O Meio Circulante no
Brasil Holandês (1)
© 2010 Marcio Rovere Sandoval
Fig.1 – Monograma da W.I.C –
“West-Indische Compagnie” (Companhia das Índias Ocidentais) ou G.W.C – “Geoctroyeerde
Westindische Compagnie” (Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais), na
parte inferior temos “XIX” referência ao “Conselho dos XIX”, órgão
administrativo da Companhia. ”Algemeen Rijksarchief Den Haag”, a partir do
texto de Johan van Hartskamp.
Reminiscências
A presença holandesa no Novo Mundo deu-se através de uma companhia de comércio,
a Companhia das Índias Ocidentais, conhecida como W.I.C, sigla em
flamengo para “West-Indische Compagnie” ou, ainda, GWC (Geoctroyeerde
Westindische Compagnie), Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais.
A W.I.C era uma associação de comerciantes de Amsterdã, Zelândia, Mosa e
Groningen, concebida como um instrumento de guerra contra a Espanha de Felipe
II, inserindo-se na luta de independência dos Países Baixos.
A W.I.C foi formada em 1621 à semelhança e pelo sucesso da Companhia das
Índias Orientais (VOC), esta estabelecida em 1602 e que possuía o monopólio
comercial com o Oriente.
Concedeu-se à companhia o monopólio do tráfico e do comércio de escravos
na América e África, mas o seu maior objetivo era a retomada do transporte e do
comércio do açúcar produzido no nordeste brasileiro, dificultado em virtude da
represália da Espanha à proclamação de independência, em 1581, da República
das Províncias Unidas, com sede em Amsterdã.
Nessa época,
Portugal era governado por Felipe II da Espanha, em virtude da União Ibérica (1580 a 1640).
Além da questão
comercial, outros fatores teriam influenciado os holandeses a aventurarem-se na
conquista das colônias espanholas e portuguesas, entre os quais podemos citar:
o desejo de levar a guerra às colônias e a “irreprimível ânsia de expansão” do
povo neerlandês.
Em 1624, os
holandeses invadiram Salvador, lá permanecendo apenas um ano.
Uma nova tentativa
de estabelecimento se deu em 1630, em Pernambuco, onde eles conseguiram ficar
por 24 anos.
Submetidos a conflitos permanentes com a população local, ocupada em expulsá-los,
por vezes se viam privados do fornecimento de numerário metálico proveniente da
Metrópole (florins, soldos e xelins), passando, assim, por graves crises
monetárias. Em resposta a essa necessidade, foram cunhadas as primeiras moedas
no Brasil e, também, criadas as primeiras formas assemelhadas ao papel-moeda de
que se tem notícia em nosso país.
Ordens
de Pagamento e as Ordenanças
(1636-1637,
1640 e 1644) (2)
Fig.
2 – Gravura do Século XVII (1655), do prédio da W.I.C (1621-1674), em Amsterdã.
Segundo o historiador Hermann Wätjen (3), que se baseou em manuscritos
do Arquivo dos Estados Gerais e da WIC (W.I.C.O.C) (4), as emissões realizadas
pelos holandeses, no Brasil, foram de duas espécies: as “ordens de
pagamento” e as “ordenanças”.
As “ordens de pagamento” surgiram durante a primeira fase
da dominação holandesa (1630-1637), conhecida como período da “Conquista”,
que vai da tomada de Olinda até a chegada de Maurício de Nassau.
Em junho de 1636, os Conselheiros informaram os Diretores da Companhia
que haviam começado a emitir letras (sem qualquer autorização) sobre Amsterdã,
por não haver mais dinheiro em caixa.
No Governo de Nassau, foi instaurada uma Comissão de Inquérito para
apurar eventuais desatinos administrativos do antigo Governo. Essa Comissão
constatou, entre outras irregularidades, que o Colégio dos Conselheiros Políticos,
Órgão da Administração Superior da Conquista, havia emitido “ordens de
pagamento” em número ilimitado, com base nas cifras das remessas de dinheiro
que chegariam da Holanda a longo prazo, quando seriam resgatadas. Essas ordens
continham as assinaturas dos Conselheiros, motivo pelo qual, também, ficaram conhecidas
como “assinados”. Foram emitidas para a satisfação de dívidas e
cobertura de gastos urgentes. No entanto, segundo ficou apurado, alguns
Conselheiros não guardavam o devido decoro e viviam luxuosamente às custas dos
acionistas.
Houve emissões em
excesso, suplantando a cifra nominal das esperadas remessas de dinheiro que
viriam da Metrópole.
As “ordens de pagamento” ainda estavam sendo recolhidas em
março de 1637, mediante a exibição de provas da correta aplicação e justa
necessidade das somas nelas exaradas. Havia grande quantidade de ordens em
circulação, sendo indeterminado seu número.
Emitiram-se ordens de valores avultados, de 8.000, 10.000, 16.000,
20.000 e até 25.000 florins.
As denominadas “ordenanças” apareceram mais tarde, já no
Governo de Maurício de Nassau (1637-1644), diante da escassez de numerário e da
ameaça da Armada Espanhola, que surgiu nas costas da Nova Holanda, em janeiro
de 1640.
Com o desaparecimento da moeda circulante, viu-se o Governo obrigado a emitir
as chamadas “ordennatien”, ou seja, ordens de pagamento pelas
rendas reais, em arrecadação, através de um decreto (Decreto de 1640) em
que se determinava a aceitação obrigatória dessa espécie de “papel-moeda” em
pagamento de qualquer transação. Como já havia acontecido com as “ordens de
pagamento”, não foi respeitado o limite máximo de emissão, não tardando as
ordenanças a inundar toda a região.
Ao mesmo tempo em que circulavam as “ordenanças”, entraram em
circulação vales, em troca de farinha de mandioca e carne, caindo rapidamente o
câmbio das ordenanças.
Os especuladores adquiriam as ordenanças em grande quantidade, por preço
vil, e com elas pagavam seus impostos e compravam, em leilões, escravos
expostos à venda. Quando o Governo vetou a utilização dos vales de farinha e
carne no pagamento dos tributos, as ordenanças caíram ainda mais, a ponto de
perderem 33 1/3 por cento do seu valor original.
Para conter a crise das ordenanças, foi decido pelos Diretores que as
Câmaras da W.I.C fizessem remessas mais avultadas de moeda e, pouco a pouco, o
Alto Conselho pôde resgatar o acervo existente de “ordenanças” e
vales.
A administração de Nassau terminou em maio de 1644 e novas crises
financeiras se sucederam, levando novamente à emissão das “ordenanças”,
diante do perigo de uma sublevação militar, que poderia pôr em perigo a
dominação holandesa.
Podemos tentar estabelecer uma diferenciação entre estas duas espécies.
As ordens de pagamento foram emitidas sem autorização legal, enquanto
que as ordenanças estavam amparadas pelo Decreto de 1640, dando-lhes curso
legal e forçado. Em ambos os casos houve emissões exacerbadas, suplantando a expectativa
de crédito.
Não são conhecidos exemplares dessas primeiras manifestações, nem suas características,
apenas que as ordens de pagamento continham as assinaturas dos Conselheiros
holandeses e que foram emitidos os valores de 8.000, 10.000, 16.000, 20.000 e
25.000 florins, estes considerados avultados, dando a entender que havia
bilhetes de valores menores. As “ordens de pagamento”,assim,
tinham um valor determinado, diferindo dos da Real Extração dos Diamantes (5) que tinham um valor
variável, conforme a quantidade de ouro apresentada. Das “ordenanças”, não
encontramos maiores detalhes.
A que tudo indica, esses bilhetes eram manuscritos diante da
inexistência de impressores no Recife.
Sobre essas primeiras manifestações, temos os apontamentos de F. dos
Santos Trigueiros. Vejamos:
“No século XVII, os holandeses, instalados
militarmente em parte do território brasileiro, estavam sujeitos aos ataques
das tropas empenhadas em expulsá-los. Confinados na área ocupada, sem rápida
assistência da Metrópole, sofreram várias crises monetárias. Para
solucioná-las, emitiram “ordens de pagamento” que, circulando como
moeda, permitiram saldar os compromissos urgentes, sobretudo os da tropa, nem
sempre disposta a esperar. Essas ordens eram resgatadas quando chegavam as
remessas de moeda da Holanda. Não bastasse as preocupações dos limites terrestres
e das despesas militares, sobreveio, por volta de 1640, a ameaça de um ataque
da Espanha, o que provocou o desaparecimento da moeda em giro, escondida por seus
possuidores. Novas medidas impunham-se para conjugar essa crise. Emitiram-se,
então, as “ordenanças”, com curso legal e forçado, em virtude da
determinação de serem aceitas em qualquer obrigação comercial. A emissão
exagerada destes bilhetes acarretou a alta da moeda metálica e dos gêneros de
primeira necessidade, afetando, naturalmente, o custo de vida, pois, paralelamente,
entraram também em circulação vales representativos de produtos de consumo. Em
1643, essas “ordenanças” voltaram a circular, deixando, automaticamente, de
terem curso, tanto como os florins, com a expulsão dos holandeses de nosso território.
Esses bilhetes marcaram a primeira manifestação de papel a circular como
moeda. Por terem sido, entretanto, posto em giro por tropa de ocupação e em
território muito limitado, não tem qualquer relação com os papéis mais tarde emitidos
em nosso país.” (in, Dinheiro no Brasil. Rio de Janeiro: Leo Christiano
Editorial, 2ª ed., 1987, p.65-66) (grifo nosso).
Violo Ídolo Lissa, no seu excelente “Catálogo do Papel-Moeda no
Brasil”, traz:
“Damos início ao presente trabalho com a emissão dos
bilhetes da Real Extração dos Diamantes, Arraial do Tejuco, Capitania das Minas
Gerais, autorizada pelo Regimento de 2 de agosto de 1771, embora a primeira
manifestação da emissão de papel-moeda no Brasil tenha sido as “Ordenanças”,
bilhetes emitidos pelos holandeses nos anos de 1640 e 1643, na área de ocupação
de Recife, tendo curso forçado como moeda.” (in, Catálogo do
Papel-Moeda no Brasil, 1771-1986, Emissões oficiais, bancárias e regionais. Brasília:
Editora Gráfica Brasiliana Ltda, 1987, p. 13). (grifo nosso).
Um outro aspecto interessante sobre essas emissões é que elas ocorreram
no século XVII, quando nem mesmo o Banco Nacional Holandês havia sido
organizado, sendo que este só veio a emitir seus primeiros bilhetes em 1814. No
entanto, como podemos constatar os holandeses já faziam uso da moeda de papel,
para suprir a falta de numerário metálico.
Antes de terem início as emissões oficiais, os europeus utilizavam
bilhetes manuscritos, contendo assinaturas, que depois seriam resgatados por
moeda sonante. O Banco da Inglaterra emitiu seus primeiros bilhetes e
certificados de depósitos em 1694 (no mesmo ano de sua fundação). Esses
primeiros bilhetes eram manuscritos, sendo que, em 1696, o banco passou a
utilizar bilhetes parcialmente impressos, ou seja, o valor, a numeração, a data
de emissão, o beneficiário e as assinaturas eram manuscritos como um cheque.
Fig. 3 – O mais antigo bilhete manuscrito
conhecido do Banco da Inglaterra, do ano de 1695. A partir de 1696, os
bilhetes passaram a ser parcialmente impressos. Exemplar do Museu do Banco da Inglaterra,
Londres.
Se até mesmo o Banco da Inglaterra emitiu bilhetes manuscritos nos
primeiros anos, podemos imaginar que as “ordens de pagamento” e as “ordenanças”
emitidas pelos holandeses, no Brasil, seriam manuscritas e não impressas. A
inexistência de imprensa no Recife vem corroborar com essa idéia, mas nos
faltam informações mais precisas.
Não encontramos referências, para efeito comparativo, de demais emissões
que porventura teriam sido realizadas no período pela Administração Colonial Holandesa
através da WIC, em outros territórios.
Em relação à sua congênere oriental, a Verenigde Oostindische Compagnie
(VOC), ou seja, a Companhia das Índias Orientais, temos as emissões para as
Índias Orientais Holandesas (6) a partir de 1703 – letras de crédito, em rijksdaalders. Temos ,
ainda, um curioso exemplar de 1805, 50 rijksdaalders (S120), com texto
impresso em holandês e árabe, ostentando o monograma da companhia, vejamos:
Fig.
4 – 50 rijksdaalders (S120), das Índias Orientais Holandesas de 1805. Texto
bilíngüe, holandês e árabe. Na
parte inferior esquerda, podemos visualizar o monograma da VOC, a congênere
oriental da W.I.C.
Teriam as “ordens de pagamento” e as “ordenanças” o
monograma da W.I.C?
Não se sabe, mas parece inacreditável que não tenham restado exemplares desses
bilhetes, diante da quantidade de documentos da Companhia ainda existentes em
arquivos na Holanda e no Brasil. Acreditamos que à medida que esses arquivos
forem mais amplamente divulgados, teremos mais novidades sobre esses bilhetes,
ou seja, as primeiras manifestações assemelhadas ao papel-moeda de que se tem
notícia no Brasil.
Além das primeiras manifestações de valores assemelhados ao papel-moeda naqueles
anos (1636-37, 1640 e 1644 – as datas não são precisas), os holandeses cunharam,
em 1645 e 1646, moedas de ouro nos valores de III, VI e XII florins e, em 1654,
moedas de prata no valor de XII soldos.
Essas foram as primeiras moedas cunhadas para o Brasil.
2 As datas não são
absolutas, sendo que estudos futuros podem vir a modificá-las.
3 WÄTJEN, Hermann. O
domínio colonial holandês no Brasil: Um capítulo da história colonial do século
XVII. Recife: Cia. Ed. de Pernambuco, 2004, p.291-343.
4 “West-Indische Compagnie, Oude Compagnie”, ou seja, WIC,
Companhia Velha (1621-1674).
5 Primeiros
exemplares de que se tem prova material da circulação fiduciária no Brasil.
6 Hoje Indonésia.
Publicado originalmente no Boletim n˚ 60, da AFSC (Associação Filatélica
e Numismática de Santa Catarina), agosto de 2009, p.4-9).
Damos início à segunda parte desta matéria tratando das moedas emitidas
pelos holandeses durante sua permanência no Brasil e, na seqüência, dos demais componentes
do meio circulante da época.
As primeiras moedas cunhadas no Brasil
(1645,1646 e 1654)
Fig.1 - Anverso da moeda de XII florins de ouro,
cunhada pelos holandeses no Brasil com ouro proveniente da África. Abaixo do
valor temos o monograma da Companhia GWC (Geoctroyeerde Westindische
Compagnie). No reverso temos «ANNO BRASIL» seguido da data: 1645 ou 1646.
(Museu Histórico Nacional – Rio de Janeiro).
Observação: A denominação mais comum é florim, mas os
documentos de época mencionam “ducado”.
Os holandeses cunharam, no Brasil, moedas de ouro no valor de III, VI e
XII florins (ou ducados), com datas de 1645 e 1646 e moedas de prata no valor
de XII stuivers (soldos), com data de 1654. A partir da metade do
Século XIX, começaram a aparecer falsificações, tanto dos ducados como dos
soldos (valores de X, XX, XXX e XXXX).
As características dessas moedas chamam a atenção. Há alguns anos, vimos
uma delas no Museu Britânico ao lado de um dobrão de Minas (algo mais representativo
para a numismática brasileira?). Faltava, apenas, a Peça da Coroação.
Moeda quadrada ou rombóide. No anverso, sob a cifra romana que exprime o
valor, temos as iniciais da Companhia das Índias Ocidentais (GWC) entrelaçadas
e, no reverso, a inscrição “ANNO BRASIL”, seguida do ano 1645 ou 1646. Alguns autores
afirmam que o pequeno losango (depois um ponto e por fim sem nenhuma marca),
após a palavra Brasil, é a abreviatura de BRASILIæ, termo em latim para “do
Brasil”. Outros afirmam que se trata da marca da oficina monetária ou do cunhador.
Essas moedas foram cunhadas em ouro proveniente da Costa da Guiné, território
que depois passou a se chamar Costa do Ouro e, a partir de 1956, Gana. As
moedas de prata de 1654 são unifaciais, apresentando a cifra romana (XII) e a
iniciais da Companhia GWC, seguidas do ano 1654.
Teriam sido os holandeses os primeiros a bater moeda no Brasil?
Vejamos o que nos informa Lupércio Gonçalves Ferreira, comentando
os apontamentos de Affonso de E. Taunay e Solano de Barros:
“O Dr. Affonso de E. Taunay, que foi diretor da
Revista Numismática, publicação oficial da Sociedade Numismática Brasileira,
escreveu, no quarto número da mesma, em 1933, um artigo intitulado: “As
primeiras moedas brasileiras e a primeira Casa da Moeda do Brasil”, do qual
transcrevemos: “As primeiras moedas brasileiras de que há notícia documental
foram de ouro, dizem-no as mais velhas referências numismáticas ao nosso dispor,
os “São Vicente”, brasileiras, provavelmente fabricadas com o metal de Jaraguá,
a bela montanha do planalto paulistano. Quais seriam os cunhos destes “São
Vicente”? Ninguém o sabe; não existe hoje uma só peça de nossa numismática que
se possa identificar como tal, atribuindo-lhe este nome com alguma segurança”.
Por outro lado, o renomado numismata que foi Alfredo Solano de Barros, em extenso artigo
publicado no Vol. IV dos “Anais do Museu Histórico Nacional (1943), intitulado
“O Regimento do Conde de Óbidos Diante da História e da Legislação Monetária”,
afirma que o que existiu em
São Paulo , desde 1644, foi uma “Oficina Monetária”, cuja finalidade
era marcar barras de ouro ou contramarcar moedas e que “... a primeira Casa
Fundada no Brasil, somente teve lugar no Governo de D. Pedro II – Lei de 8 de
março de 1694” .
(...)
Solano de Barros, no artigo acima mencionado,
escreveu:
“... com referência ao numerário dos holandeses no
Brasil, período de 1645 e 1646 – podemos assegurar ter sido Recife de Pernambuco
o local em que foi batida a primeira moeda de ouro (florim) para circulação nas
Capitanias sujeitas ao domínio da Companhia das Índias Ocidentais (sic)
Geoctroyeerde Westindische Compagnie”. As primeiras moedas cunhadas no Brasil
foram, portando, sem nenhuma dúvida, as obsidionais holandesas, nos anos de
1645, 1646 e 1654. (in: As Primeiras Moedas do Brasil. Recife:
Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico de Pernambuco, 1987, p.13-15).
A par dessa discussão que nos parece superada e, a título de ilustração,
temos as moedas de prata espanholas (real) contramarcadas em virtude do Alvará
de 26 de fevereiro de 1643 e da Carta Régia de 22 de novembro de 1652. São os conhecidos
carimbos coroados, considerados como moeda brasileira inclusive, eis que
circularam também em Portugal.
Os valores são: 60 réis (sobre 1 real), 120 réis (sobre 2
reales), 240 réis (sobre 4 reales) e, finalmente, 480 réis (sobre 8 reales).
Essas moedas foram contramarcadas nas oficinas monetárias de Salvador,
Pernambuco, São Vicente, Maranhão e Rio de Janeiro.
Nesse caso, apesar de serem consideradas moedas pertencentes à coleção
brasileira, receberam apenas uma punção (contramarca), ficando bem distantes do
processo de fabricação de moedas empregado pelos holandeses, qual seja, a
fundição do ouro, transformação em lâmina, corte, pesagem, definição do motivo,
cunho...
Assim sendo, nos parece não restar nenhuma dúvida de que as moedas cunhadas
pelos holandeses foram as primeiras do gênero a serem cunhadas no Brasil, pelo
menos das que se tem notícia.
Moedas obsidionais ou de necessidade? As moedas cunhadas
pelos holandeses no Brasil, geralmente, são denominadas obsidionais, ou
seja, moedas cunhadas sob cerco de tropas inimigas e com características
diferentes das moedas correntes. As moedas de necessidade são aquelas emitidas
em momentos de dificuldades financeiras ou de falta de numerário. No caso dos
holandeses no Recife, ao que tudo indica, em um momento ou em outro, todas
essas características estavam presentes.
Obsidionais ou de necessidade, o fato é que são elas todas
muito raras. Cláudio Schroeder, no Boletim da SNB n° 51, registra 73
exemplares conhecidos das moedas de ouro (1), considerando-se todos os valores.
Das moedas de prata de XII soldos (que seriam as mais raras), menciona-se a existência
de cinco, a saber: a da antiga Coleção Meili, a da Coleção Silva
Ramos, a leiloada por Jacques Shulman de Amsterdã, em 1970 e,
finalmente, outras duas, das quais não se conhecem as imagens, do Museu
Nacional de Copenhaguen (Dinamarca) e da Universidade de Leiden (Holanda).
Exemplares falsificados foram registrados já no século XIX, provenientes
da Europa. No Brasil, temos o caso da Botija do Rio Formoso, “achada” em 1967,
que veio a causar prejuízos a muita gente desavisada e avisada também. A literatura
sobre o assunto é farta e curiosa.
Em 1981, foi encontrado, próximo à ilha de Itaparica, o galeão holandês Utrecht,
afundado em 1648 juntamente com a fragata portuguesa Nossa Senhora do Rosário,
o que resultou no achado de moedas obsidionais, em quantidade não revelada
por seus descobridores e que vêm, desde aquela época, aparecendo em leilões internacionais.
O primeiro registro dessas moedas, fora das atas da companhia, apareceu
no Livro do Tombo do Museu Nacional de Copenhague, na Dinamarca, para o ano de
1793. Kurt Prober nos informa, com exatidão, que existem na Coleção de Moedas
do Museu Real de Copenhague, na Dinamarca, quatro que lá se encontram pelo
menos desde 31.12.1793, data em que o arquivista Jens Jacob Weber fez,
de próprio punho, o registro, na página 235, na Coleção Real de Moedas de
Frederick III.
Informa, ainda, que essas quatro moedas, XII - 1645, XII - 1646, VI –
1646 e III – 1646, foram descritas em folheto da Sra. Af.Kirsten Bendixen,
Chefe da Seção de Numismática daquele Museu em 1971, contendo 7 páginas e com a
ilustração de três peças, uma de cada valor, e que a aludida senhora informou
ao numismata João Fernandes Penna, do Rio de Janeiro, que as moedas em
questão foram ofertadas ao Rei Cristin IV pelo Conde de Nassau, juntamente
com uma série de pinturas do Brasil de Albert Eckhout, que ainda se encontram
no Departamento Etnográfico do Museu.
Fig.2 – Ilustração da moeda de XII soldos de prata,
constante da “Histoire Métallique Des XVII Provinces Des Pays-Bas” de Gerard
van Loon, publicada, em francês, entre 1732 e 1737.
Em 1726, foram publicadas as primeiras imagens das moedas na obra de Gerard van Lonn, “História Metálica das XVII Províncias dos Países Baixos”, ou em holandês:
Beschryving der Nederlandsche Historipenningen, ou ainda em francês “Histoire
Métallique Des XVII Provinces Des Pays-Bas”,
publicada entre 1732-37.
O primeiro registro
fotográfico apareceu em 1895, na obra de Julius Meili, "Die Münzen der Colonie Bresilien" (As Moedas da Colônia do Brasil) 1645-1822, Tabela I.
A emissão de 1645
A primeira referência à necessidade de cunhar moedas no Brasil Holandês
se encontra consubstanciada na ata do Alto e Secreto Conselho2 de 21 de julho de
1645.
As razões apontadas eram a escassez de numerário e a necessidade de
dinheiro para realizar, entre outras coisas, o pagamento da milícia. Para
tanto, haviam tomado a decisão de retirar da caixa do ouro do navio Zeelandia,
chegado da Costa da Guiné, a quantia de 360 marcos, para com eles cunhar
dinheiro ou vendê-los.
A decisão do Alto e Secreto Conselho de cunhar moedas foi tomada na sessão
de 18 de agosto de 1645, diante da impossibilidade de obtenção de dinheiro.
Já haviam vendido parte dos 360 marcos de ouro e decidiram, com o
restante, cunhar moedas, mesmo sem autorização, diante da grande necessidade.
Assim foi resolvido que seriam cunhadas moedas quadradas de 3, 6 e 12 florins,
tendo em uma face o emblema da Companhia e, na outra, a data. Foi encarregado o
Sr. Pieter Jansen Bas, membro do Alto e Secreto Conselho e anteriormente
ourives, de fiscalizar a cunhagem.
Estima-se que a cunhagem tenha começado imediatamente, eis que em 14 de
setembro foram enviados exemplares de cada um dos valores ao Conselho dos XIX na
Holanda, bem como as justificativas para tal procedimento. A cunhagem teria se
estendido até o final de setembro.
Vejamos uma interessante notícia veiculada no Diário ou Breve
Discurso, de 1° de outubro de 1645, traduzido por José Hygino e
citado pelo Prof. José Antônio Gonçalves de Mello:
“Há alguns dias que os Senhores do Supremo Conselho
assentaram de fazer uma nova moeda, e já se cunhou uma grande soma em ouro, de
3, 6 e 12 florins, o que vem muitíssimo a propósito para contentar os militares
e outras pessoas. Diz-se também, que serão cunhadas moedas de prata; o tempo o
mostrará”. (in: Os Ducados Brasileiros de 1645 e 1646 e as moedas
obsidionais cunhadas no Recife em 1654. Recife: Separata da Revista do Instituto
Arqueológico e Geográfico de Pernambuco, 1976, p.189).
Somente em 10 de outubro de 1645 foi baixada a Instrução pela qual o Sr.
Pieter Jansen Bas deveria reger-se na cunhagem das moedas para a Companhia das
Índias Ocidentais. Vejamos, na íntegra, a tradução dessa instrução realizada
pelo Prof. José Antônio Gonçalves de Mello:
“Em primeiro lugar, como fiscal da moeda da parte da
Companhia das Índias Ocidentais e por ordem dos Nobres Senhores Altos e Secretos
Conselheiros no Brasil, deverá mandar cunhar um moeda de ouro quadrada, tendo
de um lado o emblema comum da Companhia das Índias Ocidentais e do outro lado
em letras a palavra BRASIL e ano 1645. Esta moeda será denominada Ducado Brasileiro
e terá três valores, dos quais o valor maior terá 32 peças por marco de peso
troy, com tolerância de 1 e ½ engels e será recebido pelo valor de 12 florins, de
40 grossos flamengos o florim, tanto pela Companhia quanto por quem quer que
seja, mas somente no Brasil.
“O segundo valor do mesmo Ducado terá, por marco de
peso troy, 64 peças, com tolerância de 2 engels de peso troy, e terá curso de 6
florins, de 40 grossos flamengos o florim.
“O terceiro tipo do supracitado Ducado terá 128 peças
por marco de peso troy, com tolerância de 2 e ½ engels troy e terá curso a
valor de 3 florins, de 40 grossos flamengos o florim. “O mencionado Ducado Brasileiro
com seus valores deverá ser feito do ouro proveniente da Guiné, das Índias
Ocidentais ou de qualquer outra procedência, o qual será fornecido para cunhagem
pelos Nobres Senhores Altos e Secretos Conselheiros, pelo que o fiscal da moeda
a nenhuma responsabilidade será sujeito pela fatura desse dinheiro, tanto aqui quanto
em qualquer outra parte, devendo o dinheiro ser aceito como se apresentar, já
que neste pais atualmente nenhuma ferramenta, materiais e outras cousas
necessárias aos ensaios podem ser obtidas ou encontradas,e também porque não é
possível que variedades diversas e diferentes quilates possam ser transformados
em massa da qual se possam obter quilates ou feituras uniformes, de modo que o ouro
tal como é lançado no cadinho será transformado em lâminas, e deverá ser
cortado e cunhado sem quaisquer outras considerações.
“A perda que houver ficará a cargo dos mestres, mas a responsabilidade
por tudo que diz respeito às moedas e ao que ainda vier a ser cunhado será dos
Altos e Secretos Conselheiros. “Pelo trabalho de fazer do ouro bruto a moeda,
de tal modo que possa ser aceite, perceberá oito por cento para pagamento de cerca
de 14 a
20 trabalhadores que serão necessários ao serviço.
“Ainda ficarão por conta da Companhia todas as
despesas com carvão, luz, tiçoeiros e tesouras próprias e tudo o mais que se
fizer necessário à cunhagem e respectivo trabalho.
“Também o fiscal da referida moeda fará jus a
retribuição ou gratificação a ser estabelecida e fixada dentro de poucos dias, sujeita
à concordância e aprovação dos nossos superiores na Pátria. “Desses foram
feitas três vias iguais, por nós, Altos e Secretos Conselheiros, e assinamos
aos 10 de outubro de 1645 no Recife de Pernambuco. A. Hamel, A. van Bullestrate,
Pieter Jansens Bas” (op. cit., p. 189-191).
Devemos fazer três observações sobre essa ata. A primeira refere-se ao termo
“Ducado Brasileiro”, que seria o nome “oficial” da moeda, como ficou consignado
na ata. A questão é que se trata de uma tradução, o que comporta interpretação,
evidentemente. Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, o
gentílico brasileiro (relativo ao Brasil e aos brasileiros) foi datado
pela primeira vez em 1706 na obra de José Soares da Silva intitulada – Gazeta
em forma de Carta, Tomo I (1701-1709), Biblioteca Nacional de Lisboa, 1933. O termo
anteriormente utilizado, com o mesmo sentido, é brasiliense, datado de 1618.
Desta forma, o termo “Ducado Brasileiro”, para o Século XVII, significa que
a moeda foi cunhada nas terras do Brasil, sob domínio holandês, e não brasileiro
na acepção moderna. Também, pensamos que não deve ser afastada a denominação
florim, eis que ela consta diversas vezes na ata.
Outra questão interessante é sobre a qualidade das moedas, mesmo a ata mencionando
a ausência de instrumentos e outras dificuldades para a realização da cunhagem,
o fato é que essas moedas foram cunhadas por mestres competentes e com bom
resultado. A liga de ouro utilizada tem título superior a 20 quilates e,
segundo Gastão Dessart, “em média o título encontrado tem sido de 22
quilates”.
Em relação à quantidade de ouro cunhada, existem apenas estimativas e se
supõe que as duas cunhagens (1645 e 1646) sejam aproximadamente equivalentes.
A emissão de 1646
A emissão de 1645 foi insuficiente, tanto que no mês de novembro já
havia falta de dinheiro. No primeiro semestre de 1646, havia falta de víveres,
além da escassez de dinheiro. Em 21 de março de 1646, chegaram da Costa da Mina
e de São Tomé, em escala no Recife, os navios (do mesmo nome) Eendracht da
Câmara de Amsterdã e o Eendracht de Enkhuisen, com 1604 marcos de ouro
(quase 395 quilos). No dia seguinte ficou consignado na ata:
“Em conseqüência desta guerra e por tardar o socorro
da Pátria, sendo indispensável algum dinheiro de que a Companhia se possa
servir, tanto para custeio das fortificações e compra de diversos gêneros, dos
quais não se pode prescindir, quanto para prover o soldo de alimentação dos empregados
da Companhia e em qualquer emergência podermo-nos socorrer dos armazéns; e, por
outro lado, como não conseguimos mais dinheiro a risco para a Companhia, por
não termos paubrasil em depósito; e como a falta de numerário pode
acarretar-nos graves dificuldades, resolveu-se, para evitar, na medida do
possível, tais dificuldades, especialmente as que possam sobrevir em ocasião inesperada,
e que, por meio de dinheiro, possam ser evitadas, retirar da caixa-forte que
acaba de chegar da Guiné com o Sr. Ruychaver, para benefício desta conquista,
360 marcos de ouro e verificar, por intermédio dos corretores, o preço por que
podem ser vendidos (já que não nos é possível, por falta de cadinhos e do
necessário para medidas poder cunhar moedas), para alcançar a melhor oferta
possível” (op. cit. p. 198-199).
Esse ouro retirado dos navios foi todo vendido, não resultando cunhagem.
Em agosto de 1646, uma nova penúria de numerário restou consignada em uma
missiva endereçada ao Conselho dos XIX (26 de agosto de 1646). Vejamos:
“Não tivemos outra solução senão recorrer ao ouro da
Guiné e dele retirar, para subsídio de caixa, 405 marcos, dos quais vendemos em
leilão 25 a
39 florins a onça e 25 a
40 florins e o restante guardamos com intenção de faze-lo cunhar”. (op. cit. p.199)
O Prof. José Antônio Gonçalves de Mello, na obra já citada,
deixou consignado sobre a emissão de 1646: “Com relação a esta emissão de 1646,
e ao contrário da de 1645, chegou até nós o registro pormenorizado e as contas
desta cunhagem, os quais aqui traduzimos pela primeira vez. Foi encarregado da
direção e fiscalização dos trabalhos o ex-Alto Conselheiro Pieter Jansen Bas,
servindo-lhe de regimento a mesma “Instrução” de 10 de outubro de 1645, da
cunhagem anterior. Os ourives por ele convocados teriam sido os que realizaram
o mesmo trabalho um ano antes, e eram: Andries Ketelaer, Hendrick Bruynsvelt, Johannes
Courtenius e Pieter Verbeecq. A 27 de agosto Bas recebeu do Tesoureiro Alrichs
a primeira quantidade de ouro da Guiné, seguindo-se as demais nas datas abaixo:
1646 agosto 27............... 80
marcos
setembro 5 ............ 80 “
outubro 4 .............. 80 “
outubro 12........... 115 “
Total................................ 355 marcos
Este total corresponde ao que foi retirado, em 25 de agosto, da caixa de
ouro da Guiné, isto é, 405 marcos, menos 50 marcos que foram vendidos aos
comerciantes do Recife, como ficou indicado antes.
No mesmo dia, 27 de agosto, começou o trabalho de cunhagem; trabalho
nada fácil, pela má qualidade e pequena capacidade dos cadinhos...” (op. cit. p. 199- 200)
Na obra do Prof. Antônio Gonçalves de Mello, existem mais
detalhes sobre a cunhagem e sobre os cunhos utilizados, matéria que não será
abordada nestas breves linhas.
A quantidade de moedas em relação às duas emissões ainda resta a ser estabelecida,
eis que não consta nos documentos oficiais. Gerard van Loon estimou em
700 dúzias ou 8.400 moedas, número não aceito pelos estudiosos da matéria. O Prof.
José Antonio fez uma projeção de mais de 18.000 moedas para os três
valores.
A emissão de 1654
No próprio dia da capitulação e entrega do Recife, 26 de janeiro de 1654, a ata da reunião do
Alto Governo deixou registrado:
“O Coletor-geral Jacob Alrichs, tendo exposto que a
caixa estava totalmente desprovida de dinheiro e que nem mesmo as dívidas mais pequenas
podiam ser pagas, posse em deliberação se não podiam ser cunhadas algumas
moedas de prata em obras, com as quais se atendesse a essa emergência [extremiteit]
e mais tarde fossem recolhidas. Para isso os Senhores Schonenborch e Haccxs ofereceram-se
para entregar a pouca prata da baixela de suas casas, no que não tiveram seguidores.
Entretanto, para começar, foram tomadas pelo Coletor-geral, a qual deverá ser entregue
ao Sr. Henrik Brunsvelt, que com ela cunhará moedas quadradas, a saber:
uma moeda de 8 engels [= 12gr30 a 12g35] que valerá 2
florins; uma moeda de 4 engels [= 6gr15 a 6g17] que valerá 1 florim; uma moeda
de 2 engels [= 3gr07 a 3g08] que valerá 10 stuivers3.” (op. cit. p. 219).
Na ata de 31 de janeiro de 1654, consta que o Mestre de Campo General Francisco
Barreto de Menezes mandou suspender os trabalhos, tendo a cunhagem durado
apenas seis dias.
Como vimos, os valores autorizados, pela ata, eram 2, 1 e ½ florim, isto
é, correspondentes a 40, 20 e 10 stuivers ou soldos (sistema decimal).
O fato é que, contrariando a ata, o valor que sempre foi considerado
como efetivamente cunhado é o de XII stuivers (sistema duodecimal)
ou mesmo florins, já que não se tem certeza se o que se quis fazer foi mesmo
uma moeda de 12 stuivers, ou peças com um valor apenas representativo do
12 florins de ouro, para que depois pudessem ser resgatadas.
Como disse Kurt Prober, durante pelo menos 200 anos só se
conhecia um único nominal das moedas de 1654 que era o de XII, ilustrado por Julius
Meili n° 5, pesando 5 gramas, peça da qual se conheciam 2 ou 3 exemplares,
todos batidos com o mesmo cunho.
Disse mais: essa tranqüilidade manteve-se até 1870, quando do aparecimento
do “Catalogue Descriptif des Monnaies Obsidinales et de Necessité”, de autoria
de Prosper Mailliet, de Bruxelas, na Bélgica.
Realmente, nesse catálogo, Prosper Mailliet relaciona, além dos
valores tradicionais, 12, 6 e 3 florins de ouro, moedas de prata e até uma de
cobre.
Vejamos:
“Continuation de la guerre contre les Portugais, em 1654.
4. 40 sols. Arg. Catalogue Callenfels, n°364.
5. 30 sols. Arg. Catalogue Munnicks van Cleeff, n°263.
6. 20 sols. Cuivre. Semblable au n°7, mais avec la valeur
XX.Catalogue Callenfels, n° 365.
7. 12 sols. Arg. Uniface, carrée. Dans le champ, sous le nombre
XII qui indique la valeur, les lettres: GWC entrelacées, Au-dessous, le millésime
1654.Van Loon, t.II, p.369. Duby, pl. XVI, n°8.
8. 10 sols. Arg. Catalogue Munnicks van Cleeff, n° 269.» (in, Catalogue
Descriptif des Monnaies Obsidinales et de Necessité, Bruxelles, 1870, p. 67-68)
(grifo nosso).
Em 1886, desta vez em Paris, aparece sendo leiloada a Coleção de Mailliet
– “Monnaies Obsidionales et de Necessité”, onde são relacionados
apenas dois exemplares destas moedas, um de 6 florins de ouro e um “20
soldos de 1654 de cobre”. Este último provavelmente ele não tenha
conseguido “passar” a diante.
Agora, voltando às verdadeiras, para sedimentar a autenticidade da moeda de XII stuivers, basta mencionar que somente ela aparece na literatura anterior a 1870, o que consta na monumental obra de Gerard van Lonn, “Histoire Métallique Des XVII Provinces Des Pays-Bas”, editada pela primeira vez em 1726, em holandês, e reeditada em francês, em 1732-374, como já havíamos mencionado. Todas as cinco moedas autênticas de XII possuem o mesmo cunho. Os demais valores de prata existentes são todos de origem duvidosa, quando não flagrantemente falsas, tanto pelo cunho grosseiro ou pelo valor.
Agora, voltando às verdadeiras, para sedimentar a autenticidade da moeda de XII stuivers, basta mencionar que somente ela aparece na literatura anterior a 1870, o que consta na monumental obra de Gerard van Lonn, “Histoire Métallique Des XVII Provinces Des Pays-Bas”, editada pela primeira vez em 1726, em holandês, e reeditada em francês, em 1732-374, como já havíamos mencionado. Todas as cinco moedas autênticas de XII possuem o mesmo cunho. Os demais valores de prata existentes são todos de origem duvidosa, quando não flagrantemente falsas, tanto pelo cunho grosseiro ou pelo valor.
Um bom exemplo disto é a moeda de “XXXX stuivers” do Museu Histórico
Nacional (5) que
insistem em apresentar como verdadeira, poderiam ao menos dizer que esta “sob
análise”. Em relação a esta moeda, Kurt Prober afirma que a mesma veio
da Coleção Pedro Massena e que foi vendida ao Museu em 1921, ele
apresenta esta moeda na Prancha “T” – Falsificações surgidas depois de 1860.
F. A. Varnhagem em seu livro “História das Lutas com os holandeses no Brasil”
publicado em Viena em 1871, não faz menção às moedas ditas da série decimal,
ilustra as moedas de ouro nos valores de 3, 6 e 12 florins e o 12 stuivers de
1654.
Demais componentes do Meio Circulante da época
No território assenhoreado pelos holandeses no Brasil circulavam, além
das moedas acima mencionadas, moedas vindas da Holanda, quais sejam, os florins,
os soldos e os xelins.
Além dessas moedas, encontramos menção a moedas portuguesas, “os portugueses”
de ouro. Vejamos o que nos informa Edgar de Araújo Romero:
“Em princípios de 1642, navios chegados de Amsterdã descarregaram
avultado número de caixas repletas de moedas de ouro, conhecidas sob o nome de Portugalezas,
de D. Manoel e D.João III, de ouro de 23 ¾ de quilate, então ainda em circulação).
Pelo desejo do Conselho do XIX, deviam ser postas em circulação com o valor cambial
de 75 florins, por peça. Sendo, porém, semelhante valor demasiado alto para o
Brasil, e não se achando absolutamente em relação ao preço cotado para as pistolas
e os 8 reales de prata, o governo recifense fez um reajustamento, baixando as Portugalezas para
60 florins e as pistolas dobrões para 9 florins e 10 soldos’. (in:
O Meio Circulante no Brasil Holandês. Rio de Janeiro: Anais do Museu Histórico Nacional,
Imprensa Nacional, Vol.II, 1940, p.25).
Do texto acima se depreende que os holandeses também faziam uso das
moedas de prata provenientes da América Espanhola, pistolas e os 8
reales. Isso era comum, mesmo entre os portugueses. O fato é que a falta de
dinheiro amoedado era tanta, que utilizaram todos os meios possíveis para
combater a crise monetária e conter uma possível sublevação militar.
Em fevereiro de 1645, o Alto Conselho chegou a propor o pagamento de
parte do soldo aos oficias e às guarnições com vinho espanhol ou em aguardente. Fizeram
também empréstimos mercantis e depois tentaram o reconhecimento desses
títulos junto aos Diretores da Companhia.
Assim se constituía o meio circulante da época. Além das moedas cunhadas
pelos holandeses, circulavam moedas provenientes da Holanda, moedas portuguesas
e espanholas, e ainda outros expedientes úteis que se apresentaram naquele
momento.
No tocante às moedas provenientes da Holanda e que circulavam no Brasil,
pensamos que uma análise dos achados arqueológicos seria de grande utilidade.
Um pouco mais difícil seria o estudo das moedas portuguesas e espanholas
que circulavam entre os holandeses, pois essas continuaram a circular naquele
território por muito mais tempo que as moedas holandesas.
Fig.3 - Anverso da moeda de 2 stuivers de 1619 – encontrada no Forte Orange em Itamaracá, originária da Província de Overyssel na Holanda.
Conclusão
As emissões holandesas em seu conjunto (ordens de pagamento, ordenanças
e moedas obsidionais) circularam no território do Domínio Holandês e, na
maioria das vezes, em períodos de extrema necessidade ou de cerco. Sua
utilização em outras áreas poderia ser tomada como alta traição. No tocante à
precariedade do Meio Circulante da época, F. dos Santos Trigueiros faz
interessantes comentários e transcreve uma passagem do Padre Antônio Vieira.
Vejamos:
«No Maranhão, o dinheiro praticamente não existia, desempenhando papel
de moeda nas trocas o açucar, o cacau e o algodão em fio e em tecido, motivando
a alusão feita pelo Padre Antônio Vieira num sermão da quaresma em 1653 na
Cidade de São Luis: “O dinheiro desta terra é pano de algodão e o preço ordinário
por que servem os índios, e servirão cada mês, são duas varas deste pano que
valem dois tostões. Donde se segue que por menos de sete réis de cobre servirá
um índio cada dia”»6.
Neste mesmo sentido, Lupércio Gonçalves Ferreira 7, citando o Prof. José Antônio Gonçalves de Mello no livro “A rendição dos holandeses no Recife”, nos traz:
Neste mesmo sentido, Lupércio Gonçalves Ferreira 7, citando o Prof. José Antônio Gonçalves de Mello no livro “A rendição dos holandeses no Recife”, nos traz:
“No Recife consta que a Senhora Schkoppe foi à Casa dos Conselheiros no
domingo 8 de fevereiro de 1654, às 8 horas da noite, para dizer que era
devedora de grande soma de dinheiro a diversas pessoas e que não aceitaria
partir daqui sem primeiro satisfazer os seus credores. E que não tinha meios para
fazê-lo, por estar o Governo a dever a seu marido muitos meses de soldo. Além
de o soldo ser pago aqui em moeda desvalorizada, pedia que se lhe pagassem seis
meses dele no valor do dinheiro da Holanda, e como insistia por isso, o Governo
ficou de ver como poderia satisfazê-la, embora “não haja qualquer dinheiro em
caixa”.
A legislação e os principais documentos dos holandeses, pertinentes a essas emissões, são:
- Decreto de 1640 - estabeleceu as
ordenanças ou ordens de pagamento, garantidas pelas rendas reais provenientes
das arrecadações.
- Ata de 21 de julho
de 1645 – O órgão supremo da administração – o Alto e Secreto Conselho toma a
decisão de retirar do navio Zeelandia, recentemente chegado da Guiné, a quantia
de 360 marcos de ouro, para vender ou cunhar moeda, diante da escassez de numerário
para o pagamento da milícia. Resolveram então cunhar moedas de ouro nos valores
de 12, 6 e 3 florins (as primeiras moedas cunhadas no Brasil), tendo de um lado
o símbolo da companhia e do outro a data, dando-lhes um aumento em torno de 20%
a 30% no valor do ouro, sobre as de igual representatividade das cunhadas na
Holanda, a fim de que as mesmas não saíssem do país e pudessem ser recolhidas
no futuro.
- Decisão de 18 de
agosto de 1645 –
Do Alto e Secreto Conselho de cunhar moedas. O Conselheiro da Companhia,
Pieter Janssen Bas, foi o encarregado da produção das moedas, mediante
concessão formal e isento de qualquer acusação futura. Primeiramente, foram
cunhados exemplares de cada moeda para serem enviados ao Conselho dos XIX na
Holanda, cuja remessa foi realizada em 14 de setembro de 1645. Em 10 de outubro
de 1645 foi dada a ordem para o início da cunhagem das moedas para circulação
local.
- Instrução de 10 de
outubro de 1645
– Instrução pela qual Sr. Pieter Jansen Bas deveria reger-se na cunhagem
das moedas.
- Ata de 26 de
janeiro de 1654 – Ata da reunião do Alto Governo, autorizando a cunhagem de moedas de
prata de emergência de três valores, X, XX e XXXX soldos.
Existem bons apontamentos sobre as moedas cunhadas pelos holandeses
durante o período da “Nieuw Holanda”, principalmente sobre as de ouro.
Pouco ou nada existe sobre as Ordens de Pagamento e as Ordenanças.
Fig.4 - Monograma da W.I.C.
Bibliografia:
- ANGELINI, Cláudio Marcos. Os Holandeses no Brasil e as
obsidionais. São Paulo: texto publicado na página da Revista Acervus Cultura e Arte - Belo Horizonte,
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- COLIN, Oswaldo. Brasil através da moeda. Rio de Janeiro:
Centro Cultural Banco do Brasil, 1995, 64p.
- CUHAJ, Geoger S. (editor)
Standard Catalog of World Paper Money, Specialized Issues, Volume One. East State Street – Iola: Kp Books, USA , 2005.
- FERREIRA, Lupércio Gonçalves. As primeiras Moedas do Brasil.
Recife: Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco, 1987.
- GONÇALVES, Cleber Baptista. Casa da Moeda do Brasil, 290 anos de
história, 1694-1984. Rio de Janeiro: Casa da Moedas do Brasil, 1985.
- GONÇALVES, Cleber Baptista. Casa da Moeda do Brasil. Rio
de Janeiro: Casa da Moeda do Brasil, 2 edição, 1989, 937p.
- GONSALVES DE MELLO, José Antônio. Os Ducados Brasileiros de 1645
e 1646 e as moedas obsidionais cunhadas no Recife em 1654. Recife: Revista do Instituto
Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco, V.48, 1976, p.185-227.
- HERKENHOFF, Paulo (organizador). O Brasil e os Holandeses
1630-1654. Rio de Janeiro: GMT Editores Ltda. 1999.
- LISSA, Violo Idolo. Catálogo do Papel-Moeda do Brasil 1771-1986.
Emissões oficiais, bancárias e regionais, Brasília: Ed. Gráfica Brasiliana, 3 edição, 1987.
- MAILLET, Prosper. Catalogue descriptif des Monnaies Obsidionaleset de Nécessité. Bruxelles : 1870.
- MAGALHÃES, Augusto F.R. de. Os Bancos Centrais e sua função
Reguladora da Moeda e do Crédito. Rio de Janeiro: A Casa do Livro. 1971, 487p.
- NETSCHER, P.M. Les Hollandais au Brésil, notice historique sur les Pays-Bas et le Brésil au XVII siècle.Le Haye (Den Haag): Belinfante Frères, 1853.
- PROBER, Kurt. Catálogo de Moedas Brasileiras. Rio de
Janeiro: 1ª edição, 1960.
- PROBER, Kurt. “Obsidionais” As primeiras Moedas do Brasil. Rio
de Janeiro: Paquetá, Monografias Numismáticas – XIII, 1987.
- RIZZINI, Carlos. O Livro, o Jornal e a Tipografia no Brasil,
1500-1822, com breve estudo geral sobre a informação. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, Ed.
fac-similar, 1988.
- SANDRONI, Paulo. (organização e supervisão) Novíssimo Dicionário
de Economia. Editora Best Seller, 1999.
- SANTOS LEITÃO. Catálago de moedas brasileiras, de 1943 a 1965. Rio de
Janeiro: Santos Leitão & Cia. Ltda, 10 edição, 1965, 205p.
- SHOROEDER, Cláudio. O Ducado Brasileiro (1645-1646),
Boletim da SNB, Ed. 51.
- TRIGUEIROS, F. dos Santos. Dinheiro no Brasil. Rio de
Janeiro: Léo Cristiano Editorial, 2ª edição, 1987.
- VAN DER WEE, H. (org.). La Banque en Occident. Genève: Union
Bancaire Privée, Fonds Mercator Anvers ,
1994.
- VAN LOON, Gerard. Histoire métalliquedes XVII Provinces des Pays-Bas, depuis l´abdication de Charles Quint jusqu`a la paix de Bade en MDCCXVI. La Haya (Den Haag): 1732-1737, 5V.
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- WÄTJEN, Hermann. O domínio colonial holandês no Brasil: Um
capítulo da história colonial do século XVII. Recife: Cia. Ed. de Pernambuco, 2004, p.291-343.
NOTAS
1 Este número pode ter aumentado.
2 Denominação oficial do órgão supremo da administração do Domínio
Holandês no Brasil.
3 Alfredo de Carvalho havia traduzido por engano «tien stuvers» por
doze stuivers, ou soldos,
enquanto o correto é 10 stuivers ou soldos. Gastão Dessart parece
ter acompanhado o erro, mas
Kurt Prober, apesar de transcrever sua tradução, considera em seus
apontamentos 10 stuivers.
5 Existe um interessante estudo sobre essa moeda na Revista Brasileira de
Arqueologia,
Restauração e Conservação, V.1, n°6, p.296-300.
6 Dinheiro no Brasil. Rio de Janeiro: Léo Christiano Editorial Ltda, 2ª
edição, 1987.
7 As Primeiras Moedas do Brasil. Recife: Instituto Arqueológico, Histórico
e Geográfico de Pernambuco, 1987, p.39.
Anexo I - Quadro Geral das Emissões dos holandeses no
Brasil
Ordens de Pagamento e Ordenanças
(as primeiras formas assemelhadas ao papel-moeda do Brasil)
Ordens de Pagamento 1636 – 1637
Valores Quantidade Emissão:
sem autorização legal, em junho de 1636.
(…) florins indeterminada Recolhimento: ainda
estavam sendo recolhidos em
8.000 florins « março
de 1637.
10.000 florins « Provavelmente
manuscritas.
16.000 florins « Valores
possivelmente definidos
20.000 florins « (informações
baseadas em documentos da época por
25.000 florins « Hermann
Wätjen, em O
Domínio Colonial Holandês
no Brasil).
Ordenanças 1640 e 1644
Valores Quantidade Emissão:
com autorização legal – Decreto de 1640
(...) florins indeterminada
Provavelmente manuscritas.
Moedas
(as primeiras moedas cunhadas no Brasil)
Florins ou Ducados – cunhados com aumento de 20% a 30% sobre os da
Holanda, a fim de
que não saíssem do Brasil e pudessem mais tarde ser recolhidos.
1645
Valores Peso (oficial) Quantidade
indeterminada
III florins 1,93 a
1,90 grs. «
VI florins 3,86 a
3,79 grs. «
XII florins 7,72 a
7,57 grs. «
1646
Valores Quantidade
indeterminada
III florins 1,93 a
1,90 grs.
«
VI florins 3,86 a
3,79 grs.
«
XII florins 7,72 a
7,57 grs «
1654
Valor
XII soldos 5,00 grs. «
Anexo II - Imagens do Catálogo Kurt Prober – Catálogo
de Moedas Brasileiras de 1960
Agradecimentos: Aos colegas da AFSC e em especial a Milton Milazzo Jr, Ernani Santos Rebello e Luis Cláudio Fritzen, ao numismata Alberto Paashaus, à Fundação Joaquim Nabuco, na pessoa do Sr. Lino Madureira e a todos que direta ou indiretamente colaboraram na elaboração deste trabalho.
Autor: Marcio R. Sandoval (sterlingnumismatic@hotmail.com)
Publicado originalmente no Boletimn˚ 61, da AFSC (Associação Filatélica e Numismática de Santa Catarina), março
de 2010, p.4-19).