de alguns anos, alguns paraguaios não estão mais com os uniformes. Eles lutam nus. Após a rendição de Solano Lópes em 1870, grande parte da infraestrutura foi destruída. O Paraguai está finalmente integrado ao sistema econômico mundial.

(in, Le Monde Diplomatique, Manuel d'histoire critique – De la Révolution Industrielle à nos jours. Pg.14 e 15, s/d c.2015).

Título original do artigo: Et le Paraguay Découvrit Le Libre-Échange.

Autor:Renaud Lambert – Rédacteur en chef adjoint au Monde diplomatique.

Tradução e interpretação de nossa autoria (Marcio R. Sandoval)

Texto sobre as cédulas de nossa autoria. A matéria original apresenta outras imagens.


Obs.: O Paraguai vinha imprimindo suas próprias cédulas desde 1856, permanecendo assim até o final da Guerra em 1870. Neste ano, a Autoridade de Ocupação Militar da Argentina no Paraguai, emitiu através da Provedoria do Exército, vales impressos pela Litografia San Martin de Buenos Aires (P.S181 a P.S185). Depois da Guerra, o Paraguai teve algumas cédulas impressas pela Argentina (1875) e em seguida pela Alemanha (1894). Em 1889 a American Bank Note Company (ABNCo.) iniciou a produção de cédulas para o Paraguai, tornando-se o seu principal fornecedor. Em 1907, a Waterlow & Sons (W&S) foi a primeira empresa inglesa a imprimir cédulas para o Paraguai. Nos dias de hoje, o Paraguai continua imprimindo suas cédulas no exterior, inclusive na Inglaterra.

As cédulas brasileiras começaram a ser impressas na Inglaterra em 1808 (cédulas do 1º Banco do Brasil) e em seguida as do Tesouro Nacional à partir de 1835. Em 1869-70 a American Bank Note Company (ABNCo.) iniciou a impressão de cédulas para o Brasil, permanecendo seu maior forncedor até que a Casa da Moeda do Brasil passasse a fabricar localmente em 1970.

A Argentina e o Uruguai tiveram, também, uma longa relação com os impressores ingleses e americanos.


email:sterlingnumismatic@hotmail.com